Jean Genet no Brasil | Ruth Escobar

busca | avançada
55164 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Turnê O Reencontro, da Banda O Teatro Mágico, chega a Ribeirão Preto no dia 24 de maio
>>> “Aventuras no Havaí”: peça inspirada em novo live-action chega ao Atrium Shopping
>>> Maio no MAB Educativo: tecnologia, arte e educação na 23ª Semana Nacional de Museus
>>> Espetáculo Há Vagas Para Moças de Fino Trato promove programa educativo no Teatro Yara Amaral do Ses
>>> Fios que resistem: projeto reconecta a história das bordadeiras no litoral paulista
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
Colunistas
Últimos Posts
>>> Pedro e Cora sobre inteligência artificial
>>> Drauzio em busca do tempo perdido
>>> David Soria Parra, co-criador do MCP
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Daniel Ades sobre o fim de uma era (2025)
>>> Vargas Llosa mostra sua biblioteca
>>> El País homenageia Vargas Llosa
>>> William Waack sobre Vargas Llosa
>>> O Agent Development Kit (ADK) do Google
>>> 'Não poderia ser mais estúpido' (Galloway, Scott)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> A maçã de Isaac Newton
>>> O paraíso de Henry Miller
>>> Independente Web Radio 3
>>> O recado de Maradona
>>> Em defesa da normalidade
>>> Guinga e sua Casa de Villa
>>> A teoria do caos
>>> O humor no divã de Freud
>>> Sobre caramujos e Omolu
>>> Eu não uso brincos
Mais Recentes
>>> Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial de Cremilda Medina pela Summus (1988)
>>> Livro Cara Ou Coroa de Alvaro Pereira pela Editora Globo (1993)
>>> Obras Póstumas - Edição Histórica de Allan Kardec pela Feb (2019)
>>> Livro de Bolso A Medalha de São Bento sem Brinde de Dom Próspero Guéranger O. S. B. Abade de Solesmes pela Artpress (2004)
>>> Segredos Do Sucesso Dos Grandes Homens De Negócio de Various pela Nobel (2009)
>>> Livro Sebastiana Quebra O Galho Da Mulher Independente de Vários Autores pela Record (2000)
>>> Redefinindo A Alma Da Empresa de Allan Cox / Julie Liesse pela Nobel (1999)
>>> Livro Viver E Morrer Com Graça Conselhos De Sabedoria de Hadrat Ali pela Hadrat Ali (1997)
>>> O Escritor - Uma História De Amor de Giseti Marques pela O Clarim (2014)
>>> Livro de Bolso Auto da Compadecida Coleção Teatro Moderno Volume 3 de Ariano Suassuna pela Agir (1990)
>>> Shin Hagakure:. Pensamentos De Um Samurai Moderno de Jorge Kishikawa pela Conrad (2006)
>>> Fodor´s: Esqui Usa de Clive Robson pela Fodor´s (1996)
>>> Livro Introdução Ao Pensar de Arcangelo R. Buzzi pela Vozes (2006)
>>> Livro de Bolso Platero Y Yo de Juan Ramon Jimenez pela Alianza (1992)
>>> Ofendidos E Ofensores de Dario Sandri Jr. pela Aliança (2013)
>>> Livro London de Varios Autores pela Dorling Kindersley (1997)
>>> Treinamento Profissional em Delphi: Aprenda a construir sofisticados bancos de dados de Guilherme Somera pela Digerati Books (2007)
>>> Cozinha De Olga Bongiovanni de Olga Bongiovanni pela Melhoramentos (2003)
>>> Livro Til Romance Brasileiro de José De Alencar pela Ateliê Editorial (2012)
>>> Livro La Zapatera Prodigiosa de Federico García Lorca pela Alianza (1982)
>>> Livro A Cidade E As Serras de Eça De Queiros pela Atelie Editorial (2007)
>>> Livro Guia Visual Folha De São Paulo Paris de Varios Autores pela Folha de S. Paulo (2006)
>>> O Testemunho Dos Sábios de Rafael de Figueiredo pela Boa Nova (2014)
>>> Livro O Colapso da Modernidade Brasileira E Uma Proposta Alternativa de Cristovam Buarque pela Paz e Terra (1991)
>>> Repertório De Jurisprudência De Direito Penal E Processo Penal de Maria Angela Granito Copelli pela Premier (2007)
ENSAIOS

Segunda-feira, 3/4/2006
Jean Genet no Brasil
Ruth Escobar
+ de 15600 Acessos
+ 9 Comentário(s)


Jean Genet por Siegfried Woldhek

Jean Genet chegou numa manhã de sol, em junho de 1970. Os jornalistas acotovelavam-se no aeroporto. Ele passou rosnando, bufando, azedo; mal me cumprimentou. Caminhava tão rapidamente que eu me desequilibrava nos meus saltos altos. Trouxe-o para casa. Excitava-me ter em meu convívio o autor de minha grande obra.

Estava grávida de três meses de meu filho Nelsinho, e preparávamos a atriz que me substituiria até o parto. Genet participava com volúpia de todas as fofocas do elenco e tinha sempre saídas estapafúrdias para os problemas. Dentro de casa portava-se ora como o vovô de minhas filhas Rutinha e Inês, ora como uma criança temperamental. Na época, as más línguas espalhavam que ele não gostara do espetáculo, o que não é verdade. O teatro não mobilizava mais Jean Genet. Dizia que o teatro estava morto, recusou-se a ver os integrantes do Living Theatre que foram visitá-lo em casa, nem sequer aceitou receber Julian Beck ou Judith Malina. Sua loucura agora, dizia, era “la politique”.

Conversávamos até de madrugada, ele não se cansava de contar-nos histórias da prisão e suas aventuras no exército francês na Argélia. Nunca me preocupei em averiguar se Genet realmente fizera o serviço militar, mesmo porque suas histórias eram absolutamente irreais, semelhantes a um filme do Gordo e do Magro no exército. Ríamos até a histeria; Genet se deliciava e contava mais. Tinha insônia, só quebrada à custa de soníferos. Às vezes, de madrugada, surpreendia-nos invadindo nosso quarto, enfiando-se em nossa enorme cama D. João V, esfregando as mãos de contente, como quem está aprontando o maior rebu, e dizendo: “Alors, les enfants, on va bavarder! Assez dormir, vous avez l’éternité pour dormir!

O pior não era quebrar o sono, mas o chulé que se espalhava pelos lençóis. Eu reclamava:

– Jean, de novo você não lavou os pés antes de dormir!

Ele ria, adorando: “Mas é bom este cheiro, é do melhor queijo francês, autêntico port-salut”.

Eu saía tonta da cama, apanhava uma toalha embebida em água quente e sabão e, feito Maria, lavava-lhe os pés brancos, alvos qual leite.

Durante os dias em que ficou em casa, os pedidos de autógrafos e entrevistas nos martirizavam, porque ele se recusava a receber qualquer pessoa. Quanto aos autógrafos, ensinou-me a copiar sua assinatura e me estimulava a falsificá-la. Quando eu retorquia que isso era estelionato, ele atacava: “Não seja idiota, a vida é um estelionato”.

Um dia, fomos surpreendidos por um telegrama de Maria do Carmo Sodré, esposa do governador de São Paulo naquela época, que demonstrou interesse em recebê-lo. Jean desandou um rosário de palavrões e insultos contra a ditadura no Brasil, até que o convenci a visitar a esposa do governador para prestar um serviço à Resistência. Expliquei que Maria, vulgarmente conhecida como “a Tia” e costureira de Lamarca, estava presa com a atriz Nilda Maria no presídio Tiradentes. Durante a ação, seus netos haviam sido carregados para uma unidade da Febem, que ninguém sabia qual fosse. Era a oportunidade de encontrá-los através da primeira-dama. Jean cedeu e, durante a audiência, mesmo esforçando-se ao máximo para ser polido e cortês, investiu com tanta veemência contra a selvageria das ditaduras que Maria Sodré no mesmo instante telefonou e colocou a Secretaria de Segurança na pista das crianças. Em quarenta e oito horas eram localizadas em duas unidades da Febem e eu levava a notícia para a avó, no presídio Tiradentes. Maria deu uma carta entregando-me a guarda de seus netos, mas meu desejo e sua vontade não foram atendidos pelo juizado de menores, que alegou minha situação de desquitada. Dali a algumas semanas o seqüestro do embaixador Elbrick retirava setenta presos políticos da cadeira, inclusive Maria e seus netos, que viajaram para a Argélia em troca do refém.

Também levei Genet ao presídio Tiradentes para visitar Nilda Maria, a atriz que interpretava Chantal, a revolucionária. Nunca soube se minhas entradas no presídio Tiradentes se deram graças à desorganização do presídio ou à ignorância da minha identidade, pois nos meus documentos constava Maria Ruth dos Santos. Quanto a Genet, na ficha de visita coloquei-o como tio afastado de Nilda, casado com uma tia que emigrara para a França. O personagem de Genet saltava do palco e encarnava na vida. Ficção e realidade eram uma só história. Finalmente nada havia a inventar. Nilda soluçava nos braços do “tio” Genet, o mito do século, o autor de sua história e de sua personagem. Na semana seguinte eu era proibida de entrar no Tiradentes. Certamente nossa aventura chegara aos escritórios do Doi-Codi.

Antes de Jean ir embora, recebemos a visita de um jovem francês que havia sido seu grande afeto, um corredor de automóveis com quem ele foi se encontrar em Mato Grosso. Jean era reservado sobre sua vida pessoal e nunca nos deu muitos detalhes sobre o jovem corredor, a não ser que havia tido um acidente muito grave e fora seu grande amor.

Jean me inoculou a angústia eterna dos que vivem nas trevas e no limite da vida, a angústia dos delinqüentes por falta de amor. Ele me ensinou a ternura pagã pelos criminosos, pelos marginais, pelos anatematizados. Durante anos tentei entender esse outro mundo levando meus espetáculos por trás das barras, até enfiar-me num projeto de ressocialização e humanismo dentro da Penitenciária do Estado. Quando me faltavam forças pensava em Genet, em sua história de amor e maldição.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela editora Nova Fronteira. Publicado originalmente na apresentação do livro Diário de um ladrão, do dramaturgo francês Jean Genet (1910-1986), relançado agora em 2006.

Para ir além






Ruth Escobar
São Paulo, 3/4/2006
Quem leu este, também leu esse(s):
01. Ponto de ruptura no jornalismo de Charles Cadé


Mais Ruth Escobar
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
4/4/2006
14h45min
Deliciosos, tanto o texto em si como a história narrada por Ruth. Em ambos, a autora ressalta uma figura mitológica e reverenciada, extraindo dela o inédito, camuflado por detrás do gênio. Com isto, ela nos apresenta a um Genet-homem comum - com imensos problemas de relacionamento. E o traz ao nível de pessoas menos aquinhoadas, como a maior parte de nós...! Histórico e coloquial ao mesmo tempo, seu texto prende o leitor pelo ineditismo e pela descontinuidade, pela surpreendente seqüência dos fatos narrados e pela lógica do conjunto. Um primor!
[Leia outros Comentários de Elizabeth Castro]
6/4/2006
05h08min
Segundo o que me contaram, quando Genet esteve no Brasil ele teria dito, algo assim: "Que país estranho! Todo mundo que me apresentam é de esquerda... Mas o governo é de direita!". Talvez hoje fosse exatamente o contrário...
[Leia outros Comentários de Richard]
24/4/2006
16h35min
Delicioso esse texto, flui. Me interessei demais da conta em saber da passagem desse senhor Genet em Mato Grosso... Insuperável, meu dia ficou meio bambo. As passagens desse gênio pelos sertões no meio do Brasil...! Surreal. (Direto de Cuiabá.)
[Leia outros Comentários de André Balbino ]
25/4/2006
19h26min
Primoroso texto, e pimoroso ainda saber que a sra. Ruth Escobar aprendeu algo importante com Sr. Genet. Por isso acredito que a obra de Jean Genet nos faz olhar de uma outra maneira para esses anatematizados. Por isso tambem, estou montando um espetáculo baseado no romance Nossa Senhora das Flores. Parabens 'a senhora Ruth Escobar!
[Leia outros Comentários de Pedro Vieira]
1/5/2006
12h28min
O texto de Ruth Escobar nos mostra o lado humano de um poeta, que, por sua vez, nos mostrou, em seus livros, que pode haver algo de poético no lado marginal da vida. Viva sua literatura marginal!
[Leia outros Comentários de ayron de melo]
14/5/2006
11h58min
Que boas histórias dos negros anos setenta. Vejam a coincidência. Na época que Genet veio a São Paulo, eu morava em Manaus. Pouco tempo depois vim para São Paulo e morei com Nilda Maria, que tinha acabado de sair da prisão, e que estava vivendo com Kito Junqueira, meu grande amigo na época. Resvalei em Genet. Por pouco não o conheci pessoalmente. Alguém sabe por onde anda Nilda Maria? Quero que ela saiba que aprendi muito com ela.
[Leia outros Comentários de Nielson Menão]
28/5/2006
18h01min
O texto faz justiça à figura de Genet: um homem de extremos irreverentes. Em "Diário de um Ladrão", algumas passagens me fizeram chorar, como aquela em que ele diz que contraporia o amor a todo despezo que os homens nutriam por ele. Um filho bastardo de Henry Miller. Um comentário bem antigo de Genet criaria muita polêmica nos dias de hoje. Ele dizia: "O terrorismo é uma resposta ao terrorismo legal e oficial do sistema capitalista." Que um escritor ouse dizer isso hoje em dia! Não há mais ousadia e coragem. Não há mais grandes homens. Temos apenas um bando de intelectuais sofisticados, covardes, condescendentes e pedantes.
[Leia outros Comentários de diego tardivo]
8/11/2006
23h05min
Adorei tanto o texto quanto os comentários, principalmente o que está acima deste meu... Genet é fantástico, queria o ter conhecido também... "Conheci-o" através de um documentário que se passara em algum canal de TV a cabo, e fiquei fascinada por aquele gênio rebelde COM CAUSA. Completamente fascinada. Genet é TUDO.
[Leia outros Comentários de Denise]
19/12/2007
09h44min
Descobri J.Genet por acaso, quando fui ver Querelle no cinema, nos anos 80. Fiquei fascinado, e até pedi o livro de presente de Natal naquele ano. Procurei outras obras, mas só fiquei com esse e "O Diário de um Ladrão", que guardo até hoje. Também assisti a peça "Nossa Sra das Flores", fiquei mais apaixonado pelo autor e nunca consegui esse livro. Ao ler qualquer coisa de Genet, descubro que temos algo em comum, menos o roubar e matar. Amo eternamente esse autor.
[Leia outros Comentários de Ronaldo]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Stella Maia e Outros Poemas
Raquel Naveira
Ucdb
(2001)



Testes Em Educação
Heraldo Marelim Viana
Fename
(1976)



Diamond Baratta Design
Dan Shaw
Bulfinch Press
(2006)



Trabalhadores - Profissões do Brasil
Humberto Medeiros - Patrícia Henriques Mafra
Aon
(2008)



Os Mais Belos Contos de Amor e Esperança
Nathaniel Hawthorne e Outros
Prestígio
(2005)



O Guarani
José De Alencar
Círculo do Livro



Aprendendo a Viver - Imagens
Clarice Lispector
Rocco
(2005)



Spain and Its World 1500-1700
J. H. Elliott
Yale University Press
(1989)



Encontre Seu Anjo
Batista DObaluaye
J.C. Ltda



Uma Abordagem Sistêmica
Nilso Tonioli/ Nelson Machado
Rta





busca | avançada
55164 visitas/dia
2,5 milhões/mês