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Segunda-feira, 9/3/2009
O mundo como ele realmente é
Cris Ambrósio
+ de 7200 Acessos

Nada mais perigoso do que generalizações, mas talvez seja possível dizer que a maioria esmagadora dos ratos de bibliotecas, frequentadores de sebos, leitores da McSweeney's e da Granta, enfim, dos obcecados por livros em geral, devem esse amor ao contato constante com a literatura desde quando eram crianças. Com essa relação que nada diz respeito ao clima de obrigatoriedade dos anos escolares ainda por vir, o hábito da leitura evolui e torna-se parte da pessoa.

Eventualmente, essa pessoa provavelmente irá se acostumar com enredos metafóricos, parabólicos e difíceis. E também estará perfeitamente habituada a criar as mais diversas interpretações para esses livros tão complicados, tão adultos. Quem sabe o consolo para tanta intelectualidade cansativa seja a memória de tempos inocentes nos quais se lia coisas com figuras coloridas de traços delicados, palavras fáceis e histórias simples.

É de se imaginar o choque em saber que a inocência que deveria estar presente nesses livros, ou pelo menos em alguns deles, não existia. Eu senti um exemplo disso recentemente, em razão de uma exposição montada no Morgan Library & Museum, em Nova York, sobre a confecção dos desenhos da famosa série Babar, criada por Jean e Cecile de Brunhoff. Várias matérias foram publicadas e a ficha acidentalmente caiu.

Para quem nunca ouviu falar, Babar é um elefante que sai da selva depois que a mãe é assassinada por caçadores e vai morar em Paris. Lá, conhece Senhora, uma fina mulher francesa, e aprende a cultura dos homens, como o uso do terno. Quando volta para a selva, elegante e bípede, é coroado rei e funda uma cidade, Celesteville, onde os demais animais adotam o mesmo comportamento. Além das belas publicações, a história também estava na televisão: uma animação canadense era transmitida pela TV Cultura e atualmente vai ao ar pelo canal a cabo HBO Family.

Em todos esses anos que se passaram jamais percebi as óbvias referências aos países colonizados por europeus, sobretudo na África. Era o "fardo do homem branco" ensinar sua cultura superior aos nativos subdesenvolvidos e, dessa maneira, "ajudá-los" e torná-los civilizados.

O romance Coração das Trevas do inglês Joseph Conrad é um bom instrumento para se ter uma ideia do pensamento mais comum da época ― foi publicado em 1902 ― sobre a colonização. Há controvérsias sobre as opiniões do autor sobre o tema: se ele é ou não contra o ensino de hábitos europeus aos africanos e a exploração dos recursos do continente. Independentemente desses debates que dependem mais da interpretação que se tem do livro, ler a obra é uma maneira de saber um pouco mais sobre o assunto que ainda hoje é polêmico.

Aqueles que passavam a comportar-se ao modo europeu eram chamados de "assimilados". Eram ensinados a eles a língua, a etiqueta, o modo de vestir-se e qualquer outro hábito exigido pela sociedade, exatamente da mesma maneira que acontece com Babar e companhia. A assimilação significava ascensão social, era um modo de negar a própria origem em uma terra dominada por estrangeiros. Os empregos conseguidos por estes eram melhores, assim como moradia. Embora no desenho animado e no livro tudo funcionasse muito bem, essas pessoas eram mal vistas por ambos extremos da sociedade: os africanos e os europeus. Para um dos lados, eles não passavam de traidores de uma causa nobre (o fim da colonização e expulsão dos europeus) que se submetiam ao ridículo pelo benefício próprio. Para o outro lado, não adianta o quanto se esforçassem, ainda seriam inferiores; melhores, talvez, mas ainda inferiores. Por essa razão o autor pode estar querendo estimular e elogiar "assimilação", mostrando apenas um fictício ponto positivo e omitindo todo o resto.

O processo de assimilação e o impacto dele são abordados pelo ótimo livro de contos do angolano José Luandino Vieira, chamado Luuanda, publicado em 1963. O livro não é de fácil entendimento, mesmo vindo de um país lusófono: além do estilo de Luandino ser fortemente influenciado pelo de João Guimarães Rosa, que já não é nada simples, o vocabulário popular angolano e diversas palavras de dialetos locais são recorrentes. Saber uma ou outra coisa da turbulenta História recente de Angola também ajuda um pouco na leitura.

Os três contos que compõem Luuanda retratam aspectos da sociedade angolana que certamente não se limitavam apenas a esse país. As rachaduras estão por toda parte: a colonização se mostra como um labirinto sem saída para todos os africanos. Aqueles que mantêm distância dos brancos sofrem com a miséria e a marginalização, e os que tentam uma aproximação dos colonizadores, apesar de obterem uma realidade um pouco melhor, ainda são forçados a carregar o estigma da cor da pele.

É difícil negar que embora os animais das historinhas de Babar, ainda que fiquem bem simpáticos de pé e vestidos (em razão da alta qualidade dos desenhos), não perdem o ridículo por estarem nessa situação. Tratando-se de um livro infantil, a inverossimilhança seria ignorada, no entanto Babar se mostrou menos inocente do que as demais histórias. O auge do absurdo está no conselheiro do Rei Babar, o personagem chamado Pompadour. Um elefante de peruca branca, monóculo e vestes no estilo europeu do século XVIII, remetendo à Versalhes. Ao mesmo tempo em que faz referências a um mundo que realmente existiu, o elefante enjoadinho e burocrático traz em si enorme comicidade e provoca risos toda vez que aparece. Quem sabe exatamente da mesma maneira que negros vestindo elegantes casacas e chapéus coco provocavam risos em certos europeus.

Se tudo isso não for um comentário social, é no mínimo uma inspiração inapropriadamente explícita. As crianças obviamente não sabem muito sobre um assunto árido como a colonização européia na África, ao menos por enquanto. A princípio tudo pode parecer apenas uma criação bem elaborada, consequente de uma bela imaginação, porém, não é totalmente paranóico dizer que a história, publicada a partir de 1931, pode ter sido manipulada para favorecer interesses de outras pessoas em uma situação qualquer. É tão inocente acreditar que não há referências quanto acreditar que ninguém tirou proveito delas.

E ainda, se as referências forem realmente intencionais, Brunhoff se mostra como mais um daqueles adultos que não levam a inteligência de crianças a sério e tiram proveito da sua temporária falta de informação para o divertimento próprio. Afinal, como elas ainda estão ocupadas em correr e brincar, não tiveram a preocupação em estudar História, portanto não entenderão o que está acontecendo nas entrelinhas. É praticamente como contar uma piada pornográfica para alguém de seis anos: ele pode achar graça de uma ou outra palavra, mas para por aí.

A literatura infantil é de uma importância absurda na vida das pessoas, não só para os obcecados por livros. Só pelo fato de ajudar na alfabetização ela já é extremamente importante. E por essa razão ela deve ser honesta, expor informações que uma criança é capaz de absorver (é bom lembrar que elas não são nada bobas), aumentar os conhecimentos e ajudar seu público alvo no processo de amadurecimento. Duvido muito que a inclusão de comentários sócio-políticos faça parte do papel desse tipo de literatura.

Babar continua fazendo parte da minha vida, de muitos outros e continuará cativando crianças mundo afora. Os livros da série são de uma beleza ímpar; coloridos, bem ilustrados, boas histórias. Um belo primeiro capítulo na história de uma pessoa com a literatura. E nada ― nem a mais poderosa das alienações ― pode apagar uma mancha profunda como essa.


Cris Ambrósio
São Paulo, 9/3/2009

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Notas sobre a Escola de Dança de São Paulo - II de Elisa Andrade Buzzo
02. Novos autores: literatura, autonomia e mercado de Adriana Baggio


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