O significado da palavra- adjetivo Supremo, indica o ápice, o máximo do superior, o indiscutível.
Algum tempo atrás, a gastronomia consagrava o peito do frango em todos os cardápios. Mas não era simples assim. O bocado tinha tratamento especial em seu corte, sendo desossado quase que inteiramente, pelado (sem pele) e temperado de diversas formas. O detalhe da desossa era muito importante. Uma parte do osso da asa permanecia , ajudando a dar firmeza e elegância. Aí os mais refinados Chefes o denominavam de costeletas de frango, ou côtelettes de poulet…
Gastronomia dos mestres supremos. Escoffier, Pelapratt, Urbain Dubois, Antonin Carême… Seus livros, tratados, enciclopédias, vade mecuns gastronômicos descrevem com precisão o modo de tratar temperar, enfim, finalizar os magistrais acepipes.
Curioso é o Supremo à moda de Kiev, também conhecido como Cotelette a la Kiev. Um supremo é enrolado num pedaço de manteiga temperada com ervas finas,congelado em forma de um charuto, empanado e novamente congelado. Nessa condição é mergulhado em óleo fervendo, ou seja fritura ultra-rápida. Mas não termina aí. Se o processo for realizado de forma correta, o cuidado ao servir tem que ser redobrado, pois a manteiga aprisionada no interior do empanado pode espirrar no rosto da elegante senhora que vai comê-lo ou no senhor que fez tal escolha… Ainda bem que não fazem mais essa "delícia". Antigamente o Maitre ajudava. Espetava por baixo, com um garfo o tal supreme a la Kiev ou a costeleta a la Kiev antes de colocar no prato.
A relação da capital da Ucrânia com supremos diversos, deixou de ser gastronômica para ser um espanto colossal.Aquele País está sob pressão militar de um outro que se pensa mais forte, resistindo como pode, sofrendo os horrores de uma guerra inesperada.
Assim começamos a ver um outro tipo de Supremo. A força, a irracionalidade, o mal, a covardia, o desrespeito com as regras instituídas, as leis, as pessoas sendo massacradas em bombardeios e ataques explosivos, por ordem de supremos, de donos da verdade, de comandantes de forças colossais. O ditado: quem pode mais chora menos e quem pode manda, quem tem juízo obedece, toma vulto, cresce, agiganta-se e vai contaminando criaturas que, em dado momento, eram percebidas como civilizadas, modelos de racionalidade, moral, equilíbrio, razão e liderança.
Talvez uma tempestade solar radioativa, um alinhamento planetário, uma noite de sonho e pesadelo, tenha modificado a percepção dessas criaturas que se descobriram supremas. Um horror.
A gente ouve o noticiário e vê dúzias de supremos areopagitas modernos, napoleões em cavalos mecânicos, Átilas e Gengis Kahns renascidos, sem o menor pudor…
Há supremos para todos os gostos. Inclitos supremos, supremos castrenses, supremos castrados, supremos siderais, supremos misticos…
Seria muito bom se toda essa loucura que saiu de uma caixa da Suprema Pandora, voltasse a ser, apenas, supreme a la creme, supremo com arroz e cogumelos, supremo empanado com fritas… Supréme a la Kiev… Teríamos menos horrores e muito mais sabores.
Quem sabe um novo sapateiro virtual, que invocamos em clamor uníssono, volte a produzir as belas Sandálias de Humildade, em substituição aos tamancos da brutalidade e do oportunismo egoísta e vil. Ou sapatilhas da inteligência, do respeito às leis, aos costumes e ao que já está escrito.
Guardião dos caminhos, o deus Janus ou Jano se preferirem, significava a transformação, o futuro e o passado. Outra interpretação o coloca como o protetor dos caminhos.
Sempre com um olhar para frente e outro para trás, Janus ou Jano, poderia ser, nos dias de hoje, a câmera de segurança da portaria do condomínio, ou mais objetivamente, o defensor das nobres causas que tanto emocionam a populaça, instigam a militância sobre qualquer coisa, encarnando a personagem em atalaia permanente.
Quando ligamos a TV e ouvimos as notícias, notamos a advertência do apresentador : "Estaremos acompanhando esse caso". Logo podemos imaginar Janus ou Jano, vigilante, atento, alerta, absolutamente comprometido com o assunto mostrado e com os desdobramentos do mesmo. Depreendemos que aquela atividade do moderno jornalismo, o noticiário de Tv., vai ajudar a pressionar a Autoridade na solução seja lá de que problema for, com o total apoio do consumidor de notícias, o tal público que tem o poder, pois é formado pela melhor fatia do Povo, aquela que está bem informada.
O Poder emana do povo, a Autoridade é paga pelo povo, e os funcionários principais do Estado, são escolhidos pelo povo em períodos e por prazos determinados. É preciso informar com precisão, acompanhar com competência, apurar as consequências do fato que gerou a notícia, e receber o prestígio e reconhecimento do tal Povo.
A tendência ao populismo crasso, ao messianismo, ao festival de diatribes e desaforos, inverdades e imperfeições interpretativas, abre um espaço formidável para boquirrotos, pafúncios, mequetrefes, vitimistas, distributivistas, arrivistas e deslumbrados de última hora, buscar seu minuto de celebridade. A possibilidade da redenção, através das sinecuras e prebendas que ornam diversas denominações de empregos por sufrágio, por eleição, por legítima e indiscutível forma de se escolher o tal governo está alí na frente.
No meio da quantidade de acordos, conchavos, mutretas, combinações, arranjos, discursos, desaforos, bravatas, carreatas, passeatas, bumbas e meus bois, Janus perdeu a função de guardião ou sentinela de qualquer coisa. O que foi antes continua agora, será sempre como antes já foi. Uma Viúva Alegre, com uma bolsa enorme, que nem dá pra notar quando algumas patacas são subtraídas.
No palco, no salão de festas, no plenário, o grande espetáculo vai repetir-se. Judas vai vender, Pedro vai negar, Barrabás vai sair pela porta da frente, e quem acreditou que os artistas estavam defendendo ou atacando idéias, projetos, etc e tal, com ferocidade, antagonismo, desaforos e ameaças, não sabe ou nunca escutou nada sobre o cafézinho, depois dos tró ló lós e bafafás.
Pobre Janus e suas bem intencionadas caras. Aqui as duas são para frente, o que passou vai pro arquivo. Segue o baile.
Todos serão perdoados.
“Qual um sonho dantesco as sombras voam ...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!” Castro Alves
Noite e dia inundando a cidade
nos atormenta o aluvião da perda,
a sede da morte bebe nosso sangue
e seu bafio invade-nos as casas e narinas.
Noutras bandas, esfacelados os seixos da vida
que se perde nas matas sem horizonte,
implumes, os pássaros emudecem
diante da terra espoliada.
Alucinação? Tenho febre?
“Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura ... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!”
Quem será o algoz?
Que não é sombra nem ficção?
E se esconde atrás da arma?
De quem pode ser a fúria?
Do que não é corvo nem micróbio?
E se deleita diante dos mortos?
Quem serão os muitos cabeças?
Que passam a boiada e se anunciam?
E abrem as portas do inferno?
“Dizei-me vós, Senhor Deus!
Tanto horror perante os céus?!”
Ignorando o cadáver dos justos,
dizimados os nativos, os animais,
as divindades, a selva e os rios,
o cadafalso rasteja aos pés do poder.
Mas em meu texto renascem plumas
em cada palavra e em nossos atos
vencendo a tormenta de fogo.
Delírio? Delírio? Ó, delírio!
O que me responderás?
Veloz veloz, veloz, em meu onirismo,
cauda de arara azul, escamas de folhas,
canto de uirapuru, trajeto condoreiro,
benfazejo peixe solar ilumina o mundo.
Seduzida pela visão, pergunto ao encantado
se a esperança, inseto e sentimento,
pode ganhar forma imaginária.
E renascer tal forma real.
Brasis afora e adentro,
adormeço numa rede.
Plantando a régia vitória dos cocares
um Quarup universal cantará para sempre
o nome dos nossos mortos.
Nas aldeias, eles renascerão com o sol.
E iniciarão os humanos
nos rituais da vida.
Num sonho coletivo os peixes voam ...
Bandos de asas canções entoam!
Na selva germinam rios e paz.
O céu em brumas, Uma vez ou outra, um retalho do azul. Na ponta de uma linha a coruja de papel, Freneticamente a criança, Tentava elevá-la ao céu.
Subia e subindo com ela a esperança, Com o braço direito puxava, Com o esquerdo o rumo indicava, Vez por outra sorria, A rabiola ao vento serpenteava.
Passava horas a fio, A correr olhando para o céu, De repente para cima apontava, Mas ninguém o acompanhava, Vinha a chuva, a coruja desmanchava, Assim começava ele a linha enrolar.
Vem para casa menino, Já é hora de se lavar, A vida não acaba hoje, Ainda terás muito tempo pra brincar. Avia, avia... Sua mãe a lhe chamar
São dois anos da mamãe, São dois anos do papai, São duas vezes dois de avós, E teremos muito mais, Em casa, na escola ou no campo, Aves, lagartas e pirilampos, Não convidá-los? Jamais.
Sou feliz, sou Samuel, Dois aninhos se passaram, Tenho pais e tenho avós, Esses sempre me encantaram, Tenho minha bisavó, Que no tempo deu um nó, Tios e tias, que me aconchegaram.
Somos todos andarilhos, Ando sempre a sonhar, Sei que você também anda, Anda a ver e a observar, Ando eu, anda você, Cada qual no seu andar.
Se eu ando trabalhando, Você anda a brincar, Se eu ando viajando, Você anda a sonhar, Você anda estudando, Eu ando te acompanhando, Andando te imitar.
Não precisa confirmar, Somos todos andarilhos, No tempo e nas jornadas, Eu ando no pensamento, Tu andas na caminhada, Andarilhos pela fé, Cansado me ponho em pé, Pra seguir a minha andada.
Apenas um fato. Eu voltava para casa caminhando, quando aquele reflexo luziu na calçada, passos a frente. Imaginei um diamante caído de alguma venturosa orelha e seu brinco, um brlhante suicida arrojando-se para fora do encastoamento do anel. A ganância atreveu-se em cutucar a minha mente. Apertei os três passos de distância , vendo o brilho desaparecer com a mudança da posição do olhar. Quando cheguei perto, encima do alvo, lá estava a coitada. Uma lantejoula. Entre desapontado e autocritico, dei uma silente risada desdenhosa, debochei daquele destino infame, e lembrei dos meus tempos de cabaré, do barulho infernal, do cenário padrão, das colegas entrando rápidamente, as lantejoulas das roupas das coristas, o porteiro vestido como um general da banda, e segui o meu caminho, já penalizado com o destino daquela pobre lantejoula. Poderia ter sido atada a uma imponente roupa de priviégios. Poderia estar num traje qualquer em qualquer degrau da escala da vida, dos que podem mais e choram menos até aos que nem chorar podem. E estava alí, aproveitando um raio de sol perdido na calçada. Fiz uma discreta reverência com a cabeça, e nem parei para conferir. Era uma lantejoula indigente, sem terra, sem teto, sem amor, sem futuro....
No cinema, um mago viaja por multiversos incontáveis. No streaming, filmes e séries voltam no tempo para reviver um tempo anterior. Na realidade (realidade?), a história parece se repetir continuamente. Como não podemos abrir um portal e atravessar o tempo, de repente, você se pergunta: é um déjà vu , ou isso está acontecendo?
Esse sentimento pode parecer uma sensação isolada, mas não é. Vejo depoimentos, imagens, pessoas, que realmente vislumbram um certo tempo, não muito distante, imaginam e sonham que, de algum modo, “as coisas poderiam voltar ao que era antes”.
É mais complexo que “O feitiço do tempo”, filme de 1993, no qual o personagem acorda sempre no mesmo dia. Talvez nossa condição contemporânea, especialmente dos últimos anos, nos empurre para uma nova sensação, um desejo, de retorno e repetição.
Filme “Feitiço do tempo”. Fonte: https://media.fstatic.com/
É uma especulação. As percepções e suas tentativas de explicação, surgem quando especulamos. Mas, busquemos um fundamento mais, digamos, concreto. O mito do eterno retorno, tão conhecido e interpretado nos mais variados campos, pode servir como esse fundamento.
Não caberia aqui, evidentemente, abordar as várias interpretações que esse mito teve, desde a filosofia de Nietzsche à psicanálise freudiana. Fiquemos com a interpretação da mitologia de Mircea Eliade , presentes, nos livros “O mito do eterno retorno” e “Mito e realidade”.
Mais especificamente, tomemos a sua interpretação do ato de regeneração do tempo das origens. As sociedades arcaicas, diz Eliade, necessitam regenerar-se periodicamente. Os rituais de regeneração sempre se ligam a um ato, momento, exemplar, arquetípico e, em geral, cosmogônico, como o surgimento do mundo.
A vida do homem arcaico está ligada às categorias essenciais, mitos primordiais, atos arquetípicos e não a eventos. (Deixa eu logo fazer essa observação, antes que eu seja apedrejado por uma antropologia: hoje, uma certa interpretação antropológica chama sociedades arcaicas de tradicionais e modernas de complexas; estou usando os termos literais de Eliade).
Fonte: submarino.com.br
Esse homem não carrega o peso do tempo, mesmo nele vivendo, exatamente porque sua concepção temporal se liga à ideia das origens.
Quando, no tempo, a realidade cai em desgraça, quando o homem se afasta de seus modelos, exemplos, anula-se o tempo e, então, para essa concepção arcaica, é possível ir, novamente, em busca das origens, em busca de uma renovação.
Isso se revela em mudanças cíclicas, como as fases lunares, ou em eventos mais cataclísmicos, como o apocalipse, nos quais a realidade se degenera em “pecado” para, em seguida, se regenerar.
A ideia do tempo da modernidade, um tempo linear irreversível, de rememorar os mais variados atos históricos que devem ser guardados, registrados, está distante da concepção de tempo cíclico atemporal das sociedades arcaicas.
Mas, então, o que explicaria essa sensação de eterno retorno contemporânea, presente na realidade e na ficção?
Estaríamos voltando à ideia de um necessário retorno às origens? Estaríamos buscando substituir um tempo decaído por um tempo exemplar, menos caótico, menos catastrófico, mais estável e compreensível?
Não tenho respostas definitivas, mas impressões. Em primeiro lugar, como sabemos e o próprio Mircea Eliade deixa claro, o mito não finda com a sociedade moderna, mas ele se modifica.
Os exemplos são vários, desde os rituais que atravessam a vida, os mitos da literatura, dos quadrinhos, do cinema e tantos outros.
A questão é que, na vida moderna, diferentemente da ficção, o mito tende a operar dentro do tempo irreversível, que não pode anular os momentos “profanos” que se afastam dos modelos.
”A persistência da memória”, 1931. Salvador Dalí. Fonte: https://pt.wikipedia.org/
O que significa, por exemplo, que dentro desse tempo, os momentos de guerras, catástrofes, pandemias, permanecem dentro do tempo da modernidade. Pode-se argumentar que aprendemos com eles, ou que eles são inevitáveis.
Mas, como vimos, para a concepção arcaica, a noção do tempo não se mede dessa forma, daí por exemplo, podermos afirmar que para essa ideia do homem arcaico o tempo é sempre presente. E, quando esse presente se apresenta distante dos seus modelos originários míticos de origem, pode-se recorrer aos mais variados rituais para refundá-lo, trazer um novo tempo.
Não exatamente o mesmo tempo anterior, mas o voltar a origem, ao modelo, ao arquétipo, de certo modo, regenera o tempo, dando-lhe outra configuração.
O estimado leitor já entendeu que, na nossa sociedade moderna, somos incapazes de realizar tal feito, justamente porque nosso tempo parte do princípio de linearidade, da ideia de continuidade. A palavra é progresso.
Se somos fundados na ideia de linearidade e progressão do tempo e, com isso, da história, carregamos o peso dos fatos ocorridos e não podemos anulá-los.
Daí, por exemplo, a ideia de subversão da dor, do sofrimento, passar pela concepção de mudança, subversão, revolução. Mas, mesmo essa ideia, é atravessada dentro de um tempo que evolui, que não volta a um tempo de origem, de arquétipo.
”Contos do loop”, série de streaming
O homem moderno talvez sinta isso como impossibilidade, o que, ao mesmo tempo, pode explicar seu sentimento de um desejo de retorno.
Olhamos para trás e desejamos que determinado tempo voltasse, olhamos para dois anos atrás e queríamos que os anos que se seguiram não tivessem acontecido. Exatamente porque o que se seguiu foi preenchido por desprazer, queda, catástrofe.
Nossa ideia moderna de progresso no tempo nos obriga a caminhar para frente, carregando nas costas, memória, o fardo da história.
Talvez a enorme quantidade das produções imagéticas que criam loops temporais, portais interdimensionais, viagens no tempo, do cinema, do streaming, reflita esse desejo, satisfazendo, assim, esteticamente, nossa necessidade de retorno.
Pode ser sintomático que desejemos, através das imagens espetaculares de outros mundos e realidades proporcionadas pela técnica contemporânea, vivenciar outras realidades, um desejo de retorno e, contraditoriamente, isso nos coloque em uma simulada tentativa de desafiar o tempo. Nosso eterno retorno é outro.
O homem arcaico, com sua concepção religiosa e mágica – e, ironicamente, exatamente por isso é chamado de arcaico – realizava tal façanha dentro do seu próprio tempo.
Como não podemos realizar tal feito, um mago, no cinema, realiza um ritual e abre um portal de onde várias réplicas de pessoas e mundos surgem e, então, escapamos, imageticamente, de nosso tempo. De repente, você se pergunta: é um déjà vu, ou isso está acontecendo? Loop!
Sinto falta do céu de passarada, Do verde escuro das matas, Dos rios perenes e suas corredeiras, Das quedas d'água ou cascatas, Do homem que cuidava da terra, Saudosos rios e saudosas matas.
Preservar o meio ambiente, Parece-me parte da evolução, Estará o homem regredindo? Seus atos geram muita confusão, Os biomas da terra vão sumindo, A natureza entrando em decomposição.
O homem precisa da natureza, Como a terra, a água e o ar, Das suas minúsculas criaturas, Que vivem para o solo fertilizar, Dos arbustos as grandes árvores, Sem esses a vida pode estagnar