Noturno para os notívagos | Ana Elisa Ribeiro | Digestivo Cultural

busca | avançada
50461 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Erupção [ColetivA Ocupação] + Refúgio [Núcleo de Dança Menos 1 Invisível]
>>> Responsabilidade dos planos de saúde na cobertura de tratamentos para autistas
>>> Eunucos [Irmãs Brasil] + Repertório N.3 [Wallace Ferreira e Davi Pontes]
>>> Projeto com concertos gratuitos promove encontro entre obras de Haydn, Mozart e Brahms em outubro
>>> Trajetórias Cruzadas reúne fotografias de Claudia Andujar, Lux Vidal e Maureen Bisilliat
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
Colunistas
Últimos Posts
>>> O jovem Tallis Gomes (2014)
>>> A história do G4 Educação
>>> Mesa do Meio sobre o Primeiro Turno de 2024
>>> MBL sobre Pablo Marçal
>>> Stuhlberger no NomadCast
>>> Marcos Lisboa no Market Makers (2024)
>>> Sergey Brin, do Google, sobre A.I.
>>> Waack sobre a cadeirada
>>> Sultans of Swing por Luiz Caldas
>>> Musk, Moraes e Marçal
Últimos Posts
>>> O jardim da maldade
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Peias
>>> O melhor programa cultural
>>> Elesbão: escravo, enforcado, esquartejado
>>> Uma noite no desfile de moda
>>> Chomsky ontem e hoje
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Receita para se esquecer um grande amor
>>> Tiranos, de Antonio Ghirelli
>>> Gente
>>> Telemarketing, o anti-marketing dos idiotas
Mais Recentes
>>> Evidencias De Uma Traicao de Taylor Jenkins Reid pela Paralela (2023)
>>> Paidéia de Werner Wilhelm Jaeger pela Martins Fontes (1986)
>>> Chekhov and His Russia - a Sociological Study de Walter Horace Bruford pela Oxford University Press (1948)
>>> Operação Cavalo de Tróia de J.J. Benitez pela Mercuryo (1987)
>>> Mansao Do Rio de Pat Conroy pela Record (2012)
>>> O Homem No Teto de Jules Feiffer pela Companhia Das Letras (1995)
>>> Crime Dei Caminho Novo de Krishnamurti Góes Dos Anjos pela Omnira (1999)
>>> Gestão de Turismo Municipal de Duncan Tyler e Outros pela Gestão de Turismo Municipal (2001)
>>> Psiquiatria Em Face Da Reencarnação de Inácio Ferreira pela Feesp (2001)
>>> Vida de Keith Richards pela Globo (2010)
>>> Deficientes. Pitecantropos Oblíquos de Luigi Maria Sarcinella pela Harbra
>>> Pó De Lua Nas Noites Em Claro de Clarice Freire pela Intrinseca (2016)
>>> Europa, França e Bahia : Difusão e Adaptação de Modelos Urbanos de Eloísa Petti Pinheiro pela Edufba (2002)
>>> Canto Dos Malditos de Austregésilo Carrano Bueno pela Rocco (2001)
>>> O Mais Importante Para O Investidor de Howard Marks pela Martin Claret (2024)
>>> As Idéias De Levi-Strauss de Edmund Leach pela Cultrix (1971)
>>> De Recife Para Manhattan de Daniela Levy pela Academia De Inteligência (2024)
>>> Presidência Wenceslau Braz (1914-1918) Coleção Temas Brasileiros de Pedro Cavalcanti pela Unb (1983)
>>> A Montanha Encantada de Maria José Dupré pela Ática (2002)
>>> Forasteiros Construtores da Modernidade de Cléia Schiavo Weyrauch e Outros pela Terceiro Tempo (2003)
>>> Mais Luz de Xavier Chico pela Geem
>>> 2666 de Roberto Bolaño pela Companhia das Letras (2010)
>>> INstaenglish de Emma Heyderman e Outros pela Macmillan Education (2019)
>>> O Aleph de Jorge Luis pela Globo (2001)
>>> A Capacidade Para Governar: Informe Ao Clube De Roma de Yehezkel Dror pela Edições Fundap (1999)
COLUNAS

Sexta-feira, 10/6/2016
Noturno para os notívagos
Ana Elisa Ribeiro
+ de 4600 Acessos

Eu sei que nem todo mundo janta. Esta é uma generalização só para ser didática. Não é para se transformar em caso de luta de classes. Mas vejamos: dos que preferem o lanchinho com pão na chapa aos que não têm o que comer à noite, todos estão fora do grupo que quero descrever aqui: os que trabalham à noite.
É que eu trabalho à noite. Muito. E sempre. E mais: eu gosto de trabalhar à noite. Toda vez que penso nisso, me vem a lembrança de uma música do Kid Abelha, alguém recorda? Não lembro o disco, mas é fácil de achar. "Trabalhador da noite, meu serviço é seu prazer... sempre em casa depois do amanhecer". Eu achava bonitinha a homenagem, mas não me enquadrava bem nisso. Tá certo que a canção é para os profissionais do sexo, provavelmente, o que não é meu caso.

Os deslocados
Eu me senti meio deslocada por isso, por trabalhar à noite. Faça aí uma listinha, para além das prostitutas e assemelhados: guarda noturno, vigia, porteiro, padeiro (?), motorista, médico (os de plantão, geralmente os mais jovens), enfermeira (e assistentes e técnicos), coveiro, jornaleiro, jornalista também, garçom, balconista de todo tipo, caixa e... professor. Veja que uma enormidade de pessoas executa profissões de turno noturno. Pegam depois das seis, largam no dia seguinte, chegam em casa ao contrário de todo mundo, cumprimentam o ascensorista do elevador com cara de quem ainda vai dormir, lancham em turnos trocados, dormem até meio dia e levam má fama injustamente.
Ah, os padrões. Como me enchiam a paciência! A começar pelas minhas preferências na escola. Sempre tive muita dificuldade de me concentrar de dia, então preferia fazer tudo da tarde para a noite. Aproveitar a madrugada e dormir de manhã eram minhas especialidades. E sempre me dei bem com o que eu tinha de cumprir, mas não com os outros, os olhares dos outros e as regras predeterminadinhas dos outros. Ouvi muita palestra dispensável sobre por que eu deveria gostar das manhãs. Minha cabeça estaria descansada, minha inteligência estaria mais arguta, minha vida seria melhor, meu futuro seria muito mais promissor. (Bocejos incontroláveis).

Não atendo!
Minha dificuldade era visível. Eu preferia então turnos vespertinos, estudar à tarde ou à noite, descansar enquanto todos dormiam. Na adolescência, já tinham em casa minha ordem expressa: não atendo telefone antes das 12h. Combinado. Mas jamais digam que estou dormindo. O comando era dizerem que eu "saí". Volto logo. Porque o mundo jamais entendeu que enquanto dormiam, eu trabalhava ou estudava, à luz do abajur. (Abajur e lâmpada são objetos da minha enorme estima). Já diziam logo, com tom de condenação: "dorminhoca, hein?" E era injustiça.
Mas tinha regra para tudo, e eu não estava dentro da regra. Não me daria bem nos estudos nem no trabalho. Não conseguiria sobreviver se não acordasse todos dia às 6h. Era meu terror. E durante muito tempo, fiz isso, é claro. Até ir conquistando a vida que me parecia de mais qualidade: obedecer o que pediam meu corpo e minha atenção.

Professora
Ser professora tem destas. Todo mundo quer pegar as aulas da manhã, as da tarde já soam como castigo. Pois eu quero tudo depois das 16h. Alegria. Com a vantagem incomensurável de andar sempre na contramão do trânsito. Eu vou. Eu quero. Pego aula, pego orientação, pego serviço administrativo. Mas só quando as pessoas estiverem retornando para seus lares. Enquanto esquentam a janta ou abrem o pão de forma, eu dou aulas para trinta ou quarenta alunos (e nem todos satisfeitos com o horário).
Mas é tudo tão feito para quem vive no horário comercial! Tão difícil fazer de outro modo ou enxergar os outros. Trabalhar à noite não tem prestígio, afinal. Talvez apenas para os veneráveis médicos, que dão plantão e soam como heróis. Para os demais, é como se fosse um limbo, falta de opção, desgraça recaída. Para mim não era, não.

Nutricionista do dia
Há uns doze anos, lembro de frequentar um nutricionista. Era uma clínica-laboratório, dessas dentro de faculdades, movidas a professores e estudantes. Ótimo. Fui lá iniciar minha reeducação alimentar. E recebi minha lista de substituição de alimentos, empolgada, a fim de mudar tudo. Menos uma coisa: os horários possíveis para me alimentar à noite. Conversei com o nutricionista-chefe, expliquei que não havia a menor chance de eu jantar naquele horário X, quando eu sempre estaria em sala de aula. Ele me olhou assim meio lamentoso, disse qualquer coisa, pediu que eu me adaptasse. OK. Vamos aprender a comer barrinha de cereal entre uma frase e outra. E assim foi minha reeducação alimentar: fora do horário comercial, dos almoços e jantares das pessoas que trabalham de oito às dezoito e podem cumprir horários de lanche.
Uma lástima mesmo: nem mesmo nas escolas, onde tanta gente trabalha à noite, as cantinas ficam abertas até o encerramento da batalha diária. Quando saio da sala de aula, topo com corredores vazios, quase escuros, estacionamentos silenciosos, portas fechadas, nada para comer e perigos insinuantes. Um horror. O mundo não é feito para nós, embora algumas cidades se gabem - hiopócritas! - de serem 24h.

Vendedora de colchas
Certa vez, uma mulher veio vender colchas e cobre-leitos à porta de casa, bem na hora em que eu saía para trabalhar. Tentei me desvencilhar dela para não me atrasar. Ela era insistente, agressiva. Eu fechei o portão, disse que precisava sair. Ela me questionava, por que não poderia atendê-la, seria rápido, e fazia menção de tirar uns produtos de dentro do porta-malas do carro. Eu entrei no meu e não dei chance. Tinha mesmo de chegar. E eram quase cinco da tarde. Quando ela se irritou de vez e disse: "pensa que me engana? Quem é que pega serviço a esta hora?" Não, não perdi tempo explicando que professores, por exemplo. Saí pela esquina atrás dela.

Uma vida perfeita depende de turno
Regras, regras. Dia desses, li um texto que falava de pais e filhos, receitas para ter e manter a família perfeita. Quanto clichê e quanto discurso científico. E que amargor na boca, meu Deus. Estarei condenada à infelicidade eterna e a ter filhos problemáticos? Insanos, incuráveis? Que terror me veio enquanto lia aquelas linhas sobre pais (geralmente pais) que chegam às 18h30 em casa e vão brincar com seus rebentos saudáveis; mães que vêm do emprego de meio horário e fazem, elas mesmas, a sopinha nutritiva. E então vão fazer programas em família, num lar com jeito de aconchego, TV de led, Netflix, filmes edificantes ou os deveres da escola. Perfeição. Mas só para quem trabalha em horário comercial. Tudo ali era padrão. E eu cá... com meus horários ao contrário, filho que estuda à tarde, dorme tarde da noite, faz dever em outro horário e está muito bem, obrigada. Lá pelas tantas, esse tal desse texto dedicava um ou meio parágrafo a dizer que existem aquelas pessoas que trabalham em outros horários e para as quais a vida precisa ser adaptada. Aleluia! Alguém se lembrou de nós.

Noturna sim
Sem vitimismo. Alguém precisa trabalhar à noite, para que as escolas tenham turnos estendidos ou para que os bares funcionem à noite ou para que haja diversão, segurança, transporte, saúde. Minha riqueza foi perceber minhas dificuldades desde cedo e ir desenhando minha vida para que ela me parecesse menos árida, mais possível, mesmo que na contramão da maioria. Há quem odeie trabalhar à noite e sonhe com um "emprego normal". Há quem não. Há. E por que não?


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 10/6/2016

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Lamartine Babo e futebol, uma simbiose de Marco Garcia


Mais Ana Elisa Ribeiro
Mais Acessadas de Ana Elisa Ribeiro em 2016
01. 12 tipos de cliente do revisor de textos - 26/2/2016
02. O que vai ser das minhas fotos? - 29/7/2016
03. Que tal fingir-se de céu? - 4/11/2016
04. Noturno para os notívagos - 10/6/2016
05. Com quantos eventos literários se faz uma canoa? - 15/1/2016


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Miles Morales: Homem - Aranha Cai dentro!
Ahmed Garron
Panini Comics



Dominando o Delphi 3 - a Bíblia
Marco Cantù
Makron Books
(1998)



A Família Frank que Sobreviveu: Uma Saga da Segunda Guerra
Gordon F. Sander
Zahar
(2007)



Ah, Cambaxirra, Se Eu Pudesse...
Ana Maria Machado
Ftd
(2022)



Nosso corpo, nossa sociedade - LIVRO DO MESTRE
Rogerio G. nigro
Atual
(2013)



sociedades políticas 1831-1832
Augustin Wernet
cultrix / Mec
(1978)



As Obras dos Engenheiros Militares Galluzzi e Sambuceti e do Arquiteto
Riccardo Fontana
Senado Federal
(2005)



Obras Escolhidas V. 1 Magia e Técnica, Arte e Política
Walter Benjamin
Brasiliense
(2012)



Livro Teatro Quatro Textos para um Teatro Veloz Coleção Aplauso
Ivam Cabral
Imprensa Oficial
(2006)



A decodificadora: Jennifer Doudna, Edição de Genes e o Futuro da Espécie Humana
Walter Isaacson
Martin Claret
(2021)





busca | avançada
50461 visitas/dia
1,7 milhão/mês