BLOG
>>> Posts
Quarta-feira,
19/9/2007
Estudo sobre a culpa
+ de 3400 Acessos
Enigmas da culpa (Objetiva, 2007, 248 págs.), de Moacyr Scliar, é o tipo de livro de filosofia que se pode ler na praia, ou na beira da piscina (claro, para quem é chegado a tais barbaridades). Um dos primeiros lançamentos da Coleção Filosófica da editora Objetiva, a obra aborda o tema da culpa nos meios político, filosófico, sociológico, psicológico e cultural. Não em profundidade, claro, para o que seria necessário fazer uma coleção paralela.
A leitura é leve e não apresenta obstáculos ao leigo. No entanto, não vulgariza o tema nem faz pouco da inteligência do leitor. Como não poderia deixar de ser (poderia?), os capítulos mais interessantes são aqueles dedicados à culpa na literatura, área em que esse sentimento sempre se fez perceber, e está evidente, além de em livros de escritores contemporâneos como Philip Roth, em clássicos como Macbeth e Crime e castigo. No romance de Dostoievski, como é sabido, o jovem Raskolnikov assassina uma velha usurária que ele considera "um piolho", inútil para a humanidade; o protagonista, num estranho paradoxo, sente-se culpado exatamente por não sentir remorso algum por seu crime.
E talvez ninguém mais lidou com o tema da culpa do que Franz Kafka. Que certa vez disse: "Meu princípio básico é este: nunca duvidar da culpa". E Kafka é fixado no assunto, escreve Scliar, por conta do caráter edipiano de sua relação com o pai, detalhada na Carta ao pai de 1919. Enquanto seu progenitor viveu, o escritor tentou resolver o conflito psicológico, simbólico, que permeou a relação dos dois, mas não conseguiu. Daí, a culpa - Scliar: "Não podemos nos revoltar contra uma pessoa que nos gerou sem pagar por isso um alto preço em termos de angústia".
Por falar em Kafka, assim como ele, o gaúcho Scliar, descendente de judeus, não é uma pessoa religiosa, mas um curioso e profundo conhecedor da história e da produção cultural dos judeus. Junte-se a isso o fato de que, como mesmo o mais ignorante em história sabe, a culpa tem um lugar central no meio judaico, e fatalmente esta religião estaria presente em cada linha do livro.
Mas o judaísmo não tem o privilégio da exclusividade, nem no campo da culpa nem no ensaio de Scliar. Nas três grandes religiões monoteístas, tem papel fundamental a "má culpa" identificada por Nietzsche (ou o Superego freudiano). E os locais que as religiões destinam aos pecadores são vários, ao longo da história. Há o Tártaro dos gregos e dos romanos, retratado por Virgílio na Eneida, a Gehena da literatura rabínica, e o nosso conhecido Sheol do Antigo Testamento, vulgo Inferno, descrito por Dante, John Milton e outros artistas - os demônios e seus tridentes que perfuram a carne dos pecadores, cercados pelo fogo eterno.
João Paulo II rebatizaria o Inferno "apenas" como um local de "tormento simbólico" para aqueles que se afastaram de Deus, mas a verdade é quem nem tudo evolui: se a Peste Negra de 1348 foi vista pelas massas como um castigo de Deus para os pecadores mundanos, ponto de vista que a Igreja inicialmente apoiou, em 2001, Jerry Falwell (1933-2007), popularíssimo pastor estadunidense, culpou "os pagãos, os aborteiros, as feministas, e os gays e lésbicas", "todos aqueles que tentaram secularizar a América", pelos ataques terroristas de 11 de Setembro, que teriam sido uma vingança divina.
Postado por Daniel Lopes
Em
19/9/2007 às 09h05
Quem leu este, também leu esse(s):
01.
10 de Outubro #digestivo10anos de Julio Daio Borges
02.
Deep Purple Made in Japan de Julio Daio Borges
03.
This Charming Man 2009 de Julio Daio Borges
04.
Cinema brasileiro na Holanda de Tatiana Mota
05.
Bohemian Muppets Rhapsody de Julio Daio Borges
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|
|