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Quarta-feira, 4/11/2015
Como Steve Jobs se tornou Steve Jobs
Julio Daio Borges

O título original é "Becoming Steve Jobs" e eu prefiro. Tornando-se Steve Jobs. No gerúndio e com pronome. Talvez, em português, não fosse vendável...

"Mais uma biografia do Steve Jobs?", você pode perguntar. "Não teve aquela, do Walter Isaacson?", você também pode perguntar

Pois é, teve; e foi aquela que a maioria das pessoas leu. Porque ficou pronta, exatamente, antes de Steve Jobs morrer. E foi distribuída logo após sua morte

Pode-se dizer que é a biografia que ele queria que todo mundo lesse. Até porque foi a única para qual ele colaborou. Até escolheu o biógrafo - o mesmo de Benjamin Franklin e Albert Einstein

Mas esse é, justamente, o problema da biografia de Walter Isaacson: é muito laudatória; "chapa-branca", como dizemos no jargão

E Isaacson não é do meio de tecnologia. Não que todos os biógrafos devam ser do meio de seus biografados. Mas "Steve Jobs" não fazia parte do universo de interesses de Isaacson. Tanto que ele se surpreendeu pelo convite, feito pelo próprio Jobs - e até achou-o, inicialmente, pretensioso...

*

Tudo isso para justificar porque o livro de Brent Schlender e Rick Tetzeli, Becoming Steve Jobs, é melhor. Brent cobriu Jobs pela revista Fortune, por décadas. E conviveu com ele desde sua saída da Apple, no final da década de 80 - antes da Pixar e antes, obviamente, do seu retorno triunfal à mesma Apple (no final da década de 90)

Além disso, o objeto de Schlender e Tetzeli é outro. Becoming Steve Jobs não é uma simples biografia: o livro tenta mostrar como o jovem empreendedor - que foi expulso da empresa que criou - se tornou o empresário maduro que transformou a Apple no maior "valor de mercado" da bolsa

Assim, o livro *não começa* pela infância, pela adolescência, essas coisas (embora fale delas eventualmente): o livro começa com Steve Jobs sozinho, abandonado pela Apple, desacreditado pela mídia, numa casa enorme, fundando a NeXT - sua segunda empresa (que, sob muitos aspectos, seria um fracasso)

Brent Schlender acha, justamente, que o fracasso, o abandono e a incompreensão forjaram o Steve Jobs que todos conhecemos: do iPod, do iPhone e do iPad. Porque o Steve Jobs do Apple II e do Macintosh só teria chegado até nós pelos livros de História - não teria se tornado o ícone que se tornou nos anos 2000 (nem a sua empresa)

Até em nível pessoal, Steve Jobs teve de amadurecer. Durante a ascensão da Apple, desde a garagem até o primeiro bilhão de dólares em vendas, Jobs teve uma filha de um primeiro relacionamento - Lisa -, que demorou a reconhecer. Só foi curar essa ferida quando conheceu Laurene Powell, que viria se tornar sua esposa, mãe de seus três outros filhos - e Lisa foi morar junto com eles

A Pixar, aparentemente um acidente na vida de Jobs, ensinou-lhe muito sobre como administrar equipes criativas. Não que ele não soubesse, com o primeiro Mac, mas foi Ed Catmull, presidente da Pixar, quem lhe transmitiu sua sabedoria em como dar muita liberdade e, ao mesmo tempo, obter resultados

Embora a NeXT tenha fracassado no objetivo de construir "estações de trabalho" e substituir a Sun Microsystems, a Pixar, como empresa, foi o contrário: de estúdio de animação que não dava lucro, apesar de gênios como John Lasseter, passou a rivalizar com a Disney, depois de seu primeiro longa, Toy Story, até ser adquirida por ela

A Pixar teria chegado, sozinha, a Toy Story? Talvez. Mas as habilidades de negociador de Jobs, que já havia estado no topo do mundo, permitiram um contrato de distribuição com a Disney que nenhuma novata jamais obteve - e levaram a uma aquisição, igualmente, histórica, garantindo à Pixar independência, ressuscitando a Disney Animation e renovando a própria Disney (estagnada depois de décadas)

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Mas a grande história, embora a da Pixar e da Disney seja bonita no livro, é a da ressurreição da própria Apple, que estava falindo quando - ora, vejam - adquiriu a NeXT. Mesmo com todos os problemas de não conseguir vender seus computadores "de design", a segunda empresa de Jobs tinha o sistema operacional de que a Apple necessitava, baseado no Unix - e que serviria de suporte para todos os dispositivos a partir do iMac

Ao fim e ao cabo, Jobs foi a maior "aquisição" para a Apple - mais do que a NeXT. Pois, no final dos anos 90, Jobs não era mais o "dono" da empresa. Havia vendido todas as suas ações ("menos uma"), uma década antes, quando foi defenestrado pelo conselho...

Só que Jobs permaneceu conectado à Apple, mesmo quando esteve fora dela. E sofria com cada movimento errado, com cada produto sem charme, com cada tiro n'água em termos de estratégia. A Apple caminhava para a irrelevância, enquanto que a Microsoft, de Bill Gates, atingia a dominância plena

A situação era tal que, quando Jobs reassumiu, primeiro como consultor, depois como iCEO (CEO interino), depois como CEO, o mercado o via com bastante desconfiança. A Apple estava quebrando... E foi Gates - ora, vejam, mais uma vez - que, adquirindo participação, deu sobrevida financeira à Apple

O "turnaround" (a reviravolta) que Jobs promoveu - de uma empresa que tinha *meses* de sobrevivência, para o maior valor de mercado em bolsa - é considerado o principal turnaround da história americana. Não à toa, Jim Collins, o guru do 3G brasileiro, chama Steve Jobs de "o Beethoven dos negócios". Assim como na música, houve muitos gênios - "mas só um Beethoven"...

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Quem não tem paciência para a "literatura de business", ainda pode encontrar a porção artística de Jobs - tão, ou mais, interessante quanto

Brent acredita que a maior parceira criativa de Jobs não foi com Steve Wozniak, nem com os gênios da Pixar, foi com Jonathan Ive, o designer da Apple em seu renascimento

Steve Jobs, quando reassumiu, desfez toda a linha de produtos da Apple, concentrando-se em quatro frentes: desktops para o público em geral; desktops para empresas; notebooks para o público em geral; e notebooks para empresas

Essa simplificação se refletiu no quadro de funcionários e Jobs estava visitando o departamento de design, quando conheceu Jony Ive - um designer britânico genial, que estava perdido no meio dos escombros da Apple

A empatia foi imediata, embora Ive temesse a demissão, ainda, por meses... O fato é que nunca houve um designer com status de "diretor" numa empresa de tecnologia. Além de ter desenhado o iMac, cujo sucesso deu novo fôlego à Apple, Ive foi o artista por trás do iPod, do iPhone e do iPad

*

Não sei se vale a pena repisar os sucessos dos últimos dispositivos, que são bem conhecidos, ainda que seus números sejam estrondosos - e tenham lançado um novo desafio para Jobs: dirigir uma empresa, realmente, grande, bem-sucedida, com desafios de fabricação e de distribuição à altura - até chegar na maior empresa de bens de consumo do mundo

São impressionantes, para encerrar, os capítulos sobre o câncer, a doença que, finalmente, matou Jobs - e que, arrisco dizer, trouxe o que lhe faltava de lucidez, e de sabedoria, convertendo-o no que Brent Schlender, muito apropriadamente, denominou "o maior líder visionário de nossa época"

*

Essa é a terceira biografia do Steve Jobs que eu leio. Não li, justamente, a do Walter Isaacson, porque, quando saiu, eu já havia lido outras duas, e as informações me pareceram as mesmas. Antes de Becoming Steve Jobs, li uma que vai até a estreia da Apple em bolsa - o maior IPO desde a Ford - e li uma segunda, que vai da expulsão de Jobs, da Apple, até seu retorno triunfal. (Li, ainda, um livro sobre a Pixar - mas do ponto de vista da Pixar, não da Apple)

Steve Jobs talvez seja uma das minha obsessões favoritas, como John Lennon. Não me interessa tanto o bilionário, nem o ególatra, mas o homem de ideias, a personalidade complexa, em certa medida o pensador, até o frasista, e o detentor de um bom gosto fora de série

Admiro Bill Gates, logicamente, mas não sei se leria um livro inteiro sobre ele, ou *dele*. Não acho que Mark Zuckerberg seja o "novo" Steve Jobs. O Facebook chegou a mais de um bilhão de usuários, mas, fora esse feito, não o considero "uma revolução", como a do o computador pessoal, por exemplo

E não acho o Jeff Bezos, da Amazon, páreo para Jobs - e olha que li dois livros sobre ele e a loja dele (1 e 2). Bezos é um prodígio desde criança, mas não sei se é um gênio como Jobs. Não me ocorre nenhuma frase dele. Não vejo a assinatura dele em nenhum outro lugar, fora a Amazon

Os caras do Google não me chamam tanto a atenção, como personalidades, embora o Google seja uma ideia genial (já li dois livros sobre ele - 1 e 2). Não sei o suficiente sobre Elon Musk (estou com um livro na fila). O único cara que me faria pensar duas vezes, hoje, é o Marc Andreessen, inventor do Mosaic, fundador da Netscape - o primeiro IPO da internet -, mentor de gente da nova geração, como Zuckerberg, e sócio de Ben Horowitz

Andreessen é muito articulado, sigo ele no Twitter, escreve bem, fala bem - mas ainda não foi capaz de cometer um manifesto como "Think Different". Ou um discurso como aquele de Stanford - que, com o perdão do clichê, é uma lição de vida...

*

Sempre conto que aprendi a programar num clone do Apple II+. A WWW mudou minha vida - e ela foi inventada, por Tim Berners-Lee, numa estação de trabalho da NeXT. Sou da geração "walkman", então o iPod mudou minha vida, também. E o iPhone, eu considero uma revolução maior do que a do computador pessoal - porque é um computador pessoal de bolso...

Ainda não tive um Mac (ninguém é perfeito). E não tenho um iPad (não vejo tanta utilidade; e não quero mais uma tela). Mas, mesmo assim, é difícil alguém que tenha influenciado tanto a minha vida quanto as pessoas próximas a mim - e que, justamente, *não seja* uma pessoa próxima a mim

Leria outro livro sobre ele? Não. Agora, não. (Rs.) Mas tem filme a caminho. Acho que ainda não fizeram jus a ele no cinema. Veremos...

P.S. - Escrevi este texto, inteiro, num iPhone 5S. Steve Jobs não inventou o celular, nem o smartphone, mas fez dele "o melhor amigo do homem" ;-)

Para ir além
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Julio Daio Borges
São Paulo, 4/11/2015

 

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