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COLUNAS

Segunda-feira, 16/3/2020
Elis vive
Fabio Gomes
+ de 4300 Acessos

Elis Regina no programa MPB Especial
da TV Cultura (SP)


É impressionante como Elis Regina continua viva na memória do público, mesmo tendo morrido há 20 anos. No dia de Finados de 2000, um fã estendeu um tapete e improvisou uma exposição de fotos junto ao túmulo da cantora, no cemitério do Morumbi, em São Paulo.

Mas não é necessário esperar 2 de novembro, isto pode acontecer a qualquer momento. O escritor Zeca Kiechaloski, no livro Elis Regina (Coleção Esses Gaúchos, Porto Alegre, Tchê, 1985), conta que, ainda em 1982, foi ao cemitério com uma amiga. Logo ao chegar, eles iam perguntar a um funcionário onde era o túmulo, mas nem precisaram terminar a frase, o rapaz disse: “É ali”. Junto ao túmulo (um canteiro com uma placa de bronze), uma moça sacudia um pote de incenso, cantava músicas do repertório de Elis e dizia:

- Não fica triste, aí está melhor. Canta pra gente, canta. Tu vais continuar cantando sempre.

Como explicar, numa época em que a arte descartável impera, a permanência da obra de Elis? Acredito que é pela sinceridade que ela sempre colocou em sua arte. Sua vida e sua carreira estão intimamente ligadas. Acusada por anos a fio pela crítica de só ter técnica, muitas vezes não conseguia se segurar e chorava em cena. Uma ocasião famosa em que isto aconteceu foi no especial Elis Regina Carvalho Costa (1980), dirigido por Daniel Filho para a TV Globo, quando ela interpretava “Atrás da Porta” (Francis Hime - Chico Buarque).

Elis Regina não era uma teleguiada. Ela sempre soube o que queria fazer, desde muito cedo. Com 17 anos, em 1962, quando ainda morava em Porto Alegre e ia ao Rio de Janeiro para gravar, devidamente acompanhada pelo pai, seu Romeu, aconteceu algo muito significativo. Elis estava no estúdio da Continental (hoje uma divisão da Warner) gravando o bolero “Poema”, de Fernando Dias, e um funcionário, chamado Palmeira<, pediu que ela parasse:

- Você está cantando muito bem. Tem que cantar quadrado, senão não vende o disco.

A adolescente teve uma crise de choro, mas se segurou e terminou a gravação. Antes que o disco, seu segundo LP (justamente intitulado Poema), saísse, ela já tinha resolvido transferir-se de gravadora, acertando logo depois com a CBS (atual Sony). O que certamente chocou a jovem Elis Regina foi a visão puramente comercial do funcionário e, por extensão, da gravadora. Ela nunca colocava como meta “agradar” ou “vender” e sim a arte. Sofreu muitas críticas por isso, sobretudo em meados da década de 60, quando música popular era debatida com paixão equivalente à do futebol - ou da política, mas este tema não podia ser debatido na época.

Poucas vezes uma cantora foi tão combatida por causa de uma música como Elis quando interpretava “Canto de Ossanha” (Baden Powell - Vinicius de Moraes), no programa O Fino da Bossa, na TV Record. A faixa entrou no LP Dois na Bossa - Volume 2, disco ao vivo de Elis e de Jair Rodrigues lançado em 1966 pela Philips (hoje Universal). Entre seus críticos na ocasião, encontrava-se o maestro Júlio Medaglia, que escreveu no jornal O Estado de São Paulo:

“Elis, ao pronunciar ‘vai, vai, vai, não vou’, o faz em meio a gemidos e soluços, concluindo a música com um grito quase desesperado de ‘vai’, como se fosse seu último arranque de vida”.

Ser criticado é uma conseqüência natural para quem se expõe, mas é espantoso verificar o nível de cobrança que sempre envolveu a carreira de Elis. A cobrança mais dura, a meu ver, até por ter sido permanente, foi a de que não gostava de Porto Alegre ou mesmo do Rio Grande do Sul. Nem quando ela gravou músicas como “Porto dos Casais” (Jaime Lewgoy Lubianca) ou a folclórica “Boi Barroso” as restrições diminuíram.

Evidente que Elis não registrou essas canções para convencer ninguém. Quem quisesse achar que ela não prezava seu torrão natal, que ficasse à vontade. Mas os fatos comprovam justamente o contrário. Elis sempre dedicava várias semanas a Porto Alegre no roteiro de seus shows, quando já era comum os grandes nomes da MPB fazerem só um ou dois dias. Em 1974, incluiu Porto Alegre e Caxias do Sul no seu Circuito Universitário. Em 1977, estreou nacionalmente o show Transversal do Tempo no Teatro Leopoldina (depois da OSPA), com três semanas de apresentações. Outro show, Elis, Essa Mulher (1979), ficou duas semanas na capital gaúcha. A única vez que seu show só teve uma noite em Porto Alegre foi também a última: Trem Azul, no Gigantinho, 19 de setembro de 1981.

Mais? Tudo bem. Foi Elis a escolhida para ser a grande atração da festa de nove anos da Rádio Guaíba, no auditório Araújo Vianna, em 1966. Um ano antes, quando vencera o Festival da Música Popular Brasileira da TV Excelsior, ela viera comemorar com um churrasco com a família na vila do IAPI, em meio a uma agenda lotadíssima de shows, gravações e aparições na TV. Sem falar que, no auge da ditadura militar, em 1976, Elis participou de uma comissão de artistas que foi a Brasília pedir a liberação da peça Mockinpott, uma produção do Teatro de Arena de Porto Alegre que fora proibida horas antes da estréia em São Paulo (isso depois de apresentada em Porto Alegre, por mais de um ano, e no Rio de Janeiro). É fácil imaginar o desespero que tomou conta de atores, diretor e técnicos. A Censura acabou autorizando a montagem paulista, mas parte do mal já estava feito. Para ajudar a companhia a minimizar os prejuízos, Elis doou a renda de uma noite de seu show de maior sucesso, Falso Brilhante. Ela sempre encerrava esses questionamentos nas entrevistas que concedia lembrando que não tinha saído de Porto Alegre para fundar um CTG, e sim para ser cantora.

Falando em CTG, o que a jovem Elis ouvia em Porto Alegre? Considerando “muito pobre” a música tradicionalista, escutava a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e os programas em português da Voz da América. Das emissoras locais, sua preferida era a Rádio da Universidade. E, como a imensa maioria dos músicos da sua geração, recebeu como um impacto o lançamento de “Chega de Saudade” (Tom Jobim - Vinicius de Moraes) por João Gilberto em 1959. Ela estava varrendo a casa quando ouviu a música no rádio. Desatou a chorar e não descansou até encontrar o disco numa loja. Seu Romeu implicava porque agora ela só cantava as músicas “daquele cara sem voz”, mas ela insistia e dava a maior briga.

Coisas da vida: Elis discutia com a família para ouvir bossa nova e foi apontada mais tarde pela crítica como “responsável” pelo fim do movimento, justamente no programa... O Fino da Bossa. É que os críticos não gostavam da mistura de bossa nova e samba de carnaval com forte base rítmica de jazz com que Elis e Jair Rodrigues presenteavam o público toda quarta.

Bossa nova era o caminho mais natural para uma cantora chegada ao Rio de Janeiro em março de 1964 que não pretendesse interpretar iê-iê-iê. A CBS bem que tentara (quando do lançamento do LP O Bem do Amor, de 1963) apresentar Elis como uma “nova Celly Campello”, coisa que ela num depoimento ao programa MPB Especial da TV Cultura (1973) definiu como “muito pobre” (certamente já achava o mesmo em 63). Voltando a 64: recém-chegada à Cidade Maravilhosa, Elis manteve contato com a gravadora. Foi procurada no dia seguinte, porque o compositor Carlos Lyra precisava de uma cantora para participar da gravação do musical Pobre Menina Rica, que ele escrevera com Vinicius de Moraes. Os arranjos seriam de Tom Jobim. Talvez assustada com todos esses pesos pesados da música brasileira, Elis não conseguiu cantar no teste e foi vetada por Tom.

Só dois meses depois surgiu nova oportunidade: o ator Paulo Gracindo (que ela nem conhecia pessoalmente) a indicou para participar do programa Noite de Gala, da TV Rio, o maior sucesso da época. No programa, conheceu o baterista Dom Um Romão, que a convidou para cantar no Beco das Garrafas, reduto bossanovista de Copacabana. No Beco, travou contato com o compositor Edu Lobo, que lhe pediu para defender “Arrastão”, música que fizera com Vinicius de Moraes, no já citado festival da Excelsior.

Tendo vencido o festival, Elis iria fazer um show com o violonista Baden Powell para comemorar, mas Baden não pôde e o produtor Walter Silva convidou um cantor que vinha estourando na parada de sucessos: Jair Rodrigues. O show foi gravado; a fita foi comprada pela gravadora Philips (detentora dos passes da dupla) e lançada como o LP Dois na Bossa, um dos campeões de vendagem de 1965. Em seguida, a TV Record contratou Elis e Jair para apresentarem O Fino da Bossa. Foram três anos de programa e três discos ao vivo, além do LP O Fino do Fino (1965), de Elis com o Zimbo Trio - e, bem mais tarde, a série de três CDs Elis Regina no Fino da Bossa, lançada pela Velas em 1994 a partir de gravações conservadas pelo produtor Zuza Homem de Mello.

No início de 1966, Elis fez sua primeira turnê pela Europa, coisa que passou a ser um hábito para ela. Numa dessas viagens, em 1969, ela disse a um jornal holandês que o Brasil era governado por gorilas. A declaração causou alvoroço e Elis só não foi presa quando voltou porque sua ficha ideológica era limpíssima. Mas, para dizer que aquilo não ficara por isso mesmo, a cantora foi convocada (o termo é esse) para cantar o “Hino Nacional” nas Olimpíadas do Exército, em homenagem ao Sesquicentenário da Independência (1972).

O cartunista Henfil, indignado, “enterrou” Elis no cemitério dos mortos-vivos com o qual, no jornal Pasquim, atacava quem aderia à ditadura. Ela protestou contra seu enterro, em entrevista ao Jornal do Brasil. Resultado: foi enterrada de novo. Só cinco anos mais tarde, cartunista e cantora voltaram às boas, num jantar após uma apresentação do show Falso Brilhante. Elis, chorando, queixou-se dos enterros simbólicos e Henfil deu-se conta de que poderia ter atacado o alvo errado. A partir daí, criou-se forte amizade entre os dois. Elis não titubeou em aderir à campanha pela anistia que Henfil fazia desde fevereiro de 1978 na revista IstoÉ. Em crônicas que eram cartas dirigidas a sua mãe, Henfil pedia permissão das autoridades para a volta ao Brasil de seu irmão Betinho (o sociólogo Herbert de Souza, mais tarde criador da campanha contra a fome). A adesão de Elis à campanha foi representada pela gravação do samba “O Bêbado e a Equilibrista” (1979), de João Bosco e Aldir Blanc, um de seus maiores sucessos, que o povo canta até hoje.

Nota do Autor
Em meu blog, ao final da publicação deste texto eu conto as circunstâncias em que o escrevi em 2000, e (digamos) sua trajetória desde então.


Fabio Gomes
Maceió, 16/3/2020

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