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Terça-feira,
10/5/2005
Um post sem graça
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As diversas derivações de sentido que constam no verbete "ironia" de qualquer dicionário atualizado evidenciam até que ponto a ironia se entranhou na cultura, nos hábitos e no cotidiano das pessoas. Falar em uma "postura irônica" não faz muito sentido. Até prova em contrário, há algum grau de ironia em tudo que vemos, escutamos, lemos e assistimos. A ironia costuma ser associada à rebeldia e à irreverência, mas há muito tempo (década, talvez décadas) esse componente rebelde foi neutralizado pela banalização do uso da ironia. Ela é a postura oficial da televisão, por exemplo (programas baseados na auto-paródia irreverente estão por toda parte), e desde que o Lula foi eleito se sucedem os indícios de que está sendo adotada também pelos governos. Na cultura pop, ironia é sinônimo de humor. O fato é que, em algum momento de nosso passado recente (talvez a ascensão do Marcos Mion e seu Os Piores Clipes do Mundo na MTV), a ironia como postura diante do mundo atingiu o paroxismo (resultado: não apenas Marcos Mion, mas também todo e qualquer tipo de videoclipe foram ejetados da programação da emissora, que se vê presa num estado zumbi de auto-ironia antropofágica ou algo assim).
A ironia é um recurso destrutivo. Quando bem aplicada, ela resulta em uma crítica indefensável que não propõe nada no lugar do que está sendo criticado. Por isso, a ironia tem um efeito positivo apenas quando as duas partes envolvidas (quem enuncia a ironia e quem a recebe) possuem opiniões claras ou argumentos bem delineados, além de, é claro, um nível mínimo de inteligência e informação para processar tudo isso. Quando usada indiscriminadamente, a ironia tem efeito meramente destrutivo. É como aquelas discussões ferozes entre crianças. Uma diz "Eu não gosto de Pokemon" e a outra responde com algo como "é, mas teu pai tem câncer e tua mãe tem cheiro de cocô". A primeira criança vai embora chorando e a outra ganha um upgrade de auto-estima. Fim da discussão. A ironia banalizada pode ser igualmente vazia e destrutiva. Um livro repleto de clichês românticos banais pode ser declarado pelo autor como uma crítica irônica ao romantismo. Claro, é evidente! Por que alguém colocaria clichês românticos em um livro hoje em dia a não ser para ironizá-los? No entanto, a ironia não dará pistas de por que afinal o romantismo é tão ridículo, e muito menos oferecerá sugestões do que poderíamos usar para combatê-lo ou substituí-lo, se fosse o caso. E se alguém questionar o autor a esse respeito, receberá como resposta apenas algo como "mas é uma ironia, meu caro, se tu não entendeu, vai ler Lya Luft. Ironia não pode ser explicada, te liga".
A ironia do consumo moderno também tem um efeito vazio e remete ao consenso de que tudo se equivale, nada pode ser levado a sério. Dar ao que é inferior, de mau gosto ou nocivo o status elevado do cool é a solução imediata e agradável (bem-humorada) para um momento histórico de crise de valores estéticos. E, de fato, ironizar a cultura e os hábitos é engraçado. É engraçado, divertido e nos dá a agradável sensação de estar compartilhando piadas, as verdades por trás das ironias. Isso seria positivo, se não fosse a existência do outro lado da moeda: um desespero dissimulado diante da ausência de soluções para um mundo cujos problemas só podem ser resolvidos pelo sarcasmo, pela ridicularização dos contrastes.
A questão, portanto, não é como evitar ou combater a ironia. Isso seria perda de tempo. A questão mais adequada é como, dentro de um mundo essencialmente irônico, pode ser possível comunicar algo relevante sem ser chato.
Daniel Galera em seu Rancho Carne (porque a moda aqui, agora, são os posts longos - ah, e ele linca pra nós).
Postado por Julio Daio Borges
Em
10/5/2005 às 16h43
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