Decompondo uma biblioteca | Alberto Mussa

busca | avançada
32600 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> “HORIZONTE CERRADO – VIVER NO CENTRO DO MAPA”, NO CCJF, RJ
>>> Coral da USP abre inscrições para novos cantores em janeiro
>>> Cia de Teatro Heliópolis promove Ciclo de debates Públicos sobre a vida depois do cárcere
>>> Mostra de jogos independentes acontece no Sesc Taguatinga Norte
>>> Espetáculo Nuit de Noel inaugura programação da Caixa Cultural em 2025
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Eric Schmidt no Memos to the President
>>> Rafael Ferri no Extremos
>>> Tendências para 2025
>>> Steven Tyler, 76, e Joe Perry, 74 anos
>>> René Girard, o documentário
>>> John Battelle sobre os primórdios da Wired (2014)
>>> Astra, o assistente do Google DeepMind
>>> FSC entrevista EC, de novo, sobre a MOS (2024)
>>> Berthier Ribeiro-Neto, que vendeu para o Google
>>> Rodrigo Barros, da Boali
Últimos Posts
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
>>> Editora lança guia par descomplicar a vida moderna
>>> Guia para escritores nas Redes Socias
>>> Transforme sua vida com práticas de mindfulness
>>> A Cultura de Massa e a Sociedade Contemporânea
>>> Conheça o guia prático da Cultura Erudita
>>> Escritor resgata a história da Cultura Popular
>>> Arte Urbana ganha guia prático na Amazon
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O retalho, de Philippe Lançon
>>> Klaatu barada nikto!
>>> Private Equity e coronavírus
>>> Noite de Estrelas
>>> Alguém aí reconhece um poeta?
>>> Dirty Dancing - Ritmo Quente
>>> Uma Receita de Bolo de Mel
>>> Uma Receita de Bolo de Mel
>>> Psicodelia para Principiantes
>>> O romance espinhoso de Marco Lacerda
Mais Recentes
>>> Madalena Novela de Cristiane Dantas pela literatura para todos (2006)
>>> Historia Da Riqueza Do Homem de Leo Huberman pela zahar (1976)
>>> uma sombra na janela de georges simenon pela nova fronteira (1980)
>>> Mau Comeco Desventuras Em Serie Livro Primeiro de Lemony Snicket pela cia das letras (2008)
>>> S.Bernardo-Caetés de Graciliano Ramos pela best bolso (2011)
>>> Eldorado de Michael Pye pela circulo do livro
>>> O Senhor Vento E A Senhora Chuva de Paul De Musset pela verbo
>>> Amazonia Natureza Homem E Tempo de Leandro Tocantins pela biblioteca do exercito (1982)
>>> Nove Carros A Espera de Mary Stewart pela boa leitura
>>> a cabeça de um homem de georges simenon pela nova fronteira (1979)
>>> S.Bernardo-Caetés de Graciliano Ramos pela best bolso (2011)
>>> Senhora Dos Afogados de Nelson Rodrigues pela nova fronteira (2004)
>>> Arsene Lupin Ladrao De Casaca Texto Integral de Maurice Leblanc pela atica (2001)
>>> A Caverna De Cristal de Mary Stewart pela best seller
>>> De Tordesilhas A O P A de Sergop D T Macedo pela record (1971)
>>> arquitetos do futuro de peter haining pela expressao e cultura (1972)
>>> S.Bernardo-Caetés de Graciliano Ramos pela best bolso (2011)
>>> Casa De Bonecas de Henrik Ibsen pela veredas (2010)
>>> As Colinas Ocas de Mary Stewart pela best seller
>>> Guia Politicamente Incorreto Da America Latina de Leandro Narloch pela leya (2011)
>>> Arsene Lupin Ladrao De Casaca Texto Integral de Maurice Leblanc pela atica (2001)
>>> mana silveria de canto e melo pela civilizacao brasileira (1961)
>>> S.Bernardo-Caetés de Graciliano Ramos pela best bolso (2011)
>>> Eles Não Usam Black Tie de Gianfrancesco Guarnieri pela civilizacao brasileira (2010)
>>> O Ultimo Encantamento de Mary Stewart pela best seller
ENSAIOS

Segunda-feira, 15/2/2010
Decompondo uma biblioteca
Alberto Mussa
+ de 8900 Acessos
+ 5 Comentário(s)

Eric Benqué

Não sou capaz de dizer que obra ou que autor inoculou em mim o vício da leitura, porque nasci entre livros, milhares deles. Meu pai tinha estantes espalhadas por várias partes da casa, inclusive na garagem.

A presença da biblioteca, sua imponência concreta, material, sempre me impressionou. Por maiores que fossem minhas divergências com meu pai, eu sabia que aquele era o bem a ser legado. Em toda minha vida, creio que só não fui proibido de mexer nos livros. E isso, naqueles tempos severos, não era pouco.

Obviamente, eu tinha títulos só meus, que ocupavam três ou quatro prateleiras: romances policiais e de terror, compartilhados com minha mãe, particularmente os da Agatha Christie; livros comprados em bancas de jornal, como a fabulosa série da Giselle Monfort, a espiã nua que abalou Paris, que ainda conservo; alguns livros sobre umbanda e candomblé; e muita coisa do Círculo do Livro: Amado, Verissimo, Nelson Rodrigues.

Não devo ter feito esta reflexão, na época; mas talvez intuísse que aquelas três ou quatro prateleiras materializavam o traço rebelde da minha personalidade. Meu pai não condescendia que eu experimentasse os prazeres simples da rua ― pela mesma razão que via com desconfiança aquele gosto literário "popular", que poderia me afastar da erudição.

Quando ingressei na faculdade de matemática, a noção de que o conhecimento é um bem físico ― e cabe numa biblioteca ― se manifestou em mim de forma consciente. Meus colegas estudavam em apostilas fotocopiadas. Aquilo, para mim, era inconcebível: eu necessitava de livros, dependia daquele objeto para aprender. Passei, então, a montar algo que não era apenas uma coleção aleatória, mas uma pequena biblioteca pessoal, que obedecia a um plano rigoroso e predeterminado. Podia me orgulhar de ter livros que inclusive não faziam parte da bibliografia. Foi essa uma lição que a biblioteca me ensinou: a busca do conhecimento deve ser feita de maneira independente.

Houve nessa época um caso curioso e decisivo, na minha história de leitor. Meu livro de cálculo diferencial era o de um certo Piskounov, um nome assim. Era uma obra que ninguém possuía. Logo que se espalhou a notícia de que eu estudava cálculo num livro russo, fiquei com um imenso prestígio entre os colegas comunistas; e ganhei de um deles um pequeno volume do poeta Agostinho Neto, o presidente comunista de Angola ― que me iniciaria numa das mais importantes aventuras da minha vida: a literatura africana.

Lama
Quando meu pai morreu, eu deveria, naturalmente, herdar a biblioteca; mas uma outra circunstância triste mudou completamente meu destino. Como a casa ficara fechada, uma rachadura no teto permitiu que as chuvas destruíssem praticamente tudo. Nunca esqueci a imagem de toda aquela inteligência transformada em lama. Sabia que o conhecimento era concreto, mas não me dera conta de que fosse perecível.

De toda aquela massa, só consegui salvar um exemplar das poesias completas do Fernando Pessoa. Este livro foi o único objeto pessoal que herdei. Passei a sentir, assim, uma necessidade radical de reconstituir a biblioteca. Não sei se foi isso que me fez decidir voltar à faculdade. Mas, dessa vez, para estudar literatura.

Meu primeiro projeto foi o de ler toda a literatura brasileira. Todos os sábados eu ia ao centro da cidade para pechinchar nos sebos, em todos eles. Talvez já tivesse consciência de sofrer de uma obsessão certamente adquirida em função daquela primeira biblioteca: a de obter um conhecimento que fosse total, absoluto, ainda que num campo específico do saber.

O objetivo, na prática, era inalcançável; mas foi essa meta que me fez desenvolver a capacidade de ler tão rápido sem perder a concentração. A frase clássica mens sana in corpore sano, na verdade, é tautológica, porque o cérebro é uma parte do corpo. A leitura, assim, é uma atividade atlética como outra qualquer: exige treino, exige condicionamento físico. Por isso, não há livros difíceis, apenas leitores mal treinados.

Embora minha biblioteca continuasse crescendo, percebi que para compreender a essência da literatura brasileira, para obter um conhecimento total sobre ela, seria necessário compará-la a outras. Comecei, então, um processo compulsivo de comprar livros para formar, nessa mesma biblioteca, uma seção com os grandes clássicos universais, muitos dos quais eu conhecera na biblioteca paterna.

Então, aos autores brasileiros se somaram franceses, russos, portugueses, ingleses, italianos, norte-americanos, espanhóis, alemães e o magistral conjunto dos chamados hispano-americanos. Alguns dirão que essa biblioteca não tinha nada de especial, era uma simples coleção de clássicos. Mas havia uma diferença: é que, a partir dos poemas do Agostinho Neto, também passei a ler ― e muito ― os escritores da África.

E foi a experiência profunda e original expressa na literatura africana que me fez perceber que os cânones convencionais são o reflexo de uma mentalidade colonial e evolucionista. Assim, para obter o conhecimento total da literatura, era necessário incluir, além dos africanos, o mundo inteiro. E era fundamental estudar as literaturas antigas, clássicas e medievais. Porque a comparação tinha também que se fazer no tempo.

O cúmulo desse processo ocorreu quando constatei que a literatura ― aliás, a literariedade é anterior à escrita; e para compreendê-la era necessário conhecer as culturas ágrafas, a mitologia dos povos ditos primitivos. E não bastava o texto dos mitos: tinha que ler também monografias etnográficas que me permitissem interpretá-los.

Desmonte
Minha biblioteca, nessa altura, atingira proporções enormes, borgeanas. Mesmo mantendo um sistema rígido de leitura, concluí que nem em 60 anos eu conseguiria ler todos os meus livros. E foi essa consciência que me fez, de uma hora para outra, simplesmente abdicar da literatura, como objeto de um conhecimento total.

E talvez estivesse influenciado por uma estranha descoberta, lida em algum lugar: a de que Borges conservava em casa não muito mais que 500 volumes.

Comecei, então, um processo muito mais complexo que o de construir uma biblioteca: o de desmontá-la. Talvez nem todos tenham noção do que significa, para um viciado em livros, reduzir todas as possibilidades de conhecimento (e de prazer) a não muito mais de 4 mil obras. Não vale a pena mencionar detalhes, que seções foram mais ou menos afetadas. Importa é que no fim desse drama consegui tornar a casa transitável, moderar a compulsão e descobrir coisas muito profundas a respeito de mim mesmo.

Primeiro: que o excesso de subjetividade me incomoda, que ainda conservo um certo espírito matemático. Por isso, a grande enxurrada que partiu foi de romances, enquanto permaneceu a maioria dos contistas ― que lidam com um gênero mais intelectual.

Segundo: que, embora a ideia de "civilização" pressuponha ou enseje a de "palavra escrita", não tenho por ela, a "civilização", tanto apreço assim. Por isso, não consegui me libertar de nenhum livro de mitologia; concluí, depois de muito tempo, que os grandes feitos literários da humanidade foram alcançados na pré-história.

Terceiro: que sou quase um alienado, que não me interesso por muitos dos problemas do meu tempo. Por isso, conservei as literaturas antigas, clássicas e medievais, em detrimento da modernidade.

Quarto: que não passo de um provinciano. Por isso, mantive intacta a literatura brasileira, não fui capaz de retirar nenhuma obra escrita na minha língua, a língua hegemônica do Brasil, que nenhum acordo ortográfico tornará universal.

Os volumes que saíram da minha casa foram trocados por créditos num elegante sebo do centro do Rio, que dispõe também de um restaurante. Tenho, assim, bebido e petiscado boa parte dos meus antigos livros.

Dizem que costumo frequentar o sebo para estar, de alguma forma, perto deles. É uma calúnia. Esses livros não me dão saudade. Vou lá para falar de futebol, beber uma cerveja, cantar sambas antigos. Porque a vida tem outras coisas muito boas.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no caderno "Prosa & Verso" do jornal O Globo, em 31 de outubro de 2009. Leia também "O curioso caso de Alberto Mussa".


Alberto Mussa
Rio de Janeiro, 15/2/2010
Mais Alberto Mussa
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
15/2/2010
19h27min
Bem interessante o relato. Compartilho do vício de querer abranger todos os livros do mundo com a minha mente - mesmo sabendo que isto é impossível, e também concordo que nossa língua é bela demais para qualquer lei ortográfica deturpá-la... Mas enfim, sou apenas uma jovem leitora!
[Leia outros Comentários de Gabi Silvestrini]
17/2/2010
17h40min
Posso não ter feito a mesma jornada do autor, pelo menos não em sua total envergadura, mas entendo perfeitamente a sua "saga literária": estou no mesmo processo de "desmonte". E viva os livros E a vida real!
[Leia outros Comentários de maria thereza amaral]
18/2/2010
23h52min
Sempre fui chamado de "eclético", por ter muitos e variados livros (2000) e filmes (700). E nunca entendi muito por que certas pessoas simplesmente não leem (sem serem analfabetas) e nem têm vontade de ler. Se alguém quiser desmontar sua biblioteca, aceito doações...
[Leia outros Comentários de Douglas Pescadinha]
25/2/2010
17h14min
Minha biblioteca não tem essas dimensões tão grandiosas, mas também estou passando por esse processo de "desmonte", pois percebi que, ultimamente, apenas tenho acumulado os livros - e não os leio como eles merecem, e como eu mereço. Mas, se fosse possível, eu gostaria de ter um prédio inteiro disponível, para armazenar todos os livros de todos os assuntos que me interessam...
[Leia outros Comentários de Cassia Silva]
30/6/2010
12h36min
Que artigo fantástico e abrangente. Acho que toda pessoa que gosta de ler deveria imprimir e guardar esse texto. A realização que tanto buscamos por meio da literatura parece estar muito além dela, como bem mostrou o nosso ensaísta. Parabéns, Sr. Mussa.
[Leia outros Comentários de João Batista]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Power of Your Subconscious Mind, The
Joseph Murphy
Wilder Publications
(2008)



Os Métodos da História
Ciro Flamarion Cardoso / Héctor Pérez Brignolli
Graal
(1979)



Os Segredos da Múmia do Gelo
Rogério Andrade Barbosa
Ftd
(1995)



Próxima estação, Paris
Lorant Deutsch
Paz e Terra
(2011)



Os 7 Segredos da Sincronicidade
Trish Macgregor; Rob Macgregor
Planeta
(2011)



Vigo, Vulgo Almereyda
Paulo Emílio
Sesc



História da Educação Física e do Esporte no Brasil
Victor Andrade de Melo
Ibrasa
(1999)



A Dieta dos Números de Seleções 1 321
Liz Vaccariello
Seleções Reader's Digest



Profunda Simplicidade: Uma Nova Consciência Do Eu Interior
Will Schutz
Ágora
(1989)



Tela Quente
June Flaum Singer
Record
(1984)





busca | avançada
32600 visitas/dia
1,9 milhão/mês