COLUNAS
Sexta-feira,
15/11/2019
O Vosso Reino
Luís Fernando Amâncio
+ de 4400 Acessos
Em 2013, durante a realização da Copa das Confederações, estrondosas manifestações sacudiram o Brasil. O fenômeno ficou conhecido como Jornadas de Junho ou Manifestações dos 20 Centavos. Foi um movimento que começou motivado pelo aumento da tarifa de ônibus em São Paulo e que tomou uma dimensão demolidora na política nacional.
Durante o torneio da Fifa, por morar próximo ao Mineirão, presenciei de camarote o embate entre manifestantes e a repressão policial. Ouvi as palavras de ordem dos protestos serem cobertas por bombas e disparos de bala de borracha, enquanto uma fumaça negra tomava o horizonte. Por pouco não aspirei, de tabela, a fragrância do gás de pimenta.
Mesmo sem compreender a plenitude do que ocorria, o sentimento era de presenciar algo grande, inédito. E foi, mesmo. Seguiram-se seis anos de reviravoltas e golpes que pulverizaram um modelo de país que julgávamos consolidado.
Para se ter uma ideia do quanto o país mudou nesses seis anos, podemos lembrar da fatídica manhã do dia 10 de junho de 2013, quando, diante do hotel em que se hospedaria a seleção italiana no Rio de Janeiro, um homem soltou rojões e bradou contra o estabelecimento. O motivo da revolta era o gerador de energia do hotel, que o atrapalhava a dormir. O homem estava abastecido com duas caixas de fogos de artifício no porta-malas do carro e prometeu repetir o escarcéu todos os dias se o barulho não fosse interrompido. Após acordo com o hotel, o homem foi embora, antes que a delegação italiana chegasse.
Depois daquela manhã, se passaram duas Copas do Mundo e a Itália amargou vexames. Em 2018, inclusive, a tradicional seleção Azurra sequer se classificou para o torneio. Já o senhor exaltado contra o barulho do gerador se tornou presidente do Brasil. Sim, o país desmoronava e o então deputado estava brigando com um gerador de energia.
Aposto que o leitor também possui histórias sobre o que fazia durante as manifestações de 2013, onde estava e como aquilo impactou sua vida. O Vosso Reino, romance de estreia de Warley Alves, pode ser considerado uma forma encontrada pelo autor para processar aqueles acontecimentos. Doutorando em História pela UFMG, Warley possui pesquisa sobre a influência de intelectuais na Revolução Mexicana. Tal qual o seu objeto de estudo, O Vosso Reino é um exemplo de como a literatura pode se engajar, amplificando, através de seu potencial de explorar sensibilidades, o diálogo com os leitores.
![](https://www.digestivocultural.com/upload/luisamancio/Vosso%20Reino.jpg)
Embora o autor desloque a narrativa para um país fictício, ao acompanhar as trajetórias dos amigos Lara, Adon e Daniel encontramos muitos paralelos possíveis com o Brasil contemporâneo. O romance trata da fragilidade dos laços de amor e amizade em um contexto de turbulência política e social.
É verdade que muitos de nós, crescidos em um país recém democratizado, ainda assimila os golpes que pulverizaram o que julgávamos consolidado. Estamos atordoados, cambaleando sem rumo enquanto direitos e instituições são desconfigurados. A leitura de O Vosso Reino é um importante motivador para pensarmos sobre nosso papel em um contexto desfavorável.
O livro do Warley Alves foi pulicado pela Editora Jaguatirica. Ele está disponível no site da editora e nas melhores livrarias virtuais. Neste sábado, dia 09 de novembro, de 11h às 14h, ocorrerá o lançamento em Belo Horizonte, na Livraria do Ouvidor.
Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte,
15/11/2019
Quem leu este, também leu esse(s):
01.
7 de Setembro de Luís Fernando Amâncio
02.
Nobel, novo romance de Jacques Fux de Jardel Dias Cavalcanti
03.
Essas moças de mil bocas de Elisa Andrade Buzzo
04.
Defensores da Amazônia de Marilia Mota Silva
05.
Um livro para Fernando Morais de Guilherme Pontes Coelho
Mais Acessadas de Luís Fernando Amâncio
em 2019
01.
7 de Setembro - 13/9/2019
02.
A Copa, o Mundo, é das mulheres - 14/6/2019
03.
Lançamentos de literatura fantástica (1) - 1/3/2019
04.
O Vosso Reino - 15/11/2019
05.
estar onde eu não estou - 1/2/2019
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|