João Nogueira e o espelho da poesia | Blog da Mirian

busca | avançada
70751 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Festival exibe curtas-metragens online com acesso livre
>>> Lançamento do thriller psicológico “ A Oitava Garota ”, de Willian Bezerra
>>> Maurício Einhorn celebra os 45 anos do seu primeiro álbum com show no Blue Note Rio, em Copacabana
>>> Vera Holtz abre programação de julho do Teatro Nova Iguaçu Petrobras com a premiada peça “Ficções”
>>> “As Artimanhas de Molière” volta aos palcos na Cidade das Artes (RJ)
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Literatura pop: um gênero que não existe
>>> Oxigênio, com Ana Paula Sousa
>>> A bunda do Gerald Thomas
>>> Roteiro de um ano
>>> Das coisas que você detesta
>>> 21 de Junho #digestivo10anos
>>> 3 Alexandres
>>> Blogueiros vs. Jornalistas? ROTFLOL (-:>
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> O poeta, de Vinicius de Moraes
Mais Recentes
>>> Marcelo, Marmelo, Martelo E Outras Histórias de Ruth Rocha pela Salamandra (2011)
>>> Dictionnaire Des Religions de Mircea Eliade; Ioan P. Couliano pela Plon (1997)
>>> A guerra secreta de Gilles Perrault pela Best Seller (1974)
>>> Historia del pueblo Judio de Werner Keller pela Omega (1969)
>>> Universdo em desencanto a verdadeira origem da humanidade volume 1 de Mundo racional pela Mundo racional
>>> História Do medicamento de História Do Medicamento pela Glaxo (1987)
>>> Química - Coleção Horizontes (Acompanha Tabela) de Magno Urbano De Macedo pela Ibep
>>> 365 Histórias Para Dormir + 1 Livro Infantil De Brinde de Vários Autores pela Dcl (2019)
>>> Folclorices De Brincar + 1 Livro De Brinde de Mercia Maria Leitao pela Editora Do Brasil (2009)
>>> Meu Livrinho Dos Porquês - Por Que Dormimos? + 1 Livro De Brinde de Katie Daynes pela Usborne (2018)
>>> Nos Bastidores da Disney Os Segredos do Sucesso Da Mais Poderosa Empresa de Diversões do Mundo de Tom Connellan pela Saraiva (2010)
>>> Comunicação Global A Mágica da Influência A Neurolinguística Aplicada à Comunicação de Lair Ribeiro pela Objetiva (1993)
>>> O Poeta E O Cavaleiro de Pedro Bandeira pela Moderna (2013)
>>> Em Algum Lugar Do Paraiso de Luis Fernando pela Objetiva (2011)
>>> Infinito - Os Imortais de Alyson Noël pela Intrínseca (2013)
>>> Para Sempre - Os Imortais de Alyson Noel pela Intrinseca (2009)
>>> Terra De Sombras - Portugues Brasil de Alyson Noel pela Intrínseca (2013)
>>> Lua Azul - Os Imortais - Portugues Brasil de Alyson Noel pela Intrínseca (2013)
>>> Calhoun: Catherine & Amanda - Vol. 1 de Nora Roberts pela Harlequin Books (2010)
>>> A Máquina De Fazer Espanhóis de Valter Hugo Mãe pela Biblioteca Azul (2016)
>>> Lembranças De Nós Dois de Judith Mcnaught pela Bertrand Brasil (2023)
>>> Crônicas De Repórter de Pedro Bial pela Objetiva (1996)
>>> Lula E Minha Anta de Diogo Mainardi pela Record (2007)
>>> Em Busca da Sabedoria de N. Sri Ram pela Teosófica (2020)
>>> A Cabeca De Steve Jobs As Licoes Do Lider Da Empresa Mais Revolucionaria Do Mundo de Leander Kahney pela Agir (2008)
BLOGS >>> Posts

Domingo, 26/7/2015
João Nogueira e o espelho da poesia
Mirian de Carvalho (e-mail: miriancarvalho323@gmail.com)
+ de 1200 Acessos

Fortes chuvas de um dia quente. Acho que foi em março de 2000. Do trabalho na Ilha do Fundão tive carona até o Santos Dumont. Carregador, tia? Tem bagagem? Entre o carro e o saguão do aeroporto ─ livros, pasta, bolsa, embrulho. Cadê os lenços de papel? Comecei a enxugar os braços. Já sentada em frente ao Café, sequei os livros. E os óculos que sempre ficam molhados! Tirei da bolsa meu fiel espelhinho pra retocar o cabelo. Ao incliná-lo para a direita, não acreditei ─ João Nogueira. Ele mesmo. Sentado ao meu lado no banco. De perfil, no meu espelho. Pediria autógrafo?

Chapéu. Pasta. Parecia aguardar alguém. Quem sabe esperava o momento de se dirigir à sala de embarque? Acho que ia para São Paulo. Talvez, sem saber, aguardasse viagem bem maior que faria em junho do mesmo ano. Ao reconhecê-lo, pensei na magia daquele "Espelho" de João Nogueira e Paulo César Pinheiro. E me lembrei da voz do cantor. Sua vida e seus medos acalentados naquela canção. Entre tantas agruras ─ destino marcado nas surpresas da poesia. Entre perdas e danos ─ coisas da vida na musicalidade dos versos. Tempos de antes. Meninice. Dias felizes. Adolescência. Aspirações. Companheirismo do pai. Solitude. Tornar-se adulto. Revelações do amor. E tornar-se poeta.

Sei que numa verdadeira parceria há realmente entrosamento. O compositor às vezes colabora numa estrofe ou num verso. Mas aqui o que importa é o espelho ─ o encantamento do objeto surpreendido em tom poético. E ora me entrego a uma interpretação. Espelho, espelho meu, que sabeis de mim e do outro? Quem ouve uma canção se faz intérprete. Esse espelho? Será a vida? O tempo? Por certo, nem a vida nem o tempo. Mas algo que se enraíza na imaginação do poeta. E do compositor. Na voz do cantor essas ambiguidades e segredos falam de nós e do outro. Meu espelho não pertence só a mim.

Nos entremeios da poesia ─ aos sentidos atentos ─ os objetos vivem. À pele receptiva, as coisas nos tocam. Sentem. Pensam. Se a admiram. Sofrem. Pulsam. Choram. Amam. Ganham cores. Sabores. Cheiros. E muito mais. Trabalho misterioso esse, o do poeta. E o do compositor. E o do cantor. No universo ritmado pela canção é também assim. A canção detém o tempo do mundo e desengrena o tempo do relógio. A canção vive seu próprio momento.

Naquele instante João Nogueira entrou no meu espelhinho, lembram? Eu estava retocando o cabelo. A partir daí percebi que meu pequeno espelho passou a me olhar de modo diferente. Espelhos compartilham imagens. Decifram olhares. Identificam medos, apreensões, afetos, intenções. Na superfície dos espelhos moram águas endurecidas. Quando através do olhar entramos nessas águas, elas voltam ao estado líquido. Então o fôlego do dia se entranha em algum momento do passado. Este vem à tona. Tece direções. Emite luzes. E guarda o rosto que ali se reflete ou se refletiu. Mas é tudo muito rápido.

Na voz de João Nogueira, entre tropeços e desencantos do mundo, que dádiva os versos! Que dádiva cantar essa imagem do espelho! O olhar do espelho não mente. Não camufla. Não mascara. A um só tempo, superfície, luminosidade, profundidade, caverna, sumidouro, vazadouro, os espelhos olham o mundo. Feitos de sol e gelo, eles têm fascinado escritores e artistas das mais variadas expressões. Quem não se lembra daquele espelho falante dizendo verdades à bruxa na história da Branca de Neve?. Cada um ao seu modo, Jorge Luis Borges, Cecília Meireles e Machado de Assis foram intensamente olhados pelos espelhos. Eles entraram nos segredos e transformações das águas endurecidas e liquefeitas.

Tive vontade de indagar: João, como é entrar na magia do espelho?

Continuei sentada ao seu lado no banco do aeroporto. De novo tirei da bolsa o espelhinho oval. A pretexto de retocar o batom, inclinei mais um pouco meu minúsculo laguinho de águas endurecidas. Contornado pelo friso amarelo da moldura, João Nogueira continuava dento do meu espelho. Em carne, osso e inspiração. Pasta sobre os joelhos. Paletó. Chapéu. Lá estava ele, como se fosse um cristal que eu não tinha coragem de olhar de frente para pedir autógrafo.

Continuei fingindo que retocava o batom. A luz refletida em seu rosto iluminava meu espelhinho. Com voz e jeito sentido de cantar, João Nogueira ─ personagem do seu próprio "Espelho" ─ se tornou personagem do meu espelho. Aquela letra ─ poema pra valer ─ continua navegando versos nas águas profundas do meu laguinho de bolsa, repercutindo a voz de João Nogueira: "Mas tão habituado com o adverso / Eu temo se um dia me machuca o verso". Forte e apropriada essa imagem! Acostumados com o pega-pesado-da-vida, o autor e o compositor temem que algo possa ferir a poesia.

Pouco depois, João Nogueira se foi. Deve ter encontrado Alice, aquela menina que, ao sair do País das Maravilhas, foi visitar o País do Espelho.

Dos ancestrais não herdei terras. Não herdei ouro. Nem pérolas. Deles, recebi imagens que perfuram a resistência das águas endurecidas sob a máscara do dia. Até que novo dia se faça leito e superfície de outro espelho a gerar outros olhares. Outras águas. Outras nascentes.

No aeroporto ou na imaginação, volto àquele dia. Quando chove, penso num grande espelho dissolvendo-se em águas memoráveis. E vejo o "Espelho" de João Nogueira no meu espelhinho e em tantos outros que pela vida encontrei. Virou relíquia o pequeno objeto das águas mutantes.

Desportista nunca desejei ser. Um dia tentei jogar vôlei ─ Que desastre! Me ajeito melhor com a poesia. Pessoas, coisas, palavras, tudo me toca através do sentimento. Mas quando arrisco alguns versos meus ou quando termino livro, a voz do João Nogueira vem à tona. Diante da poesia, sinto também esse medo maior: que o espelho possa se partir. Meu espelhinho de moldura amarela, guardo bem guardado. E ainda hoje a grande apreensão na voz de João Nogueira se reflete igualmente em mim: "E o meu medo maior é o espelho se quebrar".

Quem ouve, aqui repito, sempre se intromete. Que espelho é esse? A existência? O tempo? O amor? A poesia? A inspiração? Quem escreve costuma também ser meio intrometido. Então, começa a fazer perguntas que não têm resposta. Que espelho é esse? A poesia não traz respostas. Mas seu ânimo transcende o tempo. Conforta saber que, se um espelho se partir, cada fragmento se fará completude.


Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: miriancarvalho323@gmail.com)
Em 26/7/2015 às 19h17

Mais Blog da Mirian
Mais Digestivo Blogs
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!

* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Literatura Estrangeira Praticamente Inofensiva Volume 5 da Série o Mochileiro das Galáxias
Douglas Adams
Arqueiro
(2010)



Introdução à Metodologia do Trabalho Científico
Maria Margarida de Andrade
Atlas
(2006)



Direito Administrativo
Fernanda Marinela
Impetus
(2010)



Insurgências e Ressurgências Atuais
Gilberto Freyre
Globo
(1981)



Homem de ferro: vírus
Alex Irvine
Novo Século
(2015)



Churchills Abandoned Prisoners
Rupert Wieloch
Casemat
(2019)



Minha Nova York
Didi Wagner; Jairo Goldflus
Pulp
(2014)



Litalie Illustrée
P. Jousset
Larousse
(1920)



Mulher e Depressão
Jennifer James; Maria Silvia Mourao Netto
Saraiva
(1992)



Comentários às Questões Polêmicas e Atuais dos Concursos Vol. 2
Mauroschiavi
Ltr
(2010)





busca | avançada
70751 visitas/dia
1,7 milhão/mês