Sobre um tratado chinês de pintura | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

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COLUNAS

Segunda-feira, 24/1/2011
Sobre um tratado chinês de pintura
Ricardo de Mattos
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"Foi humilhante ver como nossos colegas chineses sabiam tudo sobre Kant e Proust, sugerindo paralelos entre Lao Tsé e Nietzsche, enquanto a maioria dos europeus mal conseguia ir além de Confúcio." (Umberto Eco).

Há pouco mais de um ano, resolvemos passar isolados em Campos do Jordão a última semana de 2009. Carregamos o carro e subimos a serra com o espírito desprevenido, pensando apenas nas então recentes e substanciais alterações de nossa vida. Chegando ao destino, paramos na primeira padaria e abastecemo-nos do suficiente para o lanche da tarde e para o café da manhã seguinte. Pela noite soubemos, por um telefonema de casa, que nossa chegada fora notada e informada ao nosso pai por um senhor seu conhecido e cujo rosto não temos noção de como seja. Tal fato seria esquecido si, no último dia nove, o mesmo sujeito não tivesse feito a mesma coisa ao ver-nos passeando com a namorada na mesma cidade, quando buscávamos alívio para o calor. O dito popular é certeiro: "vou cuidar da minha saúde, pois da minha vida já tem quem cuide".

Restou destes eventos uma surpresa incômoda. Focados em nossas atividades ― primeiro a semana de descanso, depois a tarde de afetos ― desligamo-nos do mundo e esquecemos que outras pessoas também dão continuidade aos seus afazeres, ainda que tão chulos e desprezíveis como o controle da vida alheia. Em maior escala, isto o que pode ter acontecido com os colegas do autor d'O nome da rosa. Passaram a vida entretidos em suas paróquias acadêmicas, discutindo o que lhes é lícito discutir e devem ter esquecido que seus objetos de estudos e de infindáveis divagações também poderiam ser alvo do interesse de pessoas viventes em outro canto do planeta e dotadas de formação cultural e espiritual diversa. Decorre também a humilhação sentida: caso tenham viajado dispostos a apresentar e ensinar sobre seus escritores e filósofos aos acadêmicos chineses, voltaram de cabeça baixa, após descobrir que estes mesmos escritores e filósofos foram analisados sob um enfoque que não souberam acompanhar.

O sucedido encontra evento análogo no século XVII, quando Louis XIV "ofereceu sua amizade aos reis da Conchinchina, Tonquim e China", conforme relata Peter Burke no livro A fabricação do rei. O inglês acrescenta ser desconhecida "a impressão que o rei causou no imperador. Pelos padrões chineses, o soberano de 20 milhões de pessoas (Louis XIV) não devia parecer muito mais que um principezinho". Quando os vícios não cedem, a História repete-se.

Por isso, homenageemos as exceções. No ano passado chegou ao Brasil a tradução d'Anotações sobre pintura do monge Abóbora-amarga (Unicamp, 2010, 280 págs.), tido como o principal tratado chinês sobre esta arte. Fosse obra oferecida a seco, sua digestão seria inviável. Livram-nos disso os esclarecimentos do belga Pierre Rickmans (1935), premiado ensaísta, historiador, professor universitário, ficcionista e tradutor de obras chinesas. Seus comentários denunciam uma profunda imersão na cultura chinesa, um seguro conhecimento de suas bases.

"Abóbora-amarga" é um dos diversos pseudônimos de Shitao, monge pródigo neste aspecto, colecionador de cerca de outros trinta para assinar suas obras. Rickmans segue-lho exemplo, utilizando o cognome Simon Leys na autoria de seus romances entre os quais A morte de Napoleão, cujo filme nele baseado foi lançado no Brasil com o título A roupa nova do imperador. Mesmo "Shitao" não passa de um dos nomes monásticos de Zhu Ruoji (1642-1707). Aparentado com os membros da dinastia imperial Ming, foi escondido ainda criança num mosteiro por ocasião de tomada de poder pela dinastia Qing. No correr de sua existência e no exercício do autoconhecimento, concluiu que a Arte falava mais alto que a ordenação em seu íntimo. Apesar de apresentar-se como monge, deixou a vida recolhida para viver de seu trabalho. São dele todos os quadros desta coluna.

O leitor não encontrará na obra de Shitao simples conselhos a respeito de como bem pintar segundo os padrões inerentes àquele tempo e lugar. Ao contrário. Um tratado chinês de pintura, aprendemo-lo, pressupõe a exposição de todo o embasamento filosófico e cosmológico, a partir do qual o pintor exerce sua arte. Adiantemos que, para estes artistas, cada tela representa, proporcionalmente, um ato de criação análogo ao da criação do próprio Universo, de maneira que uma discussão sobre pintura pode facilmente derivar num debate filosófico ou mesmo teológico. Ele inaugura sua obra com a seguinte frase: "Na mais remota Antiguidade, não havia regras; a Suprema Simplicidade ainda não se havia dividido". Percebemos, portanto, que uma tela de, digamos, 20x34 centímetros pode ter o conteúdo não encontrado em qualquer bienal artística brasileira, quando alguém finge expor e outro alguém finge apreciar e "captar o sentido".

No tratado podem ser identificados elementos do confucionismo, do taoísmo e do zen-budismo. Diante desta tradição, pensar, refletir sobre um tema significa abordá-lo de acordo com as várias correntes existentes para formar uma conclusão própria e autônoma. No caso dos pintores, é com o pincel que eles expressam suas conclusões, quer no traço, quer na força empregada ao segurar o pincel, quer na quantidade de tinta ou mesmo na escolha e disposição dos elementos a serem pintados. Aqui enquadra-se a noção do "único traço de pincel": o ânimo do pintor, seu estado de espírito, deve ser estável na execução da totalidade da pintura. Começar um quadro bem disposto e terminá-lo melancólico produziria nuances perceptíveis aos especialistas.

Outros aspectos são abordados no tratado, como a atenção à Natureza e a rejeição ao vulgar. Da perfeita assimilação das leis naturais decorrerá a perfeição da obra. "Despojar-se da vulgaridade" inclui o excesso de detalhes. Si um ramo florido é suficiente para indicar a presença do pessegueiro na paisagem, torna-se dispensável pintar a árvore. Insistir na inclusão desta desqualificaria o pintor, e a pecha de "vulgar" poderia comprometer-lhe seriamente a carreira. Percebemos o que Shitao quis dizer quando precisamos ir até a cidade serrana de Santo Antonio do Pinhal buscar algo numa loja próxima à estação de trem. Num dia nublado, resolvemos aproveitar a viagem para ir até o chamado "mirante da santa" e deparamo-nos com forte cerração cobrindo o relevo em volta e o trecho do Vale do Paraíba que costumamos apreciar. Em certo momento, o vento descobriu apenas um pedaço de montanha. "Ele (o pintor) acolhe os fenômenos sem que eles tenham forma".

100!


Cena do cotidiano na redação do "Digestivo Cultural"

Bravo! No dia quinze de julho de 2002 foi publicada nossa primeira coluna no Digestivo Cultural. Hoje alcançamos a de número cem. Não incluímos na contagem a de apresentação. Quanto às coisas que aconteceram nestes anos todos, podemos citar o último versículo do Evangelho de João: "Si elas se escrevessem, uma por uma, penso que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se tinham de escrever".

Para ir além






Ricardo de Mattos
Taubaté, 24/1/2011

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