Benzedeiras, Espelhos e Temporais | Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ

busca | avançada
70460 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> IA 'revive' Carlos Drummond de Andrade em campanha do Rio Memórias
>>> mulheres.gráfica.política
>>> Eudóxia de Barros
>>> 100 anos de Orlando Silveira
>>> Panorama Do Choro
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
Colunistas
Últimos Posts
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Daniel Ades sobre o fim de uma era (2025)
>>> Vargas Llosa mostra sua biblioteca
>>> El País homenageia Vargas Llosa
>>> William Waack sobre Vargas Llosa
>>> O Agent Development Kit (ADK) do Google
>>> 'Não poderia ser mais estúpido' (Galloway, Scott)
>>> Scott Galloway sobre as tarifas (2025)
>>> All-In sobre as tarifas
>>> Paul Krugman on tariffs (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Dependências
>>> TV pública ou estatal?
>>> A verdade, uma flor e os três cães da vida
>>> O Mundo Nunca Foi Tão Intenso Nem Tão Frágil
>>> Coque, o violeiro de uma mão só
>>> Cupido era o nickname dele
>>> Alameda de água e lava
>>> Churrascaria Ponteio Grill, 30 anos
>>> Como sobreviver ao Divórcio de Ricardo Lísias
>>> Hebreus e monstros, parte I
Mais Recentes
>>> Tirania da Contingência de E. M. Pastore pela Do Autor (2015)
>>> O Que Faz O Brasil, Brasil? de Roberto Damatta pela Rocco (1986)
>>> Vinland Saga Deluxe Vol. 1 de Makoto Yukimura pela Panini (2025)
>>> X Men, Vol. 27 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X Men, Vol. 21 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X Men, Vol. 20 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X-men, Vol. 19 de Jonathan Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X-men, Vol. 18 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X Men, Vol. 17 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X Men, Vol. 16 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X Men, Vol. 15 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X-men, Vol. 14 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X-men, Vol. 13 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X-men, Vol. 12 de Jonathan Hickman pela Panini (2021)
>>> X-men, Vol. 11 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X-men, Vol. 10 de Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X-men. Vol. 09 de Jonathan Hickman pela Panini (2021)
>>> Mao Tsé-Tung: O imperador vermelho de pequim de E Krieg (tradução de Pedro Reis) pela Otto Pierre
>>> X-men, Vol. 08 de Jonathan Hickman pela Panini Comics (2021)
>>> X-men, Vol. 07 de Jonathan Hickman pela Panini (2020)
>>> X-men, Vol. 06 de Jonathan Hickman pela Panini (2020)
>>> X-men, Vol. 5 de Hickman pela Panini Comics (2020)
>>> L'origine et L'évolution de la Vie de A Oparine pela Éditions de La Paix
>>> Só para os fortes de coração de Lex Croucher pela ‎ Verus (2025)
>>> Dream of The Red Chamber de Tsao Hsueh-Chin pela Anchor Books (1989)
BLOGS >>> Posts

Segunda-feira, 16/11/2015
Benzedeiras, Espelhos e Temporais
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
+ de 1000 Acessos

Minha bisavó se chamava Luciana e era benzedeira.

Sua filha mais nova contava que ela a ensinou a enfrentar os temporais, afirmando que o perigo está na luz dos raios, "que já passou", e o trovão era apenas um barulho.

Tinha olhos azuis bem claros, que não conheci porque ela morreu pouco depois que nasci e não restou nenhum retrato.

Deixou ensinamentos que foram passando de geração, alguns ainda sobrevivem, causando enlevo:

Quando caía chuva forte, minha mãe corria por toda casa com pedaços de pano para tapar os espelhos, que afirmava atrair os relâmpagos.

"Sua bisavó me ensinou" contava séria, fixando seus olhos grandes nos meus de criança, sem deixar rastros de dúvidas.

Talvez por isso, não gosto de espelhos, e só não torcia para a chuva continuar caindo, mantendo os espelhos tapados, porque tinha medo de chuva.

Acho que ainda tenho, só não demonstro.

Logo que terminava de jogar os lençóis nos espelhos, dona Dalva fechava o guarda roupas, que tinha um espelho na parte de dentro da porta, que ela também cobria com lençol, e retirava de dentro da gaveta alguns chinelos de borracha que nos obrigava usar, porque sabia que tapar os espelhos era um dever de respeito aos costumes, enquanto que os pés nos chão, uma ameaçadora realidade que de fato atraí os relâmpagos.

Depois se aquietava, olhando a claridade efêmera que escapava das nuvens e deixando um conselho com o olhar, para que, depois que a tempestade se fosse, não deixássemos os chinelos emborcados

Ainda hoje, quando chove, sinto uma estranha vontade de cobrir os espelhos de casa.

Resisto porque sei que muitos consideram bobagem, da mesma forma que sei que muitos estranham que não deixo calçados virados, porque minha avó, ao se dar com calçados emborcados, tratava de desvirá-los, senão, alguém haveria de morrer.

Lolinha levava aquilo tão a sério, que se culpava porque não percebeu o chinelo da mãe revirado no quintal, poucos dias antes dela morrer.

E pra esconder a tristeza, escrevia cartas de letras cursivas, que pareciam dançar suavemente na folha rota de papel, representando a dor da saudade.

Ah, quanta falta eu sinto da minha avó, que era a filha mais nova de Luciana e carregava seus ensinamentos de benzedeira, embora não os usasse porque, diante das proezas da mãe, se considerava incapaz.

Lembro que minha avó decifrava o cantar das aves.
Assim, sabíamos o mau agouro do pio estridente da coruja e a melodia do bem-te-vi, o primeiro anunciava notícias ruins, o outro, a vida através da gravidez.

Num tempo que as lamparinas clareavam a sala, Lolinha contava histórias com a voz pausada e terna; contos fantásticos, repletos de magia, embora muitas vezes causasse desconforto, como quando afirmava que o espelho não refletia a nossa imagem, mas a de outra pessoa, que, noves fora a aparência idêntica, era completamente contrária à pessoa real, tanto que vivia presa num mundo paralelo.

Lolinha foi de encontro a Luciana no começo de 2004 e, desde então, sinto desconfiança quando as nuvens escurecem o dia.
Sinto falta da força misteriosa que a sua presença me causava.

Tendo-a ao meu lado eu perdia o medo dos temporais e enfrentava os espelhos.

Minha mãe não sabe responder se morreram todas as benzedeiras.
Quando pergunto, vejo novamente nos olhos de dona Dalva aquele mesmo espanto dos dias de trovão, como se procurasse algum espelho para tapar, enquanto navega na mente à procura da cura de quebrando nas mãos de uma benzedeira

E a pergunta retorna mais forte: Será que morreram todas as benzedeiras?

Antigamente elas viviam espalhadas em casas de quintais floridos, e nada cobravam. Tinham noção daquele exercício de divino dom, que de tão raro e bom, não tinha preço.

Ventre virado e quebrante eram males que somente as benzedeiras sabiam curar.

Certa feita me surgiu uma ferida no braço, "mijada de aranha" — disseram — que nenhum mertiolate, pomada ou algo do gênero foi capaz de curar, mas que sumiu, de um dia para outro, levada pelos murmúrios em forma de oração de uma senhora dos cabelos bem brancos e ligeiramente desgrenhados, que enquanto tentava controlar a tremura, passava no meu braço uma folha de alecrim que exalava um inesquecível cheiro bom.

O mundo anda precisando de benzedeiras.

Talvez elas ainda existam e estejam por ai, se escondendo da intolerância dos dias de hoje, em cantos de quintais floridos, curando, caladas, as feridas que o homem não consegue lidar, tapando os espelhos em dia de chuva, desvirando os calçados e espalhando pelo ar o doce cheiro de alecrim.


Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em 16/11/2015 às 11h32

Mais Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Mais Digestivo Blogs
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!

* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Escolhida no berçario
Renata leao
Do autor
(2011)



Uma varanda sobre o silêncio
Josué Montello
Nova Fronteira
(1984)



O Rapto de Helena
Luiz Galdino
Ftd
(2001)



Sagas E Mitos Nórdicos
Claudio Blanc
Camelot
(2022)



O Caminho de Guermantes - Em Busca do Tempo Perdido - III
Marcel Proust
Ediouro
(1993)



Blogs Corporativos: Modismo Ou Tendencia?
Carolina Frazon Terra
Senac Rio
(2012)



Carlos Reverbel - Textos Escolhidos
Carlos Reverbel
Já Editores
(2006)



Livro O Verde Violentou O Muro
Ignácio Loyola Brandão
Global
(1984)



O Menino Mais Bonito do Mundo
Ziraldo
Melhoramentos
(1986)



O Astro da Adivinhação
Eunice Canini
Le
(1990)





busca | avançada
70460 visitas/dia
2,5 milhões/mês