A fé no maravilhoso | Carlos Alberto Dória

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Segunda-feira, 2/2/2009
A fé no maravilhoso
Carlos Alberto Dória
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"Desconcertado com a inversão de aparências, começa a se perder no labirinto de uma ação que se enreda e se desenreda em si mesma." (Alejo Carpentier)

Em raros momentos um novelista se aproximou tanto da música como Alejo Carpentier (1904-1980), de quem sai agora, em português, Concerto Barroco (Companhia das Letras, 2008, 88 págs.).

Mais conhecido entre nós por seu extraordinário romance O século das luzes, no qual relata as vicissitudes da Revolução Francesa no mundo colonial e demonstra, de modo dramático, a impostação das liberdades burguesas no mundo caribenho, em Concerto Barroco, com a mesma sensibilidade e criatividade, revela-se um outro lado fascinante desse escritor que, junto com Lezama Lima, se perfila entre os maiores expoentes das letras cubanas e latino-americanas em todos os tempos.

Perguntado certa vez sobre o que o mobilizava além da literatura, esse jornalista, editor e funcionário do serviço diplomático de Cuba respondeu: "A música, indubitavelmente". Com pai e avó músicos, "a prática da música foi coisa corrente em minha família desde várias gerações. Daí que eu estudei a técnica musical com grande facilidade, apaixonando-me, desde a adolescência, pelos problemas da arte sonora".

Como jornalista e, depois, como diplomata, ele mesmo foi testemunha de vários momentos cruciais da história da música. Esteve presente na criação do Bolero de Ravel em Paris; na estréia de Stravinsky em Veneza; assistiu a vários concertos de Villa-Lobos e teve oportunidade de comentá-los em artigos de jornal. Assim, identificou em Villa-Lobos, já em 1928, tendo Carpentier apenas 24 anos, "um dos poucos artistas nossos que se orgulham da sensibilidade americana, sem se preocupar em desnaturá-la".

Uma estética da fé
Como concepção estética, Alejo Carpentier desenvolveu o conceito de barroco como uma espécie de universal do espírito humano. Escreveu, no ensaio "O barroco e o real maravilhoso": "Nossa natureza é indômita, como nossa história, que é a história do real maravilhoso e do insólito na América (...) e se nosso dever é o de revelar este mundo, devemos mostrar, interpretar nossas coisas. E estas coisas se apresentam como coisas novas a nossos olhos. A descrição é inequívoca, e a descrição de um mundo barroco há de ser necessariamente barroca".

Por insólito ele entendia a própria carnavalização da política e da vida social tentando reproduzir uma Europa que mal se compreendia do lado de cá do Atlântico. Como exemplo ele cita a "religião positivista" de Auguste Comte, cujo delírio foi levado particularmente a sério no Brasil, onde surgiu uma igreja e um culto verdadeiro. Portanto essa leitura do novo, do insólito, deu-se em duas mãos de direção.

Durante o período no qual prevaleceu a leitura europeizada do novo mundo, isto é, dos séculos XVI ao final do XIX, a preocupação básica foi a de integrar esse novo no inteligível, evitando rupturas profundas na linguagem ocidental. Pode-se dizer que, desde os cronistas coloniais até os cientistas viajantes, a submissão da realidade percebida à linguagem européia constitui o esforço mais notável.

Logo nas primeiras páginas de Concerto Barroco há a descrição de um quadro, onde esta submissão fica clara: "Um Montezuma entre romano e asteca, com um ar de César coroado com penas de quetzal, aparecia sentado num trono em que se mesclavam o estilo pontifical e o de Michoacán". Sob essa dualidade de referências, temos a assunção do barroco como a nossa primeira e autêntica expressão, o que se deu sob a égide do modernismo.

Muitos analistas indicam o barroco como uma invenção moderna, um "não-estilo" se tomado em termos históricos. Carpentier preferiu relacioná-lo com a fé. "Muitos se esquecem de que o maravilhoso começa a sê-lo de maneira inequívoca quando surge de uma inesperada alteração da realidade (o milagre), de uma revelação privilegiada da realidade, de uma iluminação inusual ou singularmente favorecedora das inadvertidas riquezas da realidade, de uma ampliação das escalas e categorias da realidade, percebidas com particular intensidade em virtude de uma exaltação do espírito que o conduz de certa forma a um 'estado limite'. Para começar, a sensação do maravilhoso pressupõe a fé".

Este ponto de vista místico, formado mais pelos sentidos do que pela razão, é a plataforma estética de Carpentier. Analisando, por exemplo, a arquitetura de Havana, suas ruas mal traçadas, as sacadas que se projetam sobre a rua de forma desordenada, produzindo sombras na calçada, comenta: "Alguém chega a se perguntar, hoje, se não se oculta uma grande sabedoria nesse mal traçado que ainda parece ditado por uma necessidade primordial ― tropical ― de jogar o esconde-esconde com o sol, buscando superfícies, arrancando sombras, fugindo de seus tórridos anúncios de crepúsculo".

Assim, a sustentação do pseudo "mal feito" não corresponde ao erro, e permite vislumbrar um acerto que não pertence ao domínio da racionalidade.

A experiência musical como literatura
Não à toa, Carpentier considerava Concerto Barroco a sua "suma teológica". Ela não traz a discussão sobre a música e a composição musical para dentro do romance, mas coloca a novela na andadura da própria composição musical: a feitura de uma ópera sobre Montezuma, de autoria de Antonio Vivaldi e, ao que parece, depois repetida por outros autores.

O tema operístico da conquista do México é tratado no Concerto Barroco como uma alegoria dentro da alegoria novelística, isto é, como o "real maravilhoso" de sua teoria estética sobre o mundo colonial.

No enredo da novela, em inícios do século XVIII, um milionário da prata mexicana deixa a terra natal para uma temporada de luxos e prazeres em Veneza. Chegando à cidade em pleno carnaval, e após passar pela decadente Madri, o amo e seu criado Filomeno são protagonistas de uma história que desemboca na idéia da ópera, fazendo confluir a música do Velho e do Novo Mundo.

O milionário, fantasiado de Montezuma numa cidade carnavalizada, e o negro Filomeno, "que não vira necessidade de fantasiar-se ao perceber a que ponto parecia máscara sua cara natural entre tantas antefaces brancas", encontram o Padre Ruivo que, ouvindo a história da conquista, identifica nela um "bom tema para uma ópera", arrastando-os em seguida para um convento de freiras e hospedaria de órfãs, onde, em meio a todo tipo de bebidas, os nomes das moças "foram se reduzindo ao instrumento que tocavam. Como se as moças não tivessem personalidade, ganhando vida em som".

Alça-se um "concerto grosso" onde Antonio Vivaldi, com ímpeto, lança-se no frenético "alegro" das 70 mulheres, enquanto Domenico Scarlati fazia escalas vertiginosas no cravo. Nesse ínterim, é Filomeno que entra em cena, com uma bateria de panelas, tachos e caldeirões, golpeando-os com colheres e escumadeiras, sinfonizando-se com violinos, oboés, rabecas, pianos de manivela, violas de gambá, num verdadeiro escândalo do céu. "Diabo de negro!, exclamava Vivaldi, quando quero marcar um compasso, ele me impõe o dele. Vou acabar tocando música de canibais."

As dificuldades da ópera são várias. Por exemplo, "amor de negro com negra seria motivo de riso; e amor de negro com branca, não é possível ― pelo menos no teatro". Mas o enredo produzido pelo libretista vai contornando todas as dificuldades de tal forma que, ao final, ao milionário mexicano tudo parece "falso, falso, falso". Deuses semelhantes aos diabos inventados por Bosch? Hernán Cortés perdoando seus inimigos e celebrando casamentos com os conquistados? Os próprios conquistadores "tentando remedar a fala mexicana?" Ora, mas nenhuma dessas objeções faz sentido numa ópera: "Não me venha com história quando se trata de teatro. O que conta aqui é ilusão poética...".

Se a fidelidade histórica não conta, entende-se também porque, afinal, aparecem na novela referências à Torre Eiffel, a Louis Armstrong e tantas outras que parecem estranhas numa novela que, aparentemente, se ambientava no século XVIII ― aquele do ciclo de óperas '"montezumianas".

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista Trópico, em dezembro de 2008. Carlos Alberto Dória é doutor em sociologia, pesquisador-colaborador do IFCH-Unicamp e autor de Com unhas, dentes e cuca (em co-autoria com Alex Atala), Bordado da fama e Os federais da cultura, entre outros livros.

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Carlos Alberto Dória
São Paulo, 2/2/2009
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