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Quinta-feira,
4/8/2016
Qual é a sua remuneração?
Heberti Rodrigo
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O Emigrante, do escultor Bruno Catalano (França)
É escrevendo que sei e faço aos outros saberem que não sou apenas um escritor, mas alguém que, diante do mundo, se emociona e reage e resiste à sua maneira. Não sou hipócrita de desprezar a importância do dinheiro, mas nunca busquei ou entrevi na escrita apenas um mero ganha-pão. Antes me moveu a necessidade de expressar um modo de ser, de procurar compreender minha vida e de reagir ao mundo. É a atividade que ocupa boa parte de meu dia, e pela qual minha personalidade se manifesta numa linguagem própria. Desde pequeno há uma inclinação em mim a observar os desdobramentos de minha individualidade, sempre procurando elucidar a dinâmica de minha vida, seus limites e conflitos, quase todos tornados manifestos em minhas relações com o mundo. Na época não sabia mas já era escritor. Em minha ingenuidade, pensava que escritor era quem escrevia. Hoje sei que não é bem assim. Muitos são os que discorrem sobre um tema com belas palavras e conforme as regras da gramática, mas não dizem nada pois lhes falta a vivência íntima do assunto, a necessidade apaixonada de pessoalmente explorá-lo e comunicá-lo. Para escrever é fundamental ter algo a dizer, mas são igualmente necessárias a ousadia e a obstinação de dizê-lo ao seu jeito elaborando uma visão e uma linguagem particulares. Isso requer o tempo e a paciência de um trabalho artesanal, e faz da escrita uma expressão legítima de resistência e revolta, sobretudo numa época em que se vive em grande velocidade, em que tudo está aí, mastigado, pronto para ser reproduzido e consumido. Ao escrever, oponho-me ao status quo e seu modo autoritário de considerar a vida e regrar as relações e atividades humanas, desejoso em fazer de cada um de nós um autômato condicionado à diversão e ao consumo. Uns ganham mais, outros, menos, mas quase todos somente encontram satisfação em seus trabalhos no dia em que recebem seus salários. Quando viver resume-se ao dinheiro e ao consumo, o que mais atrai é o que degrada e massifica, empobrecendo-nos numa estúpida ânsia de ganhar cada vez mais dinheiro. Viver não é apenas deixar-se ser apossado passivamente pelo mundo, tragado pelos seus modismos e valores; é também contrapor-se. Sei que é possível que tal olhar para a vida pareça estouvado às pessoas práticas, como muitas vezes a estas lhes parece a raiva e a revolta de alguém diante do irremediável. Entretanto, se algo profundamente revolta esse alguém é natural que sua raiva se manifeste, independente do juízo que outros farão dela. A raiva é uma reação natural de um ser humano diante do que o choca, o fere e o desorganiza. Escrever muitas vezes é a expressão autêntica de uma revolta suscitada por algo que me foi subtraído ou negado, ainda que em muitas ocasiões não consiga explicitar o objeto dessa carência. É minha maneira de buscar o que me falta; uma busca nem sempre fácil, mas demasiado gratificante. Qualquer outra ocupação, e mesmo o próprio ato de consumir, pode também ser vista como uma busca diante de uma carência - carência esta que nem sempre se resume a dinheiro. De um modo geral, acredito que toda atividade humana consiste no esforço de encontrar modos de preencher vazios, e a paixão e a originalidade que cada ser humano demonstre ao fazê-lo no dia a dia, seja gerenciando pessoas numa empresa, escrevendo, criando filhos ou varrendo uma rua revelam traços inequívocos de sua personalidade, além da satisfação e da remuneração que lhe propicia sua atividade.
Postado por Heberti Rodrigo
Em
4/8/2016 às 11h35
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