O Próximo Minuto, por Robson Pinheiro | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

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Segunda-feira, 4/2/2013
O Próximo Minuto, por Robson Pinheiro
Ricardo de Mattos
+ de 11100 Acessos


Robson Pinheiro in pesquisandooespiritismo.blogspot.com

"A ficção que não se resigna a apaziguar o leitor, mas inquietá-lo, que se nega a enganá-lo e busca, ao contrário, dizer as verdades mais dolorosas, essa ficção está desaparecendo porque já não interessa à grande massa dos leitores, cuja consciência foi sequestrada pelo conformismo e pela frivolidade" (Juan Gabriel Vásquez).

Nossa coluna de janeiro passado foi, na verdade, a última de 2012. Não fossem os Iluminatti, haveria sido publicada em dezembro e mantida a sincronia. Desta forma, rogando a proteção de Deus, iniciamos em fevereiro nosso trabalho de 2013 perante o Digestivo Cultural. Observando os dois anos anteriores, reparamos que acabamos por iniciar esse trabalho compartilhando com o leitor alguma obra ou de cunho espiritual, ou que pudesse convidá-lo a reflexões a partir do tema. Este ano queremos inaugurá-lo apresentando uma obra espírita. Não por ser espírita, mas pelas reflexões que pode instigar a quem - independentemente da crença que esposar ou deixar de esposar - se propuser a conhecê-la. Trata-se do romance O Próximo Minuto, ditado pelo espírito Ângelo Inácio ao médium Robson Pinheiro.

Também constou de nossa última coluna a atenção que damos ao trabalho de três médiuns da atualidade: Carlos Baccelli, Agnaldo Paviani e Robson Pinheiro. Os três são responsáveis pela transmissão de obras que podem livrar o Espiritismo da capa de conto de fadas pretensioso com que vem sendo coberto, na atualidade, por alguns que se dizem adeptos. Através desses médiuns, o Espiritismo volta a ser apresentado de forma mais robusta e encorpada, com perdão do trocadilho. As obras agradam o leitor apresentando-lhe mais do mesmo - e por isso são criticadas no meio -, mas forçam-no tanto a pensar quanto a rever o próprio entendimento e tornar à fonte, ou seja, à Codificação Kardequiana, de forma a verificar se o que compreendeu está veramente em consonância com aquilo que está escrito. Com uma mão oferece o copo d'água; com a outra, indica a fonte. De nossa parte, estamos de tal modo satisfeitos que lamentamos mais a má divulgação que ataques externos.

Dos três médiuns, Robson Pinheiro é o mais polêmico. Parece providenciar para que a atenção dos leitores restrinja-se aos livros que intermedeia, livrando-se de uma aura de santidade que não quer. Conhecemo-lo pessoalmente em 2010 na cidade de Campos do Jordão quando, ao lado da companheira de nossos dias, frequentamos um seminário de duas tardes. Ao fim, autografou nosso exemplar de Medicina da Alma - Saúde e Medicina na Visão Espírita. Suas declarações e até sua aparente iconoclastia estão longe de agradar a gregos e troianos. Pinheiro fundou e dirige a Sociedade Espírita Everilda Batista, organização sem fins lucrativos de promoção humana ligada à Universidade do Espírito de Minas Gerais. Como de costume, seus direitos autorais são gratuitamente cedidos para que os trabalhos da Sociedade tenham andamento. Os livros mais recentes costumam ter tiragem inicial de dez a quinze mil exemplares. Profissionalmente, é terapeuta holístico.

As obras advindas pela sua mediunidade são abrangentes quanto à temática. Com Tambores de Angola e Aruanda, propõe-se a "união sem fusão" e a "distinção sem divisão" entre o Espiritismo e religiões com as quais compartilha a aceitação da mediunidade e da reencarnação, notadamente a Umbanda. Tais livros buscam apresentar, inclusive, quem são os pretos-velhos e caboclos, figuras a que os espíritas torciam - e ainda torcem - o nariz, reputando-as como oriundas do "baixo espiritismo". Baixo espiritismo, para nós, pratica quem volta as costas para Cristo e para Kardec, impondo suas próprias e medíocres regras ou obedecendo cegamente àquelas que lhe são impostas.

Ligadas estreitamente às obras acima, podemos citar Sabedoria de Preto Velho, Pai João - Libertação do Cativeiro da Alma e Negro, todos ditados pelo espírito que se apresenta como Pai João de Aruanda. São livros de mensagens adequados mais à reflexão pausada que à leitura corrida. Dirigem-se ao leitor de forma terna; simples, mas não simplista. Dos três, não temos apenas a última. Fazendo jus ao título, foi impressa em letras brancas sobre papel preto. Esta inovação não foi acompanhada pela nossa miopia.

Embora médium desde a infância, conforme relatado em Os Espíritos em Minha Vida, Pinheiro chegou a estudar para ser pastor evangélico. Os conhecimentos adquiridos garantem um invejável manejo dos textos bíblicos, bem como sua releitura pela ótica espírita. Excertos bíblicos em geral, ou evangélicos em especial, são epígrafes de capítulos ou objetos de comentários de variada extensão. Dois livros são estudos específicos, ditados pelo espírito Estêvão: o escatológico Apocalipse - Uma Interpretação Espírita das Profecias e Mulheres do Evangelho.

Para envolvermo-nos com o Espiritismo da forma que julgamos adequada, frequentamos dois centros espíritas, um terreiro de Umbanda e cursamos a faculdade de Psicologia. Antes tudo isto pudesse estar centralizado, mas as mentalidades conspiram contra. Desde sua origem no século XIX o Espiritismo defende seu aspecto científico, e desde então são trazidas à luz obras tentando conciliar Ciência e Religião. Tal movimento encontra-se particularmente ativo neste começo de milênio, com autores de ambos os lados da matéria empenhando-se na conciliação, mormente na específica relação entre saúde e espiritualidade. Somos já adeptos da corrente segundo a qual a doença nasce no espírito, atinge o psiquismo e expressa-se no corpo físico. Si do lado de cá podemos citar o já comentado neurocientista canadense Mario Beauregard, os médicos norte-americanos Harold Koenig e Gary Schwartz, o psiquiatra Alexander Moreia-Almeida e o geriatra Giancarlo Lucchetti - os dois últimos brasileiros -, do lado de lá podemos contar com o espírito Joseph Gleber. São assinados por ele os livros Além da Matéria, o já mencionado Medicina da Alma e Energia, este em parceria com André Luiz, o conhecido autor de Nosso Lar.

E quanto ao livro apresentado nesta coluna? É o último lançamento e, no conjunto da obra, aquele destinado a apresentar uma visão espírita da questão sexual. Quem se interessar não só por questões que envolvem a sexualidade humana, mas também pelo parecer das religiões e doutrinas a respeito, poderá conferir a posição espírita com maior segurança não apenas em Vida e Sexo e Sexo e Destino, ditados a Chico Xavier respectivamente por Emmanuel e André Luiz, como também n'O Próximo Minuto, ditado por Ângelo Inácio a Robson Pinheiro. Tais obras, a nosso ver, representam uma sequência. Todavia, talvez seja melhor recebida pelo público em geral que pelo especializado.

A partir de observações empíricas, fica-nos a impressão de que "O Espírita" ideal é visto, pelo lado de dentro e pelo lado de fora, como aquele que não bebe, não fuma, não usa droga, não fala, não ouve, não enxerga, é vegetariano... Como se "O Espírita" não reencarnasse da mesma forma que os demais indivíduos, ou seja, mediante cópula, fertilização, gestação e parto. Lamentamos observar, também, que ingerir bebidas alcoólicas, fumar ou drogar-se não são práticas afastadas para promoção da própria saúde, mas nisto enxergamos a prevalência do medo: medo de ser "falado" e medo de ser obsedado. Nunca utilizamos drogas e já conseguimos parar de fumar, mas ainda temos o gosto pelo chope escuro e pelo vinho. O vinho, aliás, esteve presente no início e no encerramento da vida pública de Jesus, e não nos pretendemos melhor do que ele. Ainda não deixamos a carne, mas a troca de belo bife ou de um bom sushi pelo frugalismo de Martina e Philippa antes de Babette não nos atrai. Não falar, não ouvir e não enxergar, ultimamente, aproxima-se mais da omissão e da covardia que da caridade. E por não compreender, por rejeitar antes de aceitar o que é natural, é por sua irresolução sexual que muitos espíritas "caem do céu" e redescobrem sua humanidade.

Observamos que a questão homoafetiva, em especial, vem ganhando cada vez mais espaço não apenas na mídia mas também na vida cotidiana. Difícil o dia que voltamos para casa sem vermos dois homens ou duas mulheres demonstrando relacionamento mais estreito. N'O Próximo Minuto a homossexualidade é o ponto de partida para apresentação da problemática sexual na vida dos personagens e então chegar-se ao doutrinário. Entretanto, percebemos que a discussão dos casos particulares é passível de generalização. Não é necessário ser homossexual para reprimir-se e ser por outros reprimido, sentir-se sexual e afetivamente rejeitado, ser inseguro em relação ao próprio corpo e à aceitação dele pelo outro, etc. Confessamos que certas passagens explícitas surpreenderam-nos, visto diversas de nossa própria orientação. Contudo estamos no mundo e, si nele quisermos viver, si nos propusemos a lidar com o público, acreditamos que a seletividade ou a reserva não sejam os melhores instrumentos.

Gostaríamos de salientar outro ponto. Nos romances espíritas em geral, prevalece um esquema de pouca variação: crise, desencarne, perturbação, conhecimento das vidas passadas, determinação pela mudança, reencarne. A repetição e o fornecimento de respostas prontas manteve nossa predileção pela "literatura encarnada", a partir da qual tudo pode ser repensado e refletido conforme nova ótica. No último livro entregue através de Pinheiro, além deste esquema, outros recursos foram utilizados no desenlace da história de cada personagem, sugerindo que mudanças efetivas podem ser feitas na encarnação atual, dês que se tenha coragem suficiente.

***

Encerramos esta coluna e cadastramo-la para publicação no final da tarde de sábado, dia 26 de janeiro. À noite, comparecemos ao Centro Espírita que coadministramos para assistir uma palestra comemorativa de seu aniversário. Entre os livros expostos à venda, encontramos um dos últimos lançamentos de Carlos Baccelli, Mediunidade e Sexualidade, ditado por Odilon Fernandes. Até então desconhecíamos esta obra, cuja leitura complementa ou mesmo emparelha-se ao livro de Pinheiro. Não há coincidência.

Nota: As imagens apresentadas na presente coluna são todas de quadros da pintora inglesa Vanessa Bell, irmã da escritora Virgínia Woolf. Não nos preocupamos em relacioná-las com o texto.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 4/2/2013

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