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Domingo, 15/1/2006
Blog
Redação
 
Cinema em Atibaia (IV)

O terceiro dia da Mostra Competitiva de Curtas Brasileiros do Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual - a última leva de filmes exibidos antes do encerramento hoje - foi menos impactante e memorável que a do dia anterior, mas manteve bom nível. Se na sexta-feira havia a temática predominante da exclusão, no sábado a seleção privilegiou trabalhos voltados ao humor e ao deboche. Interessante que, dentro de um tipo de cinema razoavelmente complicado de ser bem sucedido (as imposições vão desde o timing para a graça até a reação do público, termômetro mais fundamental do sucesso de algo nessa linha), a mostra contou com os dois extremos - produções muito engraçadas e inteligentes contra outras detestáveis.

A ovação (merecida) da noite foi da animação Bequadro, do mineiro Simon Pedro Brethé. Numa simples brincadeira com notas musicais, o diretor realiza projeto de grande criatividade e, claro, muito, mas muito engraçado. Se já era sensacional até o desfecho, torna-se genial com os "erros de gravação". Promissor saber que Simon Pedro pretende fazer duas "continuações" do vídeo, formando uma trilogia das notas musicais. A ser aguardado ansiosamente.

Por outro lado, os outros dois vídeos ficaram para trás. Curupira, de Fábio Mendonça e Guilherme Ramalho, é pequena bomba de mau gosto, com uma criatura feita em digital (que tem rosto idêntico ao de George W. Bush, acredite se quiser...) e cenas de vísceras animais num projeto teoricamente voltado para crianças. A cena de abertura, apesar de visualmente confusa, até instiga, mas fica apenas nisso. Uma Homenagem a Aluísio Netto, de André Novais Oliveira, tem premissa animadora: brinca com a ficção de que o personagem-título era um cineasta mineiro cujos filmes foram modificados pela ditadura stalinista (!) e nos apresenta duas versões de um curta-metragem do tal Aluísio - um original, outro "revolucionário". Se o primeiro brinca brilhantemente com o melodrama mais exacerbado, o segundo cai num simplismo e previsibilidade que colocam a perder toda a idéia. O vídeo simplesmente perde a graça, já que André Novais não consegue arrancar humor das tais falas stalinistas, como se já estivesse suficientemente satisfeito com a mera idéia inicial. Uma pena.

Nos curtas em 16mm, houve ao menos um equívoco absoluto e outro que é um dos melhores filmes de todo o festival. O equívoco é Macacos me Mordam, de Érico Cassaré, tentativa terrível de brincar com uma "estética Trapalhões" (termo usado pela colega crítica Liciane Mamede, que escreve na Cinequanon) junto a referências ao próprio cinema, em especial a Stanley Kubrick. Heresia total, já que o filme não consegue criar um único momento genuíno de humor, os atores tentam entrar no espírito da proposta, mas apenas se perdem na falta de talento, e a pretensa metalinguagem cai no vazio. Verdadeiro mico - o que é oportuno de ser dito, já que um dos personagens principais é um macaquinho em forma de animação.

Por sua vez, O Homem da Mata, de Antonio de Souza Leão, é mistura sensacional de documentário e ficção, partindo da história do canavieiro José Borba, transformado em super-herói e assumindo a identidade de Jack, o vingador. Essa figura sai pelo nordeste defendendo os trabalhadores rurais das maldades e vilanias, em seqüências antológicas - destaque para a "selvagem" batalha de Borba contra Simião Martiniano, mítico cineasta pernambucano famoso por realizar seus filmes com recursos ínfimos e vendê-los em camelô. O Homem da Mata, como explicitado no final, é uma grande ode à cultura popular e à espontaneidade do fazer cinema - o filme inicialmente seria apenas o registro da vida do canavieiro, mas ele próprio sugeriu que se colocasse "mais ação", e o diretor apostou no feeling do trabalhador. Se deu muito bem.

O Homem da Mata
O Homem da Mata, de Antônio de Souza Leão

Outro destaque em 16mm, Curta-Metragem Metalingüístico de Baixo Orçamento ou Aceita Mais Café, de Byron O'Neall, prima pela proposta criativa de brincar com a metalinguagem num roteiro cheio de bons momentos e com sacadas muito bem colocadas - como o instante em que a enfermeira pede ao público que vote no filme caso ele esteja sendo exibido num festival com júri popular. Já Dalva, de Caroline Leone, Quando Jorge foi à Guerra, de Tadão Miaqui, e o expressionista Noturno, de Daniel Salaroli, apenas pontuaram a noite, com vantagem para este último, exercício rápido e visual com a presença sinistra de um palhaço meio sonâmbulo.

Na mostra de 35mm, que fechou as exibições, Entre Paredes, de Eric Laurence, se mostrou belo filme sobre a crescente angústia de um homem suspeitando de traição por parte da esposa, o que o torna cada vez mais angustiado, enlouquecido e enfurecido. Se por um lado a direção e o encaminhamento da narrativa explicitam os sentimentos de exacerbação e extremismo do protagonista, através da câmera nervosa, dos impressionantes efeitos sonoros e da interpretação de Servílio de Holanda, o filme pode ser questionado por certo virtuosismo na forma de captar imagens e pela estética videocliptíca de "superprodução". Outro que divide opiniões é Início do Fim, de Gustavo Spolidoro: numa única cena, senhor de idade fica parado enquanto tudo à sua volta desaba. Pode ser uma grande metáfora da entrega do homem aos anseios do mundo e à natureza cruel do universo ou simplesmente um curta completamente inócuo e sem razão de existir - com leve tendência para a segunda opção...

Entre Paredes
Entre Paredes, de Eric Laurence

Rap, o Canto da Ceilândia, de Adirley Queiroz, é documentário sobre moradores de Ceilândia (cidade-satélite de Brasília) que, relegados à periferia, se expressam através de um ritmo musical que lhes permite pôr às claras sentimentos de revolta e ressentimento com o preconceito da elite. Historietas Assombradas (para crianças malcriadas), de Victor Hugo Borges, encantou o público, na animação que mistura stop-motion com desenho tradicional e brinca com o imaginário infantil regado a monstros, lendas e medos. Há, aqui, um paralelo meio distante, porém insistentemente presente, com Vinil Verde, de Kleber Mendonça Filho, filme apresentado anteontem e sempre transformado numa sensação por onde é exibido.

Ainda hoje, às 20h, acontece a premiação do Festival de Atibaia. Será a definição de quais filmes, dentre todos os exibidos e já devidamente reconhecidos em outros eventos de cinema ao longo de 2005, serão agraciados como sendo "os melhores dos melhores". Enquanto isso, estará sendo apresentado na Praça da Matriz a ótima comédia Bendito Fruto, de Sérgio Goldenberg, às 21h.

Depois eu volto com os vencedores do festival. Até lá.

Para ir além

Parte I
Parte II
Parte III

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Postado por Marcelo Miranda
15/1/2006 às 11h23

 
Cinema em Atibaia (III)

A seleção de curtas e vídeos exibida ontem no Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual, que acontece na cidade paulista desde quinta-feira e segue até amanhã, foi incrivelmente superior em relação ao dia anterior. Apesar do ainda grande número de trabalhos apresentados (12) e a extensa duração do programa (duas horas e meia de projeção sem interrupções), tudo correu mais solto e mais fluido. Pesou nisso a qualidade de praticamente todos os filmes, uma aparente melhoria no som da sala do Centro de Convenções e a participação empolgada do público local, que já parece se acostumar com o ar de cinema exalado na cidade.

Alguns temas já podem ser delineados na programação da Mostra Competitiva de Curtas Brasileiros. Dois em especial se sobressaem: a morte e a exclusão. Impressiona o quanto estes assuntos estão presentes, em maior ou menor grau, nos filmes até aqui exibidos. Em vários aspectos, seja em forma de comédia, drama, romance, de maneira direta ou metafórica, tudo se conjuga para certo senso comum na relação dos filmes com suas narrativas e enredos, ainda que, naturalmente, através de diferentes linguagens.

Como o Festival de Atibaia tem a proposta de exibir filmes premiados em outras mostras ao longo do ano anterior, essa "coincidência" de temas pode representar um recorte do que júris oficiais e populares vêm mais valorizando no curta-metragem - e, talvez, no cinema em geral, tanto em ficção quanto em documentário.

O Último Raio de Sol
O Último Raio de Sol, de Bruno Torres: morte e vingança

Sem exceção, todos os vídeos de ontem abordavam, sempre através do documentário, pessoas marginalizadas de alguma forma. O mais impressionante deles, o baiano Bitola Cabeça Super 8, de Gabriela Barreto e Vitória Araújo, resgata um grupo de cineastas ousados que enfrentaram o preconceito do formato de película Super-8 (barata e de baixa qualidade) para expressar suas idéias. Aliás, uma fala do lendário Edgar Navarro sobre a censura militar diz muito sobre o assunto como um todo: "não se pode reprimir quem quer se exprimir através da arte". Especificamente no caso do Super-8, a liberdade assumida por esses realizadores é infinita. Onde mais, por exemplo, seriam vistas imagens de tamanha escatologia (como uma explícita defecação em primeiríssimo plano, o que gerou reações curiosas de espanto e perplexidade da platéia no Centro de Convenções)? Há política nisso tudo, no sentido de que Navarro e outros tantos desafiaram as formas tradicionais de produção e linguagem para falar e mostrar literalmente o que quisessem.

A abordagem de excluídos muda de foco para um lado mais sociológico em , do carioca Fábio Lima. Ele aborda fanáticos por determinados músicos largados pela mídia, gente como Jerry Adriani, Wanderley Cardoso e Paulo Sérgio, "abandonados" pelas rádios e TVs e sobrevivendo apenas no fascínio de pessoas humildes que não tem vergonha de assumir seus gostos chamados bregas (um entrevistado afirma que "brega é algo inventado pela classe A, que se diz fã de Maria Bethânia, Caetano Veloso e esses outros aí"). Há no vídeo uma exclusão dupla: a dos fãs e a dos próprios artistas.

Aqui Fora, de Cláudio Nunes e Juliana Penha, fala de pessoas que mantém fortes vínculos familiares ou afetivos com condenados à prisão. É uma rotina de dor e sofrimento para visitá-los, mas a fé na liberdade permanece, como igualmente captado no curta Visita Íntima, de Joana Nin. É o mesmo tema, porém com abordagem distinta: são os dramas e histórias de mulheres que assumiram romances com presidiários e assim vivem por anos - há uma entrevistada cujo marido está preso há mais de 30 anos; outra conheceu o atual namorado quando este estava na cadeia, e assim segue o romance, vendo-o apenas esporadicamente e passando por aquelas tradicionais humilhações de quem se submete ao sistema carcerário brasileiro.

Um dos vídeos que mais mexeram com a platéia de Atibaia foi Mais um Domingo, do pernambucano Daniel Barros. Morador de Olinda, ele gravou imagens da praia de Casa Caiada, espécie de "piscinão de Ramos" da cidade, onde centenas de pessoas de classe baixa vão curtir o sol e a água (ali, nem tão cristalina) do mar. Imagens de simplicidade, mostrando as "tradições" desse povo que não possui tantos outros divertimentos, comovem ao mesmo tempo em que divertem. É o registro de uma cultura local tornada universal, de um mundo tão distante da classe média, mas geograficamente tão próximo de quem passa por esses locais. O próprio realizador disse que a idéia de fazer o vídeo surgiu justamente por ele sempre transitar na região de Casa Caiada e ficar impressionado com aquele montoeiro de gente simples se deleitando na areia e na praia.

Foi Assim, de André Amparo e Ana Cristina Murta, é outro vídeo que mostra diversão popular, mas num viés mais irônico e debochado: sem querer, a dupla gravou o churrasco de três vizinhos em cima de um terraço. Num espaço exíguo, próximo a caixas d'água e pedaços de madeira, o trio conversa, come, ri. Amparo e Murta inserem legendas que "simulam" os diálogos com frases de efeito e forte carga filosófica sobre cinema, arte e o estado do mundo - no fim das contas, Foi Assim (ou Sal Grosso, título "alternativo" do trabalho) fica parecendo uma versão avacalhada e irônica de Da Janela do Meu Quarto, de Cão Guimarães, exibido anteontem no festival. E isso é um baita elogio, sem dúvidas.

Entretecidas, mais poético entre os vídeos, e também o mais curto, é um olhar singelo e delicado para o trabalho de tecelãs. A diretora Elisa Maria Cabral mostra a incrível habilidade dessas trabalhadoras na concepção de pequenas obras de arte, mesclando as imagens a visões de mar e areia, provocando sensações e reflexões sobre o tempo e a memória. Um projeto pequeno e belo.

A morte, o outro tema percebido no Festival de Atibaia, marcou ponto em apenas um único trabalho de ontem na competição - depois de ser a atração principal em vários do dia anterior, como A Hora do Galo, O Último Raio de Sol e mesmo o experimental Barata. Na última noite, Vinil Verde, do recifense Kleber Mendonça Filho, provocou calafrios no público com a história da garotinha proibida de ouvir um disquinho verde que ganhou da mãe, mas desobedece a ordem. Inspirado em conto russo, narrado de maneira genial e com notável uso de efeitos sonoros, o filme é todo contado por fotografias "movimentadas", dando-lhe o estilo de fábula infantil - que, a certa altura, torna-se verdadeiro filme de terror e angústia, permeado por humor negro dos mais cruéis e com direito a decepamentos e ironias.

Vinil Verde
Vinil Verde, de Kleber Mendonça Filho

Também na Mostra de Curtas Franceses, a morte é presença constante. Depressivos, os filmes exibidos até agora abordam o tema sob diversos ângulos, com destaque para Monsieur Etienne, Noli me Tangere (que, apesar de alongado demais, levanta questões de interesse) e L'attraction Terrestre, cujo olhar infantil para a aceitação da perda lhe dá um caráter trágico e triste.

Fugindo desse lado melancólico, outros dois documentários da competição mostraram o universo musical: O Mundo é uma Cabeça, de Cláudio Barros e Bidu Queiroz, sobre o movimento mangue beat do nordeste; e Viva Volta, de Heloísa Passos, que resgata o talento esquecido do trombonista Raul de Souza. Ambos têm seus pontos de valor, mas tropeçam no esquematismo puro e simples de um assunto fartamente abordado, no caso do primeiro; e na pouca crença da realizadora em seu personagem principal, no segundo - impressão vinda, ironicamente, de um trabalho de louvação à arte do trombonista. Porém, incomoda o momento em que vemos Maria Bethânia e Raul de Souza improvisando num estúdio: a câmera fechada em Bethânia lentamente vai se afastando do rosto dela e revela a presença de Souza, no canto esquerdo da tela; quando ele começa a tocar, a câmera não se fixa nele como fizera antes com a cantora, mas mantém ambos no quadro, parecendo tão ou mais preocupada com a reação de Bethânia do que com o talento enorme do músico. Há, enfim, um deslumbramento razoavelmente incômodo com a presença da baiana no filme. Porém, o talento de Souza consegue vencer essa impressão.

Juro que Vi o Boto
Juro que Vi o Boto, de Humberto Avelar

Os filmes de menor destaque na noite foram a animação Juro que Vi o Boto, de Humberto Avelar, que "quebrou" a seqüência de trabalhos tristes exibidos até então, mas não pareceu tão marcante, apesar da técnica de desenho tradicional altíssima qualidadade; e o drama romântico-erótico Intimidade, de Camila Gonzatto, bonito conto sobre casal em crise, mas não tão intenso para pegar a platéia de jeito e prejudicado pela exibição por último (provavelmente devido a uma cena se sexo bastante natural - e que provocou a saída da sala de uma mãe acompanhada de dois filhos pequenos).

As 450 pessoas que lotaram o Centro de Convenções permaneceram até o fim, com poucas desistências. É outro termômetro da boa safra de ontem. A torcida agora é que o último dia da mostra competitiva de curtas (que inclui hoje mais 13 trabalhos em vídeo, 35mm e 16mm), a se iniciar às 20h, mantenha o nível elevado. Alguns prometem, como Noturno, de Daniel Salaroli, Historietas Assombradas (para crianças malcriadas), de Victor Hugo Borges, e Curta-Metragem Metalingüístico de Baixo Orçamento ou Aceita Mais Café, de Byron O'Neall. Há, por fim, o surpreendente Durval Discos, longa de Anna Muylaert, às 21h, na Praça da Matriz (e erroneamente indicado aqui para a sexta-feira).

Para ir além

Parte I
Parte II

[1 Comentário(s)]

Postado por Marcelo Miranda
14/1/2006 às 11h04

 
Cinema em Atibaia (II)

O Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual começou pra valer na quinta-feira, com a primeira leva de curtas-metragens e vídeos da mostra competitiva e as várias atividades e exibições paralelas da programação. Logo no início da tarde veio a porção "internacional" do festival com a Mostra de Curtas Franceses - dentro da parceria da organização com evento semelhante da cidade de Contis. Dos cinco trabalhos exibidos, nenhum era realmente memorável. Sente-se, pela pequena amostragem, que o estilo de filmar dos curta-metragistas franceses é bastante sereno, calmo, quase parando, talvez numa influência meio distante da Nouvelle Vague dos anos 60 - a diferença está na ideologia de Godard e cia., contra a falta de parâmetros do mundo globalizado de hoje. Tudo isso reflete nos filmes. Destaque foi para Monsieur Etienne, delicada reflexão sobre velhice e morte; e Undo, que se utiliza de imagens documentais para contar de trás para a frente (literalmente) a história da criação do mundo.

Já no final do dia veio o começo da Mostra Competitiva de Curtas Brasileiros, com dois programas: um dedicado a vídeos, outro a fitas 35mm. Aqui, houve um equívoco de cálculo da organização do festival: ambos os programas estão juntos, sem qualquer tipo de intervalo. Só ontem foram apresentados 13 trabalhos, totalizando quase três horas ininterruptas de projeção. Para os próximos três dias de festival, o esquema é o mesmo, segundo dados da programação. Isso pode matar as exibições, já que o público médio se dispersa ou simplesmente se desinteressa com jornadas cansativas (e às vezes maçantes) de seguir filme a filme sem absorvê-los como deveriam. Foi o que se sentiu: no começo, sala lotada, com 450 pessoas; mais ao fim, a debandada aumentava a cada nova produção exibida. Até mesmo a proposta de formação de público se compromete, pois o espectador sem costume de freqüentar salas de cinema pode ter a impressão de que aquele "cerimonial" é demorado e confuso demais.

De qualquer forma, o que mais importava na noite eram os filmes. Como em qualquer seleção, houve altos e baixos. Nos documentários, predominaram temas sociais sobre a vida na pobreza e miséria (Rotas Recriadas, Sobrevivências), a cultura de uma terra (Tropeiros) e o resgate de um cancioneiro popular (A Música Armorial). O mais experimental deles era Da Janela do Meu Quarto, do mineiro Cao Guimarães, que registra de forma instigante uma briga de rua entre duas crianças.

Da Janela do Meu Quarto
Da Janela do Meu Quarto, de Cao Guimarães

Nas ficções, algumas boas surpresas, como De 10 a 14 Anos, de Márcio Schoenardie, o mais aplaudido da noite. É a história de um garoto às vésperas de completar 15 anos e que vive os anseios típicos da adolescência - as dúvidas sobre crescer ou se manter preso à infância, os encontros e desencontros amorosos, e por aí afora. O filme é muito parecido com o estilo de Jorge Furtado, desde as "intervenções" narrativas aos temas abordados - e não soa despropositado que o curta venha justamente de Porto Alegre, terra de Furtado. Eu te Darei o Céu, de Afonso Poyart, foi o único que ganhou assovios do público, apesar de aplausos pouco acalorados. Merecia recepção até melhor: apesar de muito picotado pela montagem pretensamente frenética, o drama da senhora de 39 anos que contrata garoto de programa com quem passa o aniversário é muito interessante, variando entre a comédia erótica rasgada à angústia da protagonista de se ver à beira dos 40 anos.

Mas o filme que mais teve retorno dos espectadores (e provavelmente um dos melhores da noite) foi A Hora do Galo, de Marcos França. Outra reflexão sobre a velhice, mostrando idosa que acorda sabendo ser aquele o dia de sua morte. Nas suas últimas horas, ela decide acertar as contas com as únicas pessoas conhecidas ainda vivas. Tem ótimo uso do humor negro, junto a pequenos instantes mais reflexivos a respeito do perdão.

Outro que tocou fundo foi O Último Raio de Sol, de Bruno Torres. Apesar da lição moralista(no mau sentido), é um filme muito bem realizado e narrado, com interpretação marcante de José Dumont e um clima de thriller urbano que demonstra o quanto o jovem cineasta é promissor.

Atibaia já está movimentadíssima por conta do festival. Além das mostras de curtas e vídeos, há exibições diárias de longas na Praça da Matriz, ao ar livre e que reúne 250 pessoas, eventos de circo e dança e intervenções de artistas plásticos espalhadas pelas ruas. É sempre muito bom ver esse tipo de evento tomar forma e vida em locais inesperados, como aqui - lembrei-me da histórica Tiradentes e sua já tradicional mostra anual de cinema (que, aliás, divulgou a programação deste ano no seu site oficial ). Se a prefeitura de Atibaia seguir firme no festival, ajustando os pequenos problemas e ampliando seu alcance, o município só tem a ganhar. E o público de cinema, mais ainda.

Para ir além

Parte I

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Postado por Marcelo Miranda
13/1/2006 às 10h36

 
O Jornal Literário do Brasa

Eis o novo site do Rascunho (porque o Rogério nos mandou...).

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Postado por Julio Daio Borges
13/1/2006 às 10h33

 
Cinema em Atibaia (I)

A pequena Atibaia (120 mil habitantes, 53 km de São Paulo) se tornou ontem a cidade que abre o calendário oficial de festivais de cinema no Brasil. Começou a primeira edição do Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual, que toma o município até o próximo domingo, dia 15. Na tentativa de se diferenciar de tantos outros eventos semelhantes espalhados no país, a proposta é exibir o que de melhor se fez no formato curta-metragem ao longo de 2005 - sendo, na definição dos organizadores, um "festival dos festivais", dando espaço a realizadores que saíram premiados das principais mostras nacionais.

Há filmes que foram laureados nos festivais de Brasília, Recife, Rio e São Paulo, no Anima Mundi, no É Tudo Verdade e em outros mais. São quase 40 curtas em formato 35mm, 16mm e vídeo, a serem apresentados no Centro de Convenções. A programação inclui ainda alguns longas-metragens (sendo Cafundó, de Paulo Betti e Clóvis Bueno, o único inédito) e uma mostra paralela de curtas franceses, graças a uma parceria com o Festival de Contis - o que permitiu a prefeitura de Atibaia, promotora do evento, de trazer diversos filmes do país europeu e viabilizar o envio dos trabalhos brasileiros para serem exibidos por lá.

A abertura do festival, na noite de quarta-feira, foi naquele tradicional esquema: palco, mestre de cerimônias, políticos e autoridades falando e anfiteatro lotado de gente que depois nem deve aparecer mais pra conferir os filmes de fato ao longo dos próximos dias. Um barulhento curto-circuito causou susto na platéia logo no começo, quase iniciando uma debandada porta afora.

A homenageada da noite foi a cineasta Tizuka Yamazaki, que viveu em Atibaia dos dois anos de idade até a adolescência. No palco, ela falou sobre a família, a infância na cidade e a descoberta da magia do cinema ao assistir em tela grande O Pagador de Promessas, grande clássico de Anselmo Duarte lançado em 1962. Tizuka começou a dirigir longas em 1980, com o delicado Gaijin - Caminhos da Liberdade, inspirado em acontecimentos reais sobre a imigração japonesa para o Brasil no começo do século XX. Seguiu na linha autoral com Parahyba Mulher Macho e Patriamada. Depois de passagens pela TV, entregou-se ao mercado ao dirigir Xuxa e Sérgio Mallandro em Lua de Cristal, depois Renato Aragão em O Noviço Rebelde e novamente a "rainha" em Xuxa Requebra e Popstar. Quem disse que cineasta não pode tentar sobreviver a qualquer custo?

Tizuka voltou ao cinema pessoal no ano passado, na superprodução de R$ 10 milhões Gaijin - Ama-me como Sou, espécie de ampliação de seu primeiro filme. Saiu premiadíssima do Festival de Gramado, provocando críticas duras da imprensa contra o júri, por reconhecer um projeto de grande porte e qualidade artística questionável, em detrimento de Carreiras, experimento de Domingos Oliveira que causou frisson no mesmo evento e custou meros R$ 35 mil. O segundo Gaijin teve exibição de gala em Atibaia.

O festival da cidade paulista segue hoje com a primeira sessão competitiva de curtas-metragens. Nos destaques, Da Janela do Meu Quarto, do documentarista Cão Guimarães, Eu Te Darei o Céu, de Afonso Poyart, e O Último Raio de Sol, de Bruno Torres. Tudo com entrada franca. Informações e outros detalhes podem ser checados no site oficial.

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Postado por Marcelo Miranda
12/1/2006 às 11h36

 
Evocação do Recife

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois -
Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância

A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado e partia as
[vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na ponta
[do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras,
[mexericos, namoros, risadas

A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:

Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:

Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)

De repente
nos longos da noite
um sino

Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capibaribe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha

Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento

Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho
[sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos
[em jangadas de bananeiras

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos
[meus cabelos
Capiberibe
- Capibaribe

Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era
[cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada

A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam

Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade

Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô.

Manuel Bandeira, no Rio, em 1925 (porque eu li ontem Libertinagem & Estrela da manhã, na nova edição...)

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Postado por Julio Daio Borges
12/1/2006 às 09h17

 
Breve diário do desencanto

O que eu quero não é um notebook, entenda, é uma vida que justifique ter um notebook.

* * *

Nesse exato momento, eu quero um chá gelado, unhas mais grossas e coragem, muita coragem. Amanhã, talvez, eu queira dinheiro para pagar a conta da conexão banda larga e as guias para uns exames, mas agora eu quero mesmo é um vestido que mostre meus peitos e uma meia que não desfie. Quero dias mais longos e um namorado secreto, uma chapinha perpétua e um nariz novo. Cílios postiços? Não é má idéia. E, já que falamos nisso, uma pintinha bem aqui. Quero mais cultura geral, para poder discorrer sobre o pai de Alexandre, o Grande, e sobre os afluentes do rio Amazonas. Quero uma aula instantânea de postura, saber andar com um livro equilibrado na cabeça. Quero andar com um revisor sempre de prontidão, como a Madonna andava com aquela maquiadora. Quero dormir mais cedo, acordar mais tarde, comer mais carboidratos e mais brigadeiro. Quero som, luz e fúria, e morar num prédio com manobrista. Quero ter mais ilusões, muitas, muitas, quero acreditar em tudo, cair em mim e luxar a alma.

* * *

Tenho certeza que já passei da idade de ter amigos sinceros.

Trechos de um conto de Fal Vitiello de Azevedo, porque ela é a melhor surpresa da coletânea Blog de Papel (e porque o Inagaki me mandou...)

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Postado por Julio Daio Borges
11/1/2006 às 08h58

 
Minhas Férias

Porque, há algum tempo, eu não atualizava o meu Flickr (e porque O Conselheiro também fotografa, nas "férias"...)

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Postado por Julio Daio Borges
10/1/2006 às 09h22

 
Para além do jornalismo

Dia desses, um amigo, que é professor de jornalismo, mandou um e-mail para uma lista de colegas (eu incluso) em que fazia loas e vivas a uma reportagem da Folha de S.Paulo, assinada pelo repórter Sérgio Dávila. Segundo este amigo, o texto da Folha era uma resistência do chamado jornalismo investigativo, pois trazia um completo relato feito no battlefield, e não um trabalho meramente burocrático, feito da própria redação, como a maior parte dos jornalistas faz hoje. Não sou de responder essas mensagens, assim, gerais, mas repliquei ao meu colega dizendo que, apesar da qualidade daquele texto em questão (e Sérgio Dávila é um jornalista que não precisa de apresentações), o que jornalismo brasileiro pratica em termos de reportagem é pífio, salvo as raras exceções de sempre.

Exagero? Ora, o leitor que quiser colocar isso à prova basta apreciar (esta é a palavra) o brilhante texto do jornalista norte-americano Isidor Feinstein Stone no livro O julgamento de Sócrates, reeditado agora pela Companhia das Letras a propósito do selo Companhia de Bolso. Como o título tão bem sugere, trata-se de uma reportagem investigativa acerca do julgamento do filósofo grego Sócrates. Isso mesmo. Esqueça a cobertura arroz-com-feijão das CPIs, do cotidiano do Congresso e de toda essa politicagem miúda que se faz no Brasil. O que I.F. Stone produz é um estudo que levou anos para ser finalizado. Para tanto, o autor utilizou toda sua experiência como jornalista independente (sua newsletter era lida por nomes como Albert Einstein e Eleanor Roosevelt) para trazer a compreensão dos eventos daquela época.

Na apresentação inicial, I.F. Stone assume as dificuldades de trazer um relato acerca do julgamento de Sócrates. De um lado, porque, ao contrário de outros eventos, esse não pôde ser noticiado ali, no calor da hora. Logo, era necessário recorrer às fontes secundárias para trazer o relato. Por outro lado, o autor explica porque esse mesmo relato necessita ser desconstruído (arre, Derrida!) a fim de encontrar o "Sócrates histórico". A esses dois elementos, é necessário trazer um outro à baila: I.F. Stone mergulhou num universo para além da relação culpado/inocente, pois, como se não bastasse, o assunto é Filosofia.

O jornalista assim remonta inicialmente o cenário daquele período, mais precisamente a perspectiva de Sócrates a respeito das divergências básicas entre o que significava a polis. Seria a cidade livre, como queriam os gregos, ou um rebanho, como pensava Sócrates? Como diz o chavão, este era apenas a ponta do iceberg. Num olhar mais atento, observa-se que Sócrates possuía até mesmo um ideal de vida que divergia daquele pensado para os gregos. Para o filósofo, o ideal era a não-participação na vida pública, o que para os gregos era inviável, para dizer o mínimo, porque todos precisam ter uma função. Stone analisa os argumentos de cada uma das partes e mostra como Sócrates estava mais dissidente do que se imagina.

Em determinados momentos, tanto pelos termos empregados - conseqüência do tema - como pela natureza absoluta e abstrata da discussão, o leitor tem a sensação de que acompanha não uma reportagem, mas um tratado que se encerra em si mesmo. Contudo, observa-se que I.F. Stone não foge às regras do jornalismo de resultados, se assim é possível chamar, e parte para uma conclusão original de sua investigação. Aqui, novamente chama a atenção a referência a estudos e a variadas interpretações - sendo que a de "caça às bruxas em Atenas" é uma das mais curiosas.

Pode-se argumentar, com razão, que o jornalismo vive uma de suas piores crises e que não há, por parte das empresas de comunicação, investimento adequado na realização de trabalhos jornalísticos em profundidade. Entretanto, não custa lembrar que a pesquisa de I.F. Stone não demandou recursos financeiros por parte de grandes empresas - até porque, como assinala Sérgio Augusto no prefácio, ele não era cortejado pelo status quo - mas, isso sim, talento, leitura e uma dedicação de abnegado. É por isso que o leitor vai desconfiar. Está além do nosso jornalismo.

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Postado por Fabio Silvestre Cardoso
9/1/2006 às 17h55

 
120 Horas (&LEM) hoje e amanhã

120 Horas e LEM, hoje, na capa do "Caderno2" do Estadão (porque amanhã tem lançamento e debate, com o Fabio e a Vera, na Cultura do Villa-Lobos...)

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Postado por Julio Daio Borges
9/1/2006 às 09h37

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