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Quinta-feira,
30/7/2015
Transparência Democrática
Raul Almeida
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SIC TRANSIT GLORIA MUNDI
(insólito, surreal)
Hoje, aqui em Niterói, observei emocionante cena protagonizada por uma criatura simplória e distraída. Tudo aconteceu no centro da cidade, nas proximidades ajardinadas da estação das barcas, bem na frente de um dos centros de compras mais conhecidos.
A ex-capital do Estado do Rio de Janeiro é um município em constante desenvolvimento, onde o Rio de Janeiro, a deslumbrante capital da alegria praiana, da irreverência e do bom humor carioca nos dá a sua melhor vista (dizem os tais bem humorados), e consegue desafogar sua necessidade por moradias, além do caminho de volta para casa ser um agradável passeio marítimo.
Estava eu dentro de um ônibus 47 Circular, voltando ao Ingá, meu bairro, sentadinho ao lado da janela e olhando para fora, quando tive a atenção despertada por um indivíduo completamente paralisado numa atitude de enorme concentração no meio de um dos canteiros. Num primeiro momento imaginei ser um ator em plena performance, um artista de rua divertindo e provocando admiração.
Era uma novidade. Nunca tinha visto um deles em Niterói. Era um avanço cultural, pois não representava a corriqueira estátua da liberdade, um santo, um senador romano ou qualquer coisa do gênero. Completamente nu, lembrava mais uma interpretação livre da célebre escultura do Pensador de Rodin, apesar de não estar com o rosto voltado para baixo, nem apoiado numa das mãos como o magnífico trabalho.
O performista olhava para frente sem fixar nada, igual aos políticos nos comícios, mirando o fundo, o alem do alem. Numa das mãos um tecido pendente lembraria uma túnica grega, algo do gênero. Absolutamente Imóvel, passaria por um jardineiro descansando, um assentador de pedras portuguesas ou um caipira matutando à beira do riacho. Bem juntinho, na calçada ao lado, o povaréu seguia caminhando apressado cada um com seus problemas, alguns rebocando crianças em passo mais lento, enfim ninguém além da própria vida e da necessidade de seguir vivendo.
Em segundos não mais identifiquei o cidadão como um performático, mas um ecologista, um observador atento da natureza descobrindo uma novíssima espécie recém chegada de algum percevejo alienígena ou de formigas modificadas pelos gases mortais, pelas chuvas ácidas ou pela necessidade de galgar prédios em vez de arvores.
Não. Não era nada disso.
Então, atônito com a insólita ocorrência que, por sorte, presenciava a distância e longe suficiente para não perceber odores, pensei tratar-se de um companheiro do "Movimento Pela Liberdade dos Direitos de Usar a Rua Para Qualquer Coisa" ou ainda mais importante, um membro da diretoria do imaginado Movimento, um ativista feroz lutando pela categoria no meio de um jardim público, sem qualquer preocupação com o vai-e-vem dos carros pela avenida ou os pedestres nas calçadas a poucos metros de distância.
Completamente alheio ao mundo, super concentrado em sua tarefa, não enxergava nada, ninguém, e não tomou conhecimento do universo à sua volta. Missão cumprida, o adubador levantou-se, sacudiu o quadril, vestiu um primeiro calção, depois uma bermuda, espreguiçou-se e saiu caminhando.
Demorou menos de 01 minuto no meio do jardim, meio de esguelha, atrás da moita, na cara de todo mundo, sem que ninguém o notasse as 09,25h da manhã, na mais absoluta transparência democrática.
Postado por Raul Almeida
Em
30/7/2015 às 16h34
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