Monterroso e a microliteratura | Sérgio Augusto

busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Cultura Circular: fundo do British Council investe em festivais sustentáveis e colaboração cultural
>>> Construtores com Coletivo Vertigem
>>> Expo. 'Unindo Vozes Contra a Violência de Gênero' no Conselho Federal da OAB
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Ed Catmull por Jason Calacanis
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> Conduzinho Miss Maggie
>>> Relações de sangue
>>> Unsigned and independent
>>> Pô, Gostei da Sua Saia
>>> Poesia e inspiração
>>> Painel entalhado em pranchas de cedro *VÍDEO*
Mais Recentes
>>> Festa No Céu de Maria Viana pela Maralto (2021)
>>> Física I de Young & Freedman pela Pearson (2003)
>>> As Cruzadas de Orlando Paes Filho pela Planeta (2005)
>>> Livro Formação Online de Educadores: Identdade e Construção de Ana Hessel/ Lucila Pesce/ Sonia Allegretti pela Rg (2009)
>>> Em Busca Do Sucesso de Robert Henry Srour pela Disal (2007)
>>> Cinquenta Tons De Liberdade de E. L. James pela Intrinseca (2011)
>>> English Grammar In Use de Raymond Murphy pela Cambridge University Press (2002)
>>> C++ Xml de Fabio Arciegas pela Makron Books (2002)
>>> Handbook Of Health Economics (volume 1a) (handbooks In Economics, Volume 1a) de A J., Newhouse, J.p. Culyer pela North Holland (2000)
>>> A Integraçao De Pessoas Com Deficiencia de Maria Teresa Egler Mantoan pela Memnon (1997)
>>> Educaco Inclusiva de Alexandre Takara pela Alpharrabio (2003)
>>> Economia de Arruda Alvim pela Atlas (2006)
>>> Livro Bioética e Biodireito: Uma introdução de André Marcelo M. Soares e Walter Esteves piñeiro pela Loyola (2006)
>>> Compreendendo Seu filho de 5 anos de Lesley Holditch pela Imago (1992)
>>> Private Eye Annual 2014 de Ian Hislop pela Private Eye Productions Ltd. (2024)
>>> Exposição de Vik Muniz de Leonel Kaz - Nigge Loddi - Paulo Herknhoff pela Aprazível Edições (2009)
>>> Livro Direito da Saúde de Acordo com a Constituição Federal de Ana Paula Oriola de Raeffray pela Quarter Latin (2005)
>>> Carnes Brancas Coleco A Grande Cozinha Abril Colecoes de Abril Coleções pela Fisicalbook (2007)
>>> Curso De Direito Processual Civil - Volume 3 de Humberto Theodoro Jr. pela Forense (2014)
>>> Livro Dicionário Socioambiental Brasileiro de Luciano Pizzato e Raquel Pizzato pela Tecnodata (2009)
>>> Reuters: Our World Now de Reuters pela Thames & Hudson (2008)
>>> Novo Cpc Anotado e Comparado para Concursos (lei. 13. 256 de 4-2-2016) de Figueiredo Simone Diogo Carvalho pela Saraiva (2016)
>>> Cartas Inéditas de oitenta e cinco escritores portugueses da segunda metade do século xix de Candido de Figueiredo pela H Antunes (2024)
>>> Atingidas de Instituto Pacs pela Rio De Janeiro : Instituto Pacs,
>>> Memória da Guerra dos farrapos de Francisco de Sá Brito pela Companhia Rio Grandense de Artes Gráficas (1950)
ENSAIOS

Segunda-feira, 26/5/2008
Monterroso e a microliteratura
Sérgio Augusto
+ de 6500 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Com a palavra, Carlos Fuentes: "Ele é um dos autores de língua espanhola mais puros, inteligentes, transparentes e sorridentes."

Agora quem fala é Gabriel García Márquez: "Ele foi um grande homem e um grande escritor."

Italo Calvino também o admirava, já que até à Europa, e além dela, a peculiar prosa de Augusto Monterroso estendeu seu condão. Entre nós, como amiúde acontece com escritores latino-americanos, o guatemalteco Monterroso não emplacou. Nem depois que a Record traduziu as fábulas de A Ovelha Negra e os espanhóis lhe conferiram, em 2000, o prestigioso prêmio literário Príncipe de Astúrias, pela "extraordinária riqueza ética e estética" de sua obra. Sua morte, em 2003, na cidade do México, não mereceu de nossas gazetas a deferência a que grandes homens e grandes, puros e inteligentes escritores fazem jus. Talvez porque Miguel Angel Asturias continue sendo o único autor guatemalteco conhecido em nossas redações ― e assim mesmo porque levou o Nobel de Literatura, em 1967.

Vergonhosa ignorância, pois a Guatemala, além de ser um dos países mais bonitos do mundo, tem uma tradição literária respeitável, reconhecida além-mar. Haja vista o prestígio de que a versátil prosa de Luis Cardoza y Aragón e Mario Payeras, para citar dois outros exemplos apenas, desfruta na Espanha, Itália e França. Rigoberta Menchú, Nobel da Paz em 1992, não conta porque sua importância literária é, para dizer o mínimo, bastante discutível.

Tito Monterroso, como era chamado pelos amigos, foi um caso à parte. Ficcionista sui generis, levou para o túmulo feito mais importante que a paternidade do realismo fantástico, atribuída a Astúrias e uma das maiores pragas literárias do século passado. Monterroso é, simplesmente, o autor da obra literária mais curta jamais escrita. O que vale dizer que foi ele quem escreveu o único relato ficcional que qualquer ser humano é capaz de saber de cor e salteado, do começo ao fim. Cabe inteiro numa linha e tem apenas sete palavras, no original e em português. Ei-lo:

"Quando ele acordou, o dinossauro ainda estava lá."

(Na tradução para o inglês, é ainda mais curto: "Upon waking, the dinosaur was still there." Seis palavras.)

Esse fenômeno de brevidade e concisão correu o mundo em múltiplas traduções, despertando abracadabrantes teorias sobre as suas mais recônditas intenções alegóricas ou metafóricas. Adâmicas, inclusive. Seria uma paráfrase do Gênese? Quando perguntado a respeito, Monterroso saía sempre pela tangente: "Não me agrada explicá-lo. Prefiro deixá-lo entregue à imaginação de cada um." Na minha modesta e vulgar imaginação, por exemplo, o que se desenrola, antes e depois de o sujeito despertar e constatar que o dinossauro que o fizera desmaiar de cansaço não desistira de persegui-lo, é uma encarniçada aventura do tipo O Despertar do Mundo e Zaroff, O Caçador de Vidas.

Só fui tomar conhecimento de "O Dinossauro" na década de 80, num suplemento do jornal espanhol El País, e, como todo mundo, me interessei pelos outros ― como chamá-los?, minicontos?, antifábulas? microrrelatos?, contículos?, ficções instantâneas? proesias? haikais em prosa? prosakais? ― produzidos pelo autor. Fui bater em primores como este:

"Hoje me sinto bem, um Balzac; estou terminando esta frase."

Título: "Fecundidade".

Além de cultuar a concisão (adorava citar esta tirada de Baltasar Gracián: "Lo bueno, si breve, dos veces bueno"), Monterroso era, acima de tudo, um tremendo ironista. Sua prosa fragmentada e flexível ― escreveu contos, novelas, fábulas, pequenas reflexões, epigramas, ensaios, biografias e diários ― tangencia a sátira e a paródia. "Se Jonathan Swift e James Thurber tivessem trocado notas, o resultado seria um texto de Monterroso", palpitou Carlos Fuentes, acertando na mosca.

Devoto miniaturista, deu um toque personalíssimo ao legado que lhe deixaram Swift, Montaigne, Cervantes e Jorge Luís Borges, seus mestres confessos, e também Ramón Gomez de la Serra e suas greguerías, Rubén Darío, Julio Cortazar e outros precursores da microliteratura, fina arte pigméia que na Polônia gerou um virtuose, Slawomir Mrozek, e até no Brasil já conquistou fiéis, como Fernando Bonassi (Passaporte) e Heloisa Seixas (Contos Mínimos).

Por acreditar que a função do escritor é "manter vivo e com decoro precisamente o que já foi dito antes", Monterroso conseguiu ser um pós-moderno sem pós-modernices, um dialogador criativo com Homero, Esopo, La Fontaine, Kafka, pensadores da aurora da filosofia, como Epicuro e Zenão, e todos aqueles que um dia puseram uma mosca em sua sopa literária.

Isto mesmo: moscas. O que, segundo Monterroso, abrange um vasto contingente de autores, constatação consignada em Movimiento Perpetuo, oblíqua microantologia universal da mosca, de Cícero a Pablo Neruda, passando por Lope de Vega, Blaise Pascal e Ludwig Wittgenstein, para quem, aliás, "o objetivo da filosofia era ensinar a mosca a escapar do frasco."

Para Monterroso, além delas, só mais dois temas merecem consideração, porque existem desde que o mundo é mundo: o amor e a morte. Que outros se ocupem desses dois, propôs. "Eu me ocupo das moscas, que são melhores que os homens, mas não melhores que as mulheres".

Precedendo este intróito, uma observação sobre a vida, que simultaneamente nos dá conta de seu ecletismo literário: "A vida não é um ensaio, ainda que tratemos de muitas coisas; não é um conto, ainda que inventemos muitas coisas; não é um poema, ainda que sonhemos muitas coisas. O ensaio do conto do poema da vida é um movimento perpétuo; isto é, um movimento perpétuo."

Esse autodidata guatemalteco, que nasceu em Tegucigalpa (Honduras), em 1921, mas lá só viveu até os cinco anos, sonhava com a hipótese de um dia acordar e ver-se transformado, não numa barata, é claro, mas no próprio Kafka, "sem a sua existência miserável". Ou, então, em Joyce ("sem as suas dificuldades para sobreviver com dignidade"), Cervantes ("sem os inconvenientes da pobreza"), Catulo ("sem sua tendência para sofrer por mulheres"), Swift ("sem a ameaça da loucura") e Goethe ("sem o seu triste destino palaciano"). Acabou sendo um Borges esquerdista, sem discurso político nem parti pris ideológico, diga-se.

Se assim o defino é porque Monterroso fugiu de uma das ditaduras de direita mais repugnantes do século passado, justamente aquela (comandada por Jorge Ubico) que deu início, na Guatemala, a um ciclo de tiranetes servis aos interesses da multinacional das bananas, United Fruit, na América Central.

Estabelecido no México desde 1944, não passou um dia dos 58 anos seguintes sem pensar em voltar para a Guatemala. Poderia tê-lo feito no curto período em que o reformista Jacobo Arbens Guzmán tentou dar um jeito no país e no mandonismo da United Fruit, mas ainda bem que demorou a decidir-se, pois os donos das bananas guatemaltecas afinal derrubaram Arbens Guzmán em 1954, inaugurando uma dinastia de ditadores militares e maus governantes. E obrigando Monterroso a manter seu país como um retrato na parede, que muito lhe doía a alma.

Sua obra foi toda produzida no México. Publicada em livro (ou melhor, em opúsculos), uma dezena, não mais. A primeira, El Concierto y el Eclipse, é de 1952. A última, o primeiro tomo de suas memórias, Los Buscadores de Oro, saiu em 1994. Recentemente, organizou com sua mulher, a escritora mexicana Bárbara Jacobs, uma Antologia del Cuento Triste, também para a editora Alfaguara. Ganhou prestígio, muitos prêmios (o Xavier Villaurrutia de 1975, o Juan Rulfo de 1996, o Nacional de Literatura da Guatemala de 1997), condecorações (a Águila Azteca, em 1988) e títulos (Doutor Honoris Causa pela Universidade de San Carlos de Guatemala), mas jamais conseguiu viver só do que escrevia. Para fechar as contas do mês, trabalhou como investigador, editor e deu aulas em universidade.

Com o tempo, Monterroso acostumou-se à idéia de que a sua magnum opus ― ou, pelo menos, a que mais fama lhe deu ― era mesmo a mininum opus do dinossauro. "Não há o que fazer", dizia. "Até porque os dinossauros são duros de roer." Quando ele morreu, o dinossauro ainda estava lá.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no "Caderno 2", d'O Estado de São Paulo, em 15 de fevereiro de 2003.


Sérgio Augusto
Rio de Janeiro, 26/5/2008
Mais Sérgio Augusto
Mais Acessados de Sérgio Augusto
01. Para tudo existe uma palavra - 23/2/2004
02. O melhor presente que a Áustria nos deu - 23/9/2002
03. O frenesi do furo - 22/4/2002
04. Achtung! A luta continua - 15/12/2003
05. Filmes de saiote - 28/6/2004


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
27/5/2008
14h22min
Espantei-me (não muito, é verdade) por saber que Monterroso precisava trabalhar bastante para compor o orçamento. Ah, literatura, ingrata literatura! Publiquei duas ou três fábulas geniais do autor, em meu blog, e não recebi um mísero comentário. Para mim, seria impossível um sujeito ler "O Macaco que Quis ser Escritor Satírico" e permanecer indiferente. Mas acontece, né?
[Leia outros Comentários de James]
28/5/2008
04h28min
Acontece cada coisa, né, James? O Sérgio Augusto não se deteve tanto na paixão que Calvino tinha pela modalidade literária (cuidado aí com as patrulhas do gênero!) cultivada por Monterroso. Tem até universidades (bem diferentes de uma UFRGS) em cujos respectivos "perpétuos" departamentos, exige-se de uma tese doutoral sobre micronarrativas (brevidade), a extensão da "Crítica da Razão Pura"...! Acontece, sim.
[Leia outros Comentários de Marco Antônio]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Celular
Sthephen King
Objetiva
(2007)



Les Loix Civiles Dans Leur Ordre Naturel, Le Droit Public et Legum
M. Domat
Chez Savoye
(1756)



Contabilidade Avançada - Texto e Testes Com as Respostas
José Hernandez Perez Junior
Atlas
(1997)



Grimpow: O eleito dos templários
Rafael Ábalos
Ediouro
(2007)



Crianças e Adoslecentes - Grupos e Amizades
René Fau
Companhia Nacional
(1961)



Pré-Vestibular Poliedro Matemática - Vol. 4 - História - Vol. 4 - Português - Vol. 4 - Geografia - Vol. 4 - Biologia - Vol. 4
Poliedro Sistema de Ensino
Poliedro Sistema de Ensino
(2024)



Como Elaborar a Tabela de Temporalidade Documental - TTD
Rosália Paraíso Matta de Paula
Cenadem
(1995)



Coleção A Garota do Calendário 7 Livros Janeiro + Fevereiro + Março + Junho + Julho
Audrey Carlan
Verus
(2017)



A Literatura Infantil Na Escola
Regina Zilberman
Global
(1998)



Livro Infanto Juvenis Rah, o Mensageiro do Sétimo Raio Coleção Entre Linhas Mistério
Luci Guimarães Watanabe
Atual
(2009)





busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês