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Terça-feira, 19/10/2010
Digestivo Cultural: 10 anos de autenticidade
Wellington Machado

Se o leitor fizer uma busca na internet, digitando o nome do jornalista Sérgio Augusto, chegará ao Digestivo Cultural já nos primeiros itens da pesquisa. Não sei por quais tipos de conexões virtuais, por coincidências, intercalações, ligações metafísicas ou até, para os crentes, por determinismo, o nome do Sérgio parece andar sempre atrelado ao do site. Afinidade? Assim espero, pois ter boas influências só nos faz crescer. O fato é que eu também, assim como centenas (talvez milhares) de leitores, descobri o Digestivo Cultural lendo o Sérgio Augusto. Se o portal tivesse um paraninfo, certamente o jornalista seria um dos mais cotados a assumir o posto.

Fazendo um exercício de memória, tento reconstruir o ambiente cultural brasileiro de dez anos atrás, quando surgiu o Digestivo. Lembro que tínhamos algumas publicações culturais importantes, mas já cambaleantes, assustadas com as ameaças e as incertezas trazidas pelo crescimento da internet. As revistas Bravo! e Cult viviam o seu auge, o programa Manhattan Connection tentava se recuperar da perda do Paulo Francis, os cadernos culturais dos jornais de domingo ainda eram densos. Iniciante na rede social, ciscando aqui e ali, eu lia com frequência dois sites, talvez os desbravadores culturais da rede: o No Mínimo e o Digestivo Cultural.

Ao comemorar seus dez anos, o Digestivo resiste bravamente (o No Mínimo já não existe; vários sites se perderam pelo caminho; surgiram os blogs, "facebooks", o Twitter) e segue firme, com vitalidade. Mas resiste não só pelo que ele "é", mas muito também pelo que ele "não é". A força do portal está no seu caráter inovador, no ineditismo e na sua autenticidade, características que o tornam único.

Existem várias revistas literárias na rede, muitas delas de excelente qualidade, onde escritores, consagrados ou não, publicam seus contos, poesias, críticas, ensaios etc. O Digestivo Cultural "não é" mais uma dessas revistas literárias. Como também "não é" um portal de publicação de textos de ficção, cuja função é atribuída mais aos suplementos literários (virtuais ou impressos) ― temos vários exemplos de sites nesses moldes, cuja importância é também inquestionável. E o Digestivo também "não é" uma plataforma de textos acadêmicos, carregados de referências bibliográficas e notas de rodapé. Assim como "não é" um portal agregador de blogs individuais. Nada contra os exemplos citados, mas o que quero dizer é que o Digestivo Cultural criou um nicho, inventou algo que não existia, qual seja, jornalismo cultural produzido por anônimos, por gente que vive, respira e venera cultura, mas que não é necessariamente jornalista. Talvez seja essa a razão da sua longevidade ― que não é pequena ante a volatilidade na rede.

No que tange ao que o Digestivo "é", há de se destacar dois pontos globais que talvez passem despercebidos ao leitor: o seu caráter democrático e, por consequência, a sua diversidade ― de pessoas escrevendo e de temas abordados no portal. Em se tratando de temas, a única exigência que se faz é que a cultura esteja de alguma forma envolvida nos textos. Música, literatura, teatro, cinema, culinária, televisão; tudo é possível, desde que "digerido" sob a lente cultural.

Há de se ressaltar a total liberdade de criação e de temas. Muitos desses aspectos só podem ser notados por quem participa do site. Escreve-se aqui sobre Paulo Coelho, Senhor dos Anéis, Harry Potter ou vampiros, com a mesma seriedade e respeito com que se fala de Saramago, Philip Roth, Matisse ou Mozart. Não há restrições também quanto ao gênero textual. Quem determina se vai fazer crítica, ensaio, reportagem, crônica ou resenha é o autor. Tamanha liberdade facilita o tratamento argumentativo do texto que, ressalto também como algo autêntico no Digestivo, muitas vezes acontece de maneira transversal, interdisciplinar até, alinhando literatura e filosofia, cinema e literatura, música e cinema etc.

E a diversidade está presente também no rol de colunistas (homens e mulheres), provenientes das mais diversas cidades do Brasil, de norte a sul, de leste a oeste. Muito antes de se levantar a questão da exigência (ou não) do diploma de jornalismo como pré-requisito para escrever na imprensa, o Digestivo já antecipava a tendência "liberal", permitindo a qualquer pessoa, de qualquer profissão, fazer jornalismo cultural de maneira autodidata ou intuitiva ― como acontecia antigamente; haja vista os exemplos de Otto Maria Carpeaux, Paulo Francis, Nelson Rodrigues e do próprio Sérgio Augusto, que aprenderam o ofício na prática.

E além dos colunistas, o Digestivo Cultural frequentemente abre espaço para colaboradores eventuais, que contribuem invariavelmente com textos de alta qualidade. E o mais importante: todos gozam de um espaço invejável para se expressar aqui. Isso é uma raridade! Como é notório, a tendência nos veículos de imprensa é encurtar e condensar os textos o máximo possível, para que sejam lidos com rapidez, condizentes com a correria contemporânea. Já o Digestivo incentiva a produção de textos mais elaborados, analíticos, que busquem concatenar ideias e proposições, sem maiores preocupações com o tamanho ou limite de toques.

Essa liberdade em relação ao espaço, quesito indispensável no exercício do jornalismo cultural, está presente também nas entrevistas, muitas delas extensas, abrangentes e profundas, que o portal realiza. E estão presentes nelas também o caráter democrático a que eu me referia, pois o Digestivo nunca exigiu que o entrevistado fosse obrigatoriamente uma celebridade. Para ser entrevistado, basta ter algo interessante a dizer sobre cultura ou sobre seu ofício.

Há de se destacar também o equilíbrio nos textos publicados no Digestivo Cultural (outra vez o sentido democrático). Ao dar espaço aos "anônimos", o portal não vira as costas para o bom texto produzido na grande imprensa. Nada é encarado de forma radical pelos editores. Os melhores textos literários publicados em grandes jornais merecem ser divulgados e têm lugar garantido no site. Um bom exemplo são os ensaios reproduzidos no Digestivo (devidamente autorizados), de jornalistas, intelectuais e escritores de renome.

Comemorar os dez anos do Digestivo significa enaltecer o lugar que ele conquistou na internet. Sua importância se deve, não há como não mencionar, ao arrojo dos editores: visão empreendedora, capacidade de antecipar tendências e levar esse veleiro de acordo com a direção do vento, mesmo em meio a intempéries. Acreditar na possibilidade de se fazer jornalismo cultural fora do mainstream, com uma linha editorial democrática, independente e apartidária é um dos grandes méritos dos que fazem o Digestivo Cultural.

Nota do Editor
Wellington Machado de Carvalho mantém o blog Esquinas Lúdicas.

Wellington Machado
Belo Horizonte, 19/10/2010

 

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