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Segunda-feira,
11/5/2015
A Professora de Neurolinguística
Raul Almeida
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A reunião terminou e quase nada de novo aconteceu, a não ser a pomposa comunicação, feita pelo Presidente do Conselho secundado pelo Superintendente e pelo Controller, que atingia em cheio os herdeiros-diretores acostumados aos caríssimos passeios à custa da empresa ainda cheirando a ranço de estrutura familiar. Agora as viagens teriam que produzir resultados. Começava um ciclo de mudanças radicais e severas na grande rede hoteleira. As farras pela Europa e pelos Estados Unidos acabavam naquela reunião.
Todas as saídas nacionais e internacionais seriam previstas e orçadas com objetivos definidos e avaliações precisas e consistentes. Nada mais de ir a Feira de Berlim e depois "esticar" até Paris ou Roma, ou seguir de Madrid para Lisboa com o pretexto de fazer novos clientes. Os assuntos não mais passariam pelo Vice Presidente, pelo Superintendente, nada.
Todos pressentiam a seriedade que a nova contratação sinalizava. Ficar amigo dos patrões, esconder algumas extravagâncias que os mesmos cometiam nos hotéis com amigos, mulheres etc., não seria mais garantia de progresso para gerentes de unidades ou os outros funcionários de alta graduação. Que barra!
Agora era tudo com o novo Diretor de Negócios que ficava abaixo do Presidente e meio de quina com o Controller. Era ele quem iria dar o tom nas operações, na disciplina, enfim responder pelo tema Modernização da empresa. Vinha com recomendações de uma multinacional e um retrospecto de êxitos. Era o maior salário da folha, considerando-se os bônus por produção e as mordomias de um executivo de alto nível trabalhando com carta branca.
II
Juntou a papelada, colocou tudo dentro da maleta e saiu. Em duas semanas deveria apresentar suas idéias para um novíssimo plano de ação, além de estratégias, recomendações, sugestões para eventos comerciais, modelos de brindes, lista de prospects, um trabalhão. Despediu-se de todos, recusou delicadamente o convite para uma bebida no bar, pegou o carro e foi para casa.
O tal planejamento estratégico obedecia a uma espécie de receita de bolo começando com a análise situacional, o posicionamento no mercado, os pontos fracos e fortes e toda aquela coisa mais ou menos repetida de ano para ano. Entretanto a concorrência, que aumentara muito com a entrada de alguns gigantes do mercado internacional, estava no topo das cogitações.
O tempo passou rápido, outra reunião e, finalmente, a aprovação do plano de negócios seguida de um entusiasmado voto de confiança dos diretores. O primeiro compromisso seria uma viagem para um festival anual de turismo, consolidado e referência em negócios com o cone sul.
A rotina de viagens incluía uma passagem na livraria do aeroporto, um café expresso, a espera na sala VIP, o embarque, o aluguel do carro no lugar destino, os primeiros contatos com o trade, as reuniões com o pessoal que iria ficar no stand, cumprimentos, reminiscências, o de sempre. Evitava envolver-se com colegas muito alem de um drink e uma ou outra conversa fora do contexto profissional. Seu lema era: Discreção e objetividade. A meta era ganhar dinheiro, produzir, prosperar. Diversão só bem longe daquele meio, longe daquele povo, longe de olhos e ouvidos do ambiente pessoal e profissional.
III
A moça loura de olhos muito expressivos mal disfarçados pelos óculos de lentes degradées, lia a sinopse de um livro de filosofia sem importar-se com o que estava acontecendo à sua volta na livraria do saguão do aeroporto. O esbarrão foi casual e as desculpas produziram o encontro de olhares:
- Desculpe! Perdão, por favor...
- Não foi nada. Fitaram-se por alguns instantes e logo tomaram o rumo do caixa.
- Você primeiro.
- Obrigada.
Pagaram as compras e saíram caminhando juntos, quase sem notar. A sincronia era intuitiva e apesar de ter muito mais estatura que ela, mantinha um paço disfarçadamente curto, como se não quisesse perde-la de vista. Não foi preciso. Iam para sala de embarque.
Nem se lembrou da sala VIP. Passaram no controle e, novamente, o destino interferia naquele encontro acidental. Somente duas poltronas vazias e juntas. Ele disfarçou, olhou para o outro lado, ela também, entreolharam-se sorrindo, e ocuparam os dois lugares.
A iniciativa foi dele:
- Desculpe, mas já nos encontramos na livraria, como é que você se chama? Posso chamá-la de você?
- Claro, me chamo Alice e você?
- Ruy.
- Muito prazer, você gosta de filosofia não é?
- É. E um assunto que a gente começa e não sabe bem onde ou quando vai parar.
- E você Ruy, está a trabalho?
- Sim, estou indo para uma feira de negócios do meu setor. E você?
- Ah, vou descansar um pouco em Gramado, Você conhece?
- Mas veja só que coincidência, eu também vou para lá.
- É? Vou tomar um ônibus em Porto Alegre.
Ruy continuou falando do evento, lembrando que a cidade estaria bem cheia nos próximos três dias.
Contou da sua rotina de viagens freqüentes e que era sua primeira pela atual empresa, esperando a manifestação dela.
- Eu sou professora de Neurolinguistica. Sabe o que é?
- Ouvi falar. O objetivo é descobrir os canais de comunicação de preferência do seu interlocutor e controlar a conversa até a entender a sua mente, conduzindo o assunto de acordo com os seus interesses.
- Nossa, que má impressão você tem! Não é assim não! Mas quanto aos canais de comunicação, até que está bem informado.
A porta do embarque foi aberta e a atendente chamou o vôo para Porto alegre. Os lugares não eram marcados, o vôo estava vazio e a viagem seria realizada a dois.
IV
A conversa fluía tranqüila e os olhos se encontravam com uma mistura de simpatia, atração e cordialidade. Depois de um tempo, a aeromoça mandou abaixarem as mesinhas para o lanche.
A serie de coincidências desde o contato na livraria estava longe de terminar. O serviço acabou o pessoal de bordo recolheu as bandejas, e a conversa entre os dois prosseguia, sem qualquer preocupação com a escolha dos assuntos, sem lamentações nem confidências.
Ataram os cintos de acordo com o aviso da aeromoça, se ajeitaram nas poltronas e, quase que sem pensar, ele ofereceu uma carona no carro que iria alugar. Foi meio de supetão, sem defesa mesmo. Ela não chegou a esboçar qualquer reação. Argumentou que tinha uma passagem de ônibus, mas ficou nisso. Seria mais agradável e confortável aproveitar aquela oferta despretensiosa, amável e prática. Iria adiantar a chegada em algumas horas em relação à viagem de ônibus. Ficaram calados nos minutos finais do vôo, cada um com suas idéias.
Ela ainda se questionava em total silêncio como tinha aceitado tão fácil a oferta da carona e, ele tentava controlar a atração que ela tinha provocado. Que mulher interessante, sedutora, inteligente, viva.
O avião tocou o solo e ela crispou as mãos nos braços da poltrona, encontrando-o. Desculpou-se. Ele tirou o braço deixando que ela se firmasse, mostrando o medo de viajar de avião. Um toque perturbador daquela mão fina, proporcional, com unhas claras, simétricas, bonitas, cuidadosamente tratadas. O pensamento obsceno brotou imediatamente.
Desembarcaram, retiraram as malas, e foram para a locadora pegar o carro. Ele se desculpou dizendo que era apenas um veiculo para trabalhar e que ela não reparasse.
A professora seguia lembrando dos últimos momentos dentro do avião. A blusa de seda e o sutiã não conseguiam esconder os mamilos endurecidos. O contato físico a despertara em seus hormônios, fazendo-a sentir-se um tanto desconfortável. Ele notou, achou curioso sem nada comentar. Mas não estava tão frio assim!
Colocaram a bagagem dentro do porta-malas e sobre o banco traseiro do Gol branco, com toda pinta de carro de locadora. Ele abriu a porta para ela e não disfarçou o quanto olhava para os seus quadris e a fina cintura. Imaginou os tons e nuances daquilo tudo a partir do rosa pálido matizado das mãos. Imaginou o umbigo, a espinha dorsal, o pescoço escondido pelos cabelos louros.
Até agora só coincidências e pensamentos. Ele nem perguntou qual era o hotel dela e foi dirigindo serra acima, conversando animadamente, procurando distrai-la. Ela fazia o mesmo procurando disfarçar a enorme atração que estava sentindo.
Chegaram à frente do hotel, entreolharam-se e riram. Riram como se tivessem escutado uma grande anedota. Outra vez a coincidência e atração estavam ficando demasiado escancaradas. Enquanto o mensageiro tirava as malas ele não se conteve e disse:
- Alice, algo muito estranho está acontecendo. Não conseguimos nos separar desde a livraria. Agora vamos fazer o check in e ver se os nossos apartamentos vão ficar no mesmo andar. Ela respondeu sem pestanejar:
- Se não estiverem a gente pede para que fiquem!
- Então fazemos o seguinte, vamos pedir para que sejam juntos, visinhos. Você topa? Ela estava ofegante e ele tentava controlar o que ela já notara.
- Claro. Não só topo como quero. O recepcionista atendeu prontamente ao pedido de quartos geminados e o mensageiro arrumou as malas no carrinho.
- Vamos tomar uma água, rapidinho, ali no bar ou uma outra coisa qualquer, enquanto eles põem as malas no quarto está bem?
- Sim. Vamos.
As malas não foram desfeitas. Cada um entrou por sua porta. Abriram a conexão ente os dois cômodos, sorriram, e trêmulos, se abraçaram e beijaram demoradamente.
V
Naquela noite, durante o jantar, conversaram sobre os acontecimentos recentes, avaliando o entrosamento repentino, a atração incontrolável e a forma como estavam se entendendo. Dava a impressão de serem parceiros de longa data ali no restaurante, com o ambiente aquecido e iluminado pelas chamas de uma lareira enorme. Do outro lado do salão a parede formada por fundos de garrafas difundia a claridade de lâmpadas estrategicamente colocadas. Um lugar aconchegante, sem exageros e com um certo sotaque europeu.
Depois voltaram para o hotel, apanharam cada um a sua chave, ela subiu primeiro e ele foi ate a lojinha comprar alguma coisa. Lembrava de como combinaram ser discretíssimos, sem demonstrações publicas de intimidade nem compartilhamentos escancarados, do tipo tomar café da manhã junto ou fazer compras. Limitaram-se a jantar fora do hotel e produzir boas lembranças.
Ela voltou a trabalhar e a dedicar-se ao hobby da fotografia. Recuperara a auto-estima desde que Ruy entrara em sua vida.
Três dias após o esbarrão no aeroporto ele retornou a São Paulo e ela continuou excursionando pelas outras atrações da Serra Gaúcha seguindo para Canela, Nova Petrópolis, São Francisco, Bento Gonçalves e Novo Hamburgo, fazendo anotações e escrevendo à moda antiga, numa agenda transformada em diário de bordo.
VI
A historia de professora de neurolinguistica também tinha sido motivo de boas risadas. Na verdade mais uma coincidência inimaginável. Os dois, em épocas diferentes tinham freqüentado os cursos ministrados pela professora Clô, uma das pioneiras no Brasil. Os canais de comunicação, o rapport, a metalinguagem tudo aquilo fora inconscientemente usado quando se encontraram lá no aeroporto. Lembraram dos livros do Bandler, das historias e do ambiente agradável da casa onde as aulas eram dadas.
Alice era formada com mestrado em psicologia pela PUC de São Paulo. Já estava cogitando voltar a Universidade para fazer um doutorado. Mas qual era a razão de ter dito ser professora daquele assunto? Foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça.
O caso com o seu primeiro e único namorado quase noivo, fora devastador. Desde os primeiros anos do colégio ele a cortejava, e controlava seus passos. A família gostava que fosse assim e ela vivia encapsulada numa relação monocromática. Nunca tinha dançado com outro rapaz, ido a uma festa com amigas, passeado, nada. Quando ele disse que precisava de mais um tempo, desmarcando a data fixada para o noivado oficial ela ficou assustada. Depois, uma prima veio do interior trazendo um jornal regional com a foto do seu namorado "noivando" com outra, filha de um pecuarista, político influente e multimilionário.
Primeiro não entendeu, depois pensou em se matar, odiou cada momento vivido, ficou triste, teve um surto depressivo que quase a levou para o fundo do buraco, começou a engordar, sem contar que abandonou a carreira recém iniciada. Foi um desastre. A viagem ao sul era um primeiro passo em busca da reabilitação de sua vida. E que começo! Que maravilha.
Ele contara que era divorciado e que a sua relação despencara num abismo de egoísmo, vaidade, competição, futilidade e ganância.
Sua ex era uma advogada bem sucedida, que não media esforços nem escrúpulos para ganhar dinheiro e poder. Viveram juntos o suficiente para entender que não haveria cama ou teto suficiente para abrigar os dois gigantescos egos. Entre namorar, casar e divorciar foram cinco anos de alternâncias entre alegria e tristeza, amor e ódio, paixão e desengano. Naquele momento não considerava a idéia de família, filhos, etc.
Os relatos de vida saíram naturalmente. Ninguém perguntou nada. Cada um escutou o outro em silencio, permitindo a catarse suave e tranqüila. Uma sensação de alivio e leveza, de ar puro e alegria ficou pairando no ar.
Hoje iam encontrar-se depois de alguns meses. Ela estava quatro quilos mais magra. Começou cortando as caixas de chocolates devoradas a cada surto depressivo, fez dieta, voltou para a academia, retomou os contatos e às atividades como consultora em RH, estava ensaiando a volta à universidade no próximo ano e sentia-se mais segura de si mesmo. As interferências familiares cessaram. Continuava vivendo com os pais, tinha comprado um automóvel e, desde que fizera aquela viagem, ficava fora um ou outro fim de semana. Todos já sabiam da existência de Ruy, entretanto, preferia manter os familiares fora da sua amizade.
O programa não era viajar para nenhum lugar. Iam ficar em São Paulo, curtir um teatro, um bom restaurante, passear juntos, começar na sexta-feira depois do expediente e terminar no domingo antes do Fantástico.
Postado por Raul Almeida
Em
11/5/2015 às 13h34
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