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Terça-feira,
18/9/2007
O óbvio ululante
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"Anteontem, falei dos idiotas. Sinto, porém, que disse muito pouco, quase nada. O assunto foi apenas insinuado, e repito: - o assunto está diante de nós como uma sibéria imensa, à espera de que outros a invadam, e a ocupem, e a fertilizem. E quem não percebeu a invasão dos idiotas não entenderá, jamais, o Brasil dos nossos dias."
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"O trágico da nossa época ou, melhor dizendo, do Brasil atual, é que o idiota mudou até fisicamente. Não faz apenas o curso primário, como no passado. Estuda, forma-se, lê, sabe. Põe os melhores ternos, as melhores gravatas, os sapatos mais impecáveis. Nas recepções do Itamaraty, as casacas vestem os idiotas. E mais: - eles têm as melhores mulheres e usam mais condecorações do que um arquiduque austríaco."
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"E, assim, lidos, viajados, falando vários idiomas, maridos das melhores mulheres - os nossos idiotas têm também os melhores cargos e exercem as funções mais transcendentes. Eu disse que estão por toda a parte: - na política como nas letras, nas finanças como no cinema, no teatro como na pintura. Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: - ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina."
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Os trechos acima fazem parte de uma crônica de Nelson Rodrigues publicada no dia 15 de abril de 1968. É por essas e outras que o chamam de gênio. Suas obras são atemporais e perturbadoras. Tanto as peças quanto as crônicas de jornal, quanto os contos, quanto os romances. Os trechos foram retirados do livro O óbvio ululante (Agir, 2007, 448 págs), uma seleção das memórias (ou crônicas) de Nelson publicadas no jornal O Globo entre os anos de 1967 e 1968.
Não sei bem como explicar o estilo de Nelson. Ele consegue ser, ao mesmo tempo, irônico, sagaz, divertido e dramático. No mesmo momento em que há esperança, não há por quê lutar. É como se um boxeador jogasse a toalha, mas não a deixasse tocar o chão, e voltasse ao ringue logo em seguida. Simplesmente incrível e inacreditável. Mas possível, em Nelson Rodrigues.
Postado por Rafael Rodrigues
Em
18/9/2007 à 00h35
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