Notas de um ignorante | Millôr Fernandes

busca | avançada
49887 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Um Simples Judeu, de Charles Lewinsky, estreia no Teatro UOL com interpretação de Ricardo Ripa
>>> Recortes | Ronah Carraro | Alma da Rua I
>>> Espetáculo da Broadway troca brinquedo por desconto em ingresso
>>> Cabeção Pelo Mundo, o Show
>>> Art Tattoo Expo 2024: Inscrições abertas para o concurso de Miss e Mister Tattoo
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
Colunistas
Últimos Posts
>>> Mesa do Meio sobre o Primeiro Turno de 2024
>>> MBL sobre Pablo Marçal
>>> Stuhlberger no NomadCast
>>> Marcos Lisboa no Market Makers (2024)
>>> Sergey Brin, do Google, sobre A.I.
>>> Waack sobre a cadeirada
>>> Sultans of Swing por Luiz Caldas
>>> Musk, Moraes e Marçal
>>> Bernstein tocando (e regendo) o 17º de Mozart
>>> Andrej Karpathy no No Priors
Últimos Posts
>>> O jardim da maldade
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Sobre Sherlock Holmes
>>> Meu primeiro computador pessoal
>>> Revista Meio Digital
>>> A Web 2.0: 5 Anos Depois
>>> Aos cérebros novidadeiros
>>> Caricaturas ao vivo
>>> Maradona, a série
>>> Entrevista com GermanoCWB
>>> Curriculum vitae
>>> Abrir os portões de Auschwitz sessenta anos depois
Mais Recentes
>>> The Kodansha - Japanese - English Dictionary de Kodansha pela Kodansha International (1996)
>>> sonhando Juntoa coletânea de textos de Cor. Milú Villela pela n/d (2001)
>>> psicologia da relação de autoridade de Roger Mucchielli pela Martins Fontes (1979)
>>> Frommers Guia Nova York Dia a Dia de Frommers - Inclui Mapa pela Publifolha (2009)
>>> Introdução ao Estudo da Administração de Daniel F. de Bonis Marcelo R. Abud pela Pioneira (1997)
>>> irmãos de armas de Alexandre Guimarães pela n/d (2002)
>>> The Artof Japanese Management de Richard Tanner Pascale e Outro pela Simon And Schuster (1981)
>>> 203 maneiras de enlouquecer um homem na cama de Olivia ST Claire pela Ediouro (1999)
>>> duzentos ladrões de Dalton Trevisan pela L&pm Pocket (2008)
>>> Frommers Guia Nova York Dia a Dia de Frommers - Inclui Mapa pela Publifolha (2009)
>>> Grávida aos 14 Anos? de Guila Azevedo pela Scipione (2001)
>>> viagem a dois planetas de Lauro Trevisan pela n/d
>>> Um, Like... Om - a Girl Goddesss Guide To Yoga de Evan Cooper pela Little Brown And Company (2005)
>>> energia e meio anbiaente de Samuel Murgel Branco pela Moderna (1990)
>>> Guia das Idades Quem Fez o Que Quando, de 1 a 100 Anos de Andrew Postman pela Alegro (2000)
>>> Paris a Descoberta da Cidade Mais Bela do Mundo de Os Guias de Ouro pela Eb Bonechi
>>> mecanografia e processamento de dados de Numa Freire pela atlas (1975)
>>> apaixonar-se significa... Conversa com os jovens de hoje de Gianni Colombo e Mercedes de Carli Indri pela Paulinas (1998)
>>> Advances In Child Development And Behavior - Vol 3 de Lewis P Lipsitt e Outro pela Academic Press (1967)
>>> Indonesia de Peter Turner e outros pela n/d (1986)
>>> Por Mais um Dia de Mitch Albom pela Sextante (2006)
>>> 101 Lugares para Se Conhecer em Pinheiros de Cris Berger pela Even
>>> em cada curva, um caso de José Carlos Baeta pela n/d (2005)
>>> Usborne World History-prehistoric World de Fiona Chandler e Outros pela Usborne
>>> manual de sobrevivência de Angelo Machado pela (1998)
ENSAIOS

Segunda-feira, 1/10/2007
Notas de um ignorante
Millôr Fernandes
+ de 16900 Acessos
+ 8 Comentário(s)

Entre as coisas que me surpreendem e humilham, figura esta, fundamental, que é a cultura de meus amigos e conhecidos. Não só a cultura no sentido clássico, mas também o conhecimento imediato das coisas e fatos que lhe estão sob os olhos no dia-a-dia da existência. Quem está a meu lado sempre leu mais livros do que eu, conhece mais política do que eu, já esteve em mais países do que eu, já teve mais casos sentimentais do que eu, estudou mais do que eu, praticou e pratica mais esportes. Paro e me pergunto que fiz dos meus anos de vida. Já fui atropelado e sofri alguns acidentes, como explosão, queda e afogamento. Mas entre os acidentados não estou na primeira fila. Tenho vários amigos que já caíram de avião, outros de cavalo, alguns sofreram pavorosos desastres de automóveis, um esteve preso num armário enquanto uma casa (não a dele, é claro!) se incendiava, outro ajudou a salvar o navio Madalena em meio a tremendas ondas que ameaçavam arrebentar sua lancha a todo momento.

Que fiz eu de minha vida? Em matéria de cultura encontro imediatamente quinhentas pessoas, só entre as que eu conheço, que sabem mais línguas do que eu, leram mais, falam melhor e mais logicamente, conhecem mais de teatro e citam com precisão escolas filosóficas, afirmando que tal pensamento pertence a esta e contradiz aquela. Que fiz eu? De esportes ignoro tudo, não sei sequer contar os pontos de vôlei, só assisti até hoje a uma partida de pólo, nunca joguei futebol e quando vou ver esses jogos desse esporte, só consigo reconhecer os jogadores mais famosos. Esqueço o nome de todos, e no domingo seguinte já não sei mais o escore da partida a que assisto neste. Nado mal, corro pedras, jamais consegui me levantar num esqui aquático, não guio lancha, joguei golfe uma vez, tênis seis meses, não entendo de velejar (o que já me causou uma grande humilhação diante de esportivíssimas americanas de quinze anos que me conduziram num passeio lá na terra delas), e, em matéria de mares, nunca lhes sei os ventos e fico parvo com o senso de direção de muitos e muitos de meus amigos que jamais supus tomassem nada de brisa e tufões. Guio, mas o motor de meu carro é para mim um mistério indevassável. Sei apenas abrir o capô e contemplar a máquina, atitude metafísica que até hoje não pôs carro algum em marcha.

Seria eu então um homem dedicado á cultura propriamente dita, aos livros, ao estudo, ao amor da leitura e do pensamento? Não, pois meu pensamento é confuso e minha leitura parca. Conheço homens, dos que não vivem de escrever, que pensam muito melhor do que eu e leram muito mais, sem contar os especialistas, que conhecem livro pelo cheiro.

Entre os que viajam também não sou dos que tenham viajado mais. Com o agravante de que nunca sei bem onde estou, não conheço a distância que vai de Roma a Paris, nem sei se Marselha está ao Sul ou ao Norte da Itália. Fico boquiaberto quando vejo amigos meus apontarem estátuas e falarem sobre os personagens que elas representam com uma facilidade com que falariam de si próprios. Mesmo o conhecimento de nomes, pessoas e fatos adquiridos em viagens eu o esqueço em três semanas. Mas não adianta o leitor querer me consolar, dizendo que talvez eu seja um bonvivã, porque nunca o fui dos maiores, tendo minha vida sido conduzida sempre numa certa disciplina, necessária a quem veio de muito longe. Donde o amigo poderá concluir então que eu sou um trabalhador infatigável, um esforçado, um detonado. E isso também não é verdade porque, com raras exceções, nunca trabalhei demasiadamente e cada vez procuro trabalhar menos, numa conquista ao mesmo tempo prática e filosófica. Bebo? Bebo mal e ocasionalmente. Não sei quando a bebida é boa ou falsificada. Não sei o nome dos vinhos mais triviais e sempre me esqueço qual é o restaurante em que eles fazem um prato que certa vez eu adorei. Por mais jantares a que tenha ido e por melhores alguns lugares que tenha freqüentado, devo sempre esperar que alguém se sirva na minha frente para não pegar o talher errado e o copo idem. Além do que não como muito, nem tenho nenhuma particular predileção por comer. Gosto então da vida calma, sou um praticante da meditação e do ioga? Nunca dos que mais o são. Por outro lado a extrema agitação também não me é familiar.

Que fiz da minha vida? Quando há um acidente de rua, vem-me o pavor de tomar partido, pois nunca tenho realmente a convicção do lado certo. Se fala o mais poderoso eu sou inclinado a ficar de seu lado por uma tendência a defender os que hoje são mais comumente acusados de todos os males, vítimas do tempo. Se fala o mais humilde sinto-me inclinado a defendê-lo por um ancestralismo que me faz seu irmão, por idéias arraigadas que fazem com que todo homem queira lutar instintivamente pelo mais fraco. Por quê? Não sei. Sou bom de guardar nomes, caras, datas? Já disse que não. Sempre esqueço o nome dos conhecidos e troco o dos amigos mais íntimos num fenômeno parifásico que só a loucura mesma explicaria ou então a bobeira nata que Deus me deu. E política meu conhecimento chega ao máximo de saber que o Sr. Plínio Salgado pertence ao PRP, o Brigadeiro à UDN e Jango ao PTB e creio que há alguns outros partidos também. Mas mesmo essas convicções não são inabaláveis e, se alguém me pegar desprevenido e fizer dessas letras e nomes outras combinações, lá vou eu a aceitá-las, embrulhado e tonto, até que outro interlocutor crie para mim novas combinações e novas confusões.

Mas peguem um puro e simples crime e eu nunca sei quem matou a empregada e em meu peito jamais se chegou a criar uma suspeita sólida a respeito do poeta de Minas. Isso, aliás é o máximo a que vou – sei que houve um crime em Minas Gerais, alguém matou alguém. O morto não está na lista de minhas lembranças, não sei de quem se trata. Sei que o indiciado assassino é um poeta, vi sua cara barbada e meio calva em muitos jornais e revistas. Mas meus conhecidos sabem de tudo. As mulheres de meus conhecidos então nem se fala. Que fiz eu de minha vida? – me pergunto de novo, honestamente, com a surpresa e a amargura com que o Senhor perguntava: “Caim, que fizeste de teu irmão?” Pois boêmio não sou, embora tenha gasto milhares de noites solto pelas ruas. Mas os boêmios me consideram um arrivista da boemia assim como os homens cultos me consideram um marginal da cultura. E os esportistas a mesma coisa com relação aos parcos esportes que pratico. Todos com carradas de razão.

E nem a maior parte do meu tempo foi gasta em conquistas amorosas, pois nesse terreno o Porfírio Rubirosa, se me conhecesse, me olharia com o mesmo desprezo com que me olham conhecidos galãs nacionais.

Dessa mente confusa, dessa existência confusa, dessas mal-traçadas-linhas de viver creio que só resta mesmo uma conclusão a que durante anos e anos me recusei por orgulho e vergonha – sou, por natureza e formação, um humorista.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Também parte integrante do volume As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, organizado por Joaquim Ferreira dos Santos.


Millôr Fernandes
Rio de Janeiro, 1/10/2007
Mais Millôr Fernandes
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
2/10/2007
00h17min
Millôr sabe coisas inimagináveis. Quero dizer, inimagináveis para nós, os sem imaginação, porque ele já as imaginou completas. A modéstia exemplar é só uma miragem, tão bem feita que é quase real. E esse "quase" é cheio de humor. Como sempre.
[Leia outros Comentários de Guga Schultze]
2/10/2007
11h31min
Ah! Se todos tivessem essa percepção do mundo, como tem Millôr, pelo menos um pouco dessa humildade ou modéstia (que parece falsa e talvez seja, mas real). Se alguns "intelectuais" conseguissem perceber a profundidade dessas palavras, mesmo recheadas de humor, seria maravilhoso! Como me identifico com isso, de uma maneira quase integral! Talvez uma coisa inexplicável de Millôr: a sua "inimizade" com o Chico Buarque, ou vice-versa. Acho, certamente, que houve um grande mal entendido, já que ambos são geniais! Esqueci a causa de tal briga, mas quem sabe, como Mario Vargas Llosa e Garcia Marquez, se entendam algum dia! É isso.
[Leia outros Comentários de Adriana Godoy]
2/10/2007
18h35min
E eu que me achava uma topeira por não conseguir guardar nomes, além de me considerar "sabedora" e especialista de um nada com 22 anos. Ás vezes a gente passa a vida toda sem saber muita coisa mesmo... Isso dá medo! /=
[Leia outros Comentários de Camila Martucheli]
3/10/2007
09h27min
Esse é o cara! Millôr, o humorista sério que conhecemos! Como podemos ver nesse texto, ele bebeu muito na fonte do nosso querido poeta Fernando Pessoa. Todos os meus amigos são os melhores. Sempre engraçado nas entrelinhas e com um sutil tom de ironia. Esse é o cara!!! Millôr para ministro dos esquecidos!!!
[Leia outros Comentários de Clovis Ribeiro]
3/10/2007
12h33min
Pra lidar com o ser humano total, em nós e nos outros, só mesmo com muito humor. E que sorte tem alguém que é humorista por natureza! Muitas e muitas vezes só o humor nos salva. Nessas "Notas de um ignorante" não se ignorou nem um pouco as cultas exigências que alguns tipos de vida impõem. Sensacional! Uma delícia de ler.
[Leia outros Comentários de Cristina Sampaio]
7/10/2007
09h45min
Vai ver o senhor tem mais senso prático que muitos intelectuais, ou não? Gosto de ler o que o senhor tem a dizer. Quem nesse mundo não é um ignorante ou não se sente assim em algum momento? É como diz lá o cara da Sicuta, como é nome dele mesmo (putz!)? "Só sei que nada sei".
[Leia outros Comentários de Amábile Grilo]
7/10/2007
15h40min
Quando nos consideramos ignorantes, abrimos a porta para o conhecimento. Ser ignorante é uma virtude, pois não fomos informados de alguma coisa e aceitamos o fato como novo. Já aqueles que não se abrem para o conhecimento, ou recusam aprender aquilo que pode ser aprendido, chamamos de estúpidos. Ser ignorante é bom somente quando a gente se considera a si próprio. Já quando apontamos alguém como ignorante, estamos tentando medir o conhecimento de alguém baseado na nossa ignorância. O grande inimigo da ignorância são os ouvidos. Devemos estar atentos pra ouvir aos outros e realmente escutar o que eles nos dizem, e não praticar a resposta enquanto se ouve. As pessoas que se apresentam como donas da verdade praticam a ignorância e nem sabem. Resumindo, ser ignorante significa não ter sido informado. Praticar a ignorância significa ter uma opinião formada sobre algo que ainda está se desenvolvendo, e ser estúpido significa nao querer aprender, e se achar sábio no assunto.
[Leia outros Comentários de Milton Laene Araujo]
8/10/2007
20h47min
Ah, Millôr, pelo menos você concluiu, ao final do texto, o que realmente é! E eu? Não sou patricinha, nem hippie, tenho curso superior, mas sou estudante do segundo período, não sou magrela, nem mulherão. Também não sei as regras de nenhum esporte, nenhum! Não consegui tocar violão nem pandeiro. Tenho inglês fluente, mas me atrapalho dando aula. Bom, adorei o texto!
[Leia outros Comentários de Juliana]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Português Instrumental 581
Dileta Silveira Martins
Sagra Luzzatto
(2003)



Livro Literatura Estrangeira Minhas Mulheres e Meus Homens
Mario Prata
Objetiva
(1999)



Escrituras que curam
Kenneth E. Hagin
Do autor
(1999)



Qp
Powerpaola
Lote 42
(2018)



Como Desenvolver Todo o Seu Potencial
Charles F Stanley
Central Gospel
(2012)



Livro Ensino de Idiomas Las Memorias De Greta
María De Los Ángeles Jiménez García
Ática
(2001)



Fundamentos da Filosofia: História e Grandes Temas
Gilberto Cotrim
Saraiva
(2006)



Recursos Humanos e Desenvolvimento Agricola Sustentado
Wajih D Maalouf
Salim Farah Maluf



Lídice o Sacríficio de uma aldeia
John Bradley
Renes
(1976)



Sussurro Hush Hush
Becca Fitzpatrick
Intrinseca
(2010)





busca | avançada
49887 visitas/dia
1,7 milhão/mês