Toda luz que não podemos ver: política e encenação | Relivaldo Pinho

busca | avançada
57178 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Última peça de Jô Soares, Gaslight, uma Relação Tóxica faz breve temporada em São José dos Campos
>>> Osasco recebe o Teatro Portátil gratuitamente com o espetáculo “Bichos do Brasil”
>>> “Sempre mais que um”, de Marcus Moreno, reestreia no Teatro Cacilda Becker
>>> #LeiaUmaMãe: campanha organizada pela com.tato promove a diversidade na literatura materna
>>> Projeto Experimente inicia sequência de eventos para comemorar 10 anos
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Scott Galloway sobre o futuro dos jovens (2024)
>>> Fernando Ulrich e O Economista Sincero (2024)
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
Últimos Posts
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Ivan Junqueira desvendando Otto Maria Carpeaux
>>> Picasso versus Duchamp e a crise da arte atual
>>> Memórias de um caçador, de Ivan Turguêniev
>>> Les Chefs & Décors
>>> I-ching-poemas de Bruna Piantino
>>> Por que Coetzee
>>> Um conto-resenha anacrônico
>>> Riobaldo
>>> Imre Kertész - O Fiasco
>>> Autor não é narrador, poeta não é eu lírico
Mais Recentes
>>> Lolita de Vladimir Nabokov pela Folha De São Paulo (2003)
>>> Partidos De La Izquierda Y Movimientos Sociales En America Latina de Christiane Schulte Y Cornela Hildebrandt pela Expressao Popular (2006)
>>> A História Cotidiana as Margens do Nilo - Grandes Civilizações do Passado de Folio pela Folio (2007)
>>> A Invençao De Morel de Adolfo Bioy Casares pela Cosac & Naify (2006)
>>> A Soma Dos Dias de Isabel Allende pela Bertrand Brasil (2008)
>>> Dias De Abandono de Elena Ferrante pela Biblioteca Azul (2016)
>>> Ópera de sabão de Marcos Rey pela Lpm (1980)
>>> Europa Medieval - Grandes Civilizações do Passado de Donald Matthew pela Folio (2006)
>>> Lacos De Familia de Clarice Lispector pela Rocco (1998)
>>> Inteligencia Emocional de Daniel Goleman pela Objetiva (1995)
>>> Problemas Boborildos. de Eva Furnari pela Moderna (2011)
>>> A Pesquisa Qualitativa - Enfoques Epistemológicos E Metodológicos de Ana Cristina Mancussi pela Vozes (2012)
>>> Israel - Grandes Civilizações do Passado de Sarah Kochav pela Folio (2006)
>>> Bernardino De Sena - O Santo E O Humaninas de Piero Bargellini pela Franciscana (1992)
>>> Marx - A Criaçao Destruidora de Slavoj Zizek pela Boitempo
>>> Assassinato De Reputações: Um crime de Estado de Romeu Tuma Junior; Cláudio Tognolli pela Top Books (2013)
>>> Arte e Vida na Itália Renascentista - Grandes Civilizações do Passada de Folio pela Folio (2008)
>>> Assassinato De Reputações: Um crime de Estado de Romeu Tuma Junior; Cláudio Tognolli pela Top Books (2013)
>>> Riot Days de Maria Alyokhina pela N1 Ediçoes (2020)
>>> Coleção 4 Livros Minha Vida Fora De Série de Paula Pimenta pela Gutenberg (2017)
>>> Ben-hur. Um Conto Sobre O Cristo de Lew Wallace pela Ciranda Cultural (2024)
>>> Café na cama de Marcos Rey pela Círculo do livro
>>> Comicidade e Riso de Vladímir Propp pela Ática (1992)
>>> Rosa Luxemburgo - Textos Escolhidos de Isabel Loureiro pela Expresso Popular (2009)
>>> Espanha e Portugal - Grandes Civilizações do Passado de Mary Vincent e R. A. Stradling pela Folio (2007)
BLOGS >>> Posts

Quinta-feira, 7/12/2023
Toda luz que não podemos ver: política e encenação
Relivaldo Pinho
+ de 1100 Acessos




A série veiculada pela Netflix neste novembro, “Toda luz que não podemos ver” (Direção de Shawn Levy), poderia ser, como tantas outras produções, sobre a vida em um mundo mergulhado na guerra, mas esse mundo, ou o que seria sua ambientação histórica, a invasão nazista da França na Segunda Guerra Mundial é, na verdade, apenas seu cenário, parte de sua mise-en-scène.

A série mostra a história de dois jovens em meio ao conflito. A francesa Marie (Aria Mia Loberti) e o alemão Werner ( Louis Hofmann ) estão em lados opostos da Guerra na cidade francesa de Saint-Malo .

Ela é uma jovem cega que faz transmissões de rádio clandestinas para avisar os bombardeiros aliados as posições alemãs. Ele é um jovem soldado alemão encarregado de vigiar as radiocomunicações da resistência francesa.

Marie utiliza o mesmo rádio que seu tio Etienne, “o professor” (Hugh Laurie ), usava antes da Guerra para suas transmissões. Werner, desde garoto um perito em rádios e que por isso se destacou militarmente, sempre ouviu na Alemanha a mesma frequência que o tio de Marie utilizava.


Werner, Marie, Daniel, Etienne. Fonte: papelpop.com


Separados pela guerra, o rádio os aproxima. Mas eles não se conhecem. Werner foi órfão e Marie, até a chegada das tropas alemãs, vivia uma vida feliz com seu pai, Daniel (Mark Ruffalo ), um funcionário de museu em Paris.

O drama está pronto. Está? Não, tudo isso se dá na série em meio à representação da invasão, mas o modo como é mostrado esse momento histórico o reduz quase que apenas a um pano de fundo em CGI (Imagens Geradas por Computador).

É claro que não se trata apenas da antiga discussão de que a ficção não tem obrigação de representar a realidade. Mas representações estéticas têm seu poder de persuasão.

Se assim não fosse, estaríamos negando toda a história da representação cinematográfica da política, dos conflitos, das guerras. Essas representações foram não apenas instrumento de entretenimento, mas, como se sabe, de deliberada propaganda.

Há centenas de filmes e séries sobre a Segunda Guerra . Alguns utilizam programaticamente o cenário e os contextos históricos para os mais diversos propósitos. Os mais frequentes desses motivos utilizados talvez sejam o amor, a dor e a esperança.

As representações imagéticas mostram esses motivos em conjunto com a ambientação história das mais diversas maneiras. Algumas exibem esses temas se relacionando com o contexto da realidade, tomando-o como elemento decisivo (“A ponte do Rio Kwai”, toma a dor, a resistência e a esperança dentro de um campo de prisioneiros), outras tratam essa ambientação como elemento influente, mas um tanto distante (“Casablanca” toma o amor impossível em uma cidade ainda possível).


Cartaz de "A ponte do Rio Kwai" (1957), de David Lean


E outras, bem..., outras se utilizam dos vários arquétipos da ficção para aparentar tratarem de um tema sério, mas que pode ser sentido apenas sintonizando uma frequência de paixão.

A série da Netflix parece se prender muito mais nessa frequência mais palatável da sensibilidade. Ela foi anunciada (com o grande reforço das mídias) como uma produção que trata sobre o nazismo (ou, pelo menos, sobre a ocupação nazista), mas sua estética emoldura esse tema histórico e dentro desse quadro emoldurado o seu relevo praticamente se perde.

A decisiva tomada da França , como triunfo e vingança; o avanço das forças alemãs em direção à Inglaterra; a fuga desesperada de milhões de pessoas e o terror nas cidades, por exemplo, surgem mais como algo que passa – e apenas passa – pela intriga central (os dois jovens) do que como algo que com essa intriga esteja indissoluvelmente ligada.

Não é que a invasão alemã, as separações de pessoas e a violência não sejam importantes na série. É que isso parece surgir como algo circunstancial, não como seu núcleo gerador da trama. Retire a caçada à pedra preciosa com poderes mágicos da série e... voilà! você entenderá do que estou falando.

“Mas esse tom histórico não era o propósito da série”, alguém pode argumentar, com algum grau de razão. Mas pode-se responder que, se esse não era o propósito, então a série poderia figurar em qualquer outro contexto, ou pretexto, correto?


A batalha da França. Fonte: commons.wikimedia.org


E aí está exatamente o ponto central. O núcleo de um drama quando obedece a certos padrões estéticos estanques, como bom e mal, inocência e bravura, vítima e algoz, ignomínia e honra, caracterizados e demarcados, ou sintonizados exatamente como um número de uma frequência de rádio, tende a não fornecer imagens que possam ir além da estrutura predominantemente sentimental do drama.

É conhecida, por exemplo, a argumentação de historiadores que apontam que se esperava por parte das forças francesas maior resistência, como fizeram os poloneses. Também se argumenta que a resistência francesa só se tornou efetiva após 1943, quando se percebeu que os aliados poderiam realmente ganhar a Guerra (Max Hastings, “Inferno: o mundo em guerra”).

Na série, essa figura da resistência é mostrada através do tio Etienne. Ele é de longe o melhor personagem da produção. Como um ex-combatente traumatizado da Primeira Guerra, ele vive solitário e triste, mas, com a chegada dos aliados, se dispõe a lutar e tem em sua sobrinha Marie sua seguidora.

Mas o colaboracionismo francês é visto através de uma mulher que dorme com o vilão alemão, o sargento Reinhold von Rumpel (Lars Eidinger).

Já o Governo de Vichy , o colaborador oficial dos nazistas, que teve como representante maior o General Pétain, aquele que foi ao rádio pedir para que os franceses parassem de lutar, nem sequer aparece na minissérie.

Mocinhos e vilões precisamente demarcados são uma das chaves sentimentais do enredo. Não há como não mencionar a caricatura do vilão maior, o sargento alemão, em seu histrionismo, trejeitos afetados e animalidade.

Essa caraterização, que está longe de ser apenas ficção, se tornou uma das formas, desde a Primeira Guerra Mundial , do cinema representar o inimigo. Vejam como Cecil B. DeMille mostra os ignóbeis alemães em “A pequena americana” (1917), ou como Chaplin os ridiculariza implacavelmente em “Carlitos nas trincheiras” (1918). Mas aí são dois monstros do cinema.


Cartaz de "Carlitos nas trincheiras". Fonte: wikimedia.org


Von Rumpel é a imagem dessa forma repetida e que, por isso, sobre ele recai na série, e por parte do espectador (não sem motivos), todo o sentimento incontido de justiça (vingança), quando ele desaba morto diante da joia com poderes mágicos que poderia salvá-lo de sua doença terminal.

Na narrativa histórica, o destino do comandante da cidade de Sant-Malo é um pouco diferente do sargento Rumpel da série, mas talvez seja mais interessante. Martin Gilbert, em “A Segunda Guerra Mundial: os 2.174 dias que mudaram o mundo”, é quem nos conta assim essa história:

“O comandante alemão de St. Malo, coronel Aulock, dera ordens para que o porto fosse defendido até o último homem. Quem desertasse ou se rendesse, declarara o coronel, não passaria de ‘um cão vadio!’. Hitler, extremamente impressionado com a determinação de Von Aulock, concedeu-lhe as Folhas de Carvalho que faltavam à sua cruz de Cavaleiro, mas a batalha foi tão rápida que a atribuição da medalha, em 18 de agosto, deu-se um dia após a rendição de Aulock”.

Na série, no último episódio, vemos o porto da cidade ser destruído. Mas quase nada sabemos do contexto em que a retomada da cidade se dá. A história se circunscreve, novamente, entre o casal e o vilão, como se o poder totalitário, a esperança e a luta da resistência e a ajuda dos aliados surgissem do nada em um céu de onde as bombas não param de cair.

E, para selar esse final, Marie e Werner, que acabaram de se conhecer pessoalmente e escapar da morte, dançam e se beijam, prometendo se reencontrar (sim, ele, desolado, se volta para ela enquanto os soldados aliados o prendem) ao final da Guerra. Deve vir 2ª temporada por aí.


Cena do filme "Paris está em chamas?" Fonte: IMDB


Querem um contraponto disso, com temática semelhante, mas com abordagem diferente? Vejam “Paris está em chamas?” (1966), de René Clément . O filme conta a luta da resistência francesa para libertar Paris em 1944. O que falta na série, a tentativa de uma contextualização histórica e a matização de personagens, está presente no filme; o que “falta” no filme, um romance como único cerne da narrativa, é o centro da série.

Ao final do filme de Clément, vemos imagens de época das comemorações pela retomada de Paris, o Arco do Triunfo lotado, a chegada do general De Gaulle , líder da resistência, sendo ovacionado. Ao final do último capítulo da série, surgem imagens históricas das cidades francesas destruídas. Esse momento é, na mise-en-scène da minissérie, a imagem verossímil mais impressionante.


Relivaldo Pinho é autor de, dentre outros livros, “Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia”, ed. ufpa.

[email protected]

Relivaldo Instagram
Esse texto foi publicado no Diário online


Postado por Relivaldo Pinho
Em 7/12/2023 às 19h47

Mais Relivaldo Pinho
Mais Digestivo Blogs
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!

* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Roubo de Coração
Ealine Coffman
Nova Cultural
(1997)



Star Wars Legends - Volume 0 ao 11
Vários autores
Panini Comics



Teatro Universitário 1979
Vário Autores
Inacen
(1979)



Francisco. El Hermano De Asis.
Maria Izabel
Loyola
(2002)



Dizem por Aí
Jill Mansell
Novo Conceito
(2012)



Sartre
Annie Cohen Solal
L&pm Pocket
(2005)



O Mecanismo da Mente
Edward de Bono
Vozes
(1971)



O que Eles Perderam
Vera Lúcia Marinzeck De Carvalho ; Antonio Carlos
Petit
(2019)



George Steiner. À Luz De Si Mesmo
Ramin Jahanbegloo
Perspectiva



O Médico
Beny Schmidt
Cla
(2016)





busca | avançada
57178 visitas/dia
2,4 milhões/mês