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Sexta-feira,
17/7/2015
O Banco
Raul Almeida
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Aproveitei a visita ao oftalmologista ali na Av. Almirante Barroso e fui ver se o meu amigo já havia chegado ao seu escritório de calçada, a mesa do bar na rua São José. Lá estava ele, apesar do calor siderúrgico que a brisa pouco ou nada conseguia amainar. O mesmo jeito de sentar, o maço de cigarros sobre a mesa e o velho Zippo servindo de escolta.
- Então não falhas mesmo, né?
- Pouco se tem a fazer quando a aposentadoria está sendo depositada no terceiro dia útil do mês, os alugueis entrando sem problemas e a poupança escorrendo a tempo de acabarmos juntos, respondeu abrindo um sorriso e um estica-braço para o forte aperto de mão.
Eu desdobrei as salas da firma e ficou mais fácil de alugar. Acho que você nem chegou a conhecer. Saiu um advogado velho, eu, e entraram, um advogado de primeira banca numa parte, e na outra um escritório de contabilidade em fase de prosperidade. Assim, vou levando a vida sem pensar muito nas contas.
- E a poupança que "escorre a tempo", como é essa historia? E se a coisa complicar, a poupança começar a ir mais depressa do que planejado. Essas coisas. Como é que fica?
Vende-se o fixo, as salas. Encolhem-se as despesas, suspendem-se os remédios e se dá uma ajudinha ao barqueiro!
- Está falando do Queronte, o barqueiro do inferno?
- Poderia ser do Constantino, dono de uma funerária, que conheci durante a despedida de um amigo.
E o que é que tomas? O chope de sempre?
- Com esse calor não se discute: Chope e pode trazer dois, pois o primeiro vai morrer de um gole.
Assim começamos mais uma daquelas tertúlias vesperais, passando por uma reflexão fúnebre sem grandes cerimônias ou tristezas.
- Não entendo certas coisas e, a essa altura da vida, não quero mais entender.
-O calor não está fácil, vamos pedir mais chope por que se não, não vai dar.
-Pois é. Escuta só essa:
Respirei fundo, pedi licença para dar uma chegada lá nos fundos e aliviar a entrepernas. Fiquei pensando na velocidade em que abordavamos o universo das desigualdades, calamidades e patifarias, e me preparei para a nova chamada que ficou no ar.
-Então Vamos lá! Qual é a nova?
- Li numa revista de amenidades, aquelas em que as pessoas pagam para aparecer em fotos produzidas ao lado de gente "famosa".
- Ah, sei como é. Amenidades? Gostei.
- Então, um desses árabes afogados em petróleo, foi para Davos, como observador. Seguiu a rotina dos trabalhos, cumprimentou, foi cumprimentado, desviou dos que não interessava, fingiu que não viu aqui e ali, disfarçou, saiu bem na foto da Forbes, etc.
Igualmente, lá estava uma moça vista com certa freqüência no barco fundeado em Ibiza, ou durante as visitas do príncipe a Paris. Mas dessa vez apareceu fora da entourage do mouro, acompanhada apenas de uma conhecida. A mulher não tinha nada de celebridade a não ser a beleza e elegância ao vestir-se e mover-se, mais o charme e distanciamento de quantos procuravam um olhar, um aceno ou, sei lá o que.
Manteve a majestade até o ultimo dia, quando, finalmente e depois de muito insistir com um dos secretários do todo poderoso, conseguiu uma audiência. Apesar de não ter ocorrido nenhuma indiscrição, Sua Alteza não gostou nada de vê-la em quadrante tão impróprio. Ainda assim, concordou em recebe-la. Ela deveria vir precedida de sua secretária, a um dos escritórios de aluguel do mais famoso hotel da cidade onde ele despachava, com hora marcada, durante o dia. Um encontro de negócios, apenas quinze minutos, como qualquer grande executivo de empresa.
A reunião não durou mais do que um terço do previsto. A mulher entrou, foi recebida com espanto contido e palavras escolhidas.O mecenas não estava entendendo nada. A presença dela estava causando embaraço e desagrado. Os cartões de credito estavam ativos e bem fornidos, o apartamento de Paris tinha sido reformado a poucas semanas e logo a vila de Ibiza seria desocupada dos primos e amigos. Ah, o "chateau" de Antibes também estava pronto. O que estava acontecendo?
A mulher não estava ali para reclamar nada, senão porque naquela tarde, no dia em que comprara o palacete na Cote d'Azur, aconteceu a promessa de um banco e ela pensou que seria muito mais fácil estar presente, no momento das escrituras. Desde aquela tarde primaveril não pensava em outra coisa. Já tinha feito dois cursos de informática, queria fazer um curso de contabilidade, economia e finanças. Tinha folhetos dos melhores produtos em MBA para executivos financeiros. Estava tão animada que não quis esperar. Pegou logo o avião.
O príncipe sorriu com delicadeza, disse que já o comprara em Veneza, a mais tradicional e histórica cidade bancaria do mundo.A mulher não entendeu muito bem, mas não importava se era um banco italiano ou suíço. Era um banco!
Ao fim do encontro e das despedidas de praxe, ele chamou o secretário para confirmar se o objeto já estava nos jardins do chateau, finalizando com instruções para mantê-la bem longe por uns dois meses, e depois cancelar todos os cartões de credito.
- O que?
- Pois é, esse pessoal dessas revistas de fofocas e babados aparece com cada uma, né? Descobrem cada assunto.
Outra vez meu amigo me deixava atônito.
Logo em seguida mais chopes, uma porção de pasteis e chamamos a conta.
Que historia mais doida, pensei olhando para os apressados transeuntes.Despedi-me com o tradicional abraço e sai caminhando em direção as barcas.
Postado por Raul Almeida
Em
17/7/2015 às 14h32
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