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ENSAIOS
Segunda-feira,
20/4/2009
Em defesa de John Neschling
Nelson Rubens Kunze
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É uma ironia do destino. No momento em que a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo alcança a maior repercussão da história sinfônica nacional, a Fundação Osesp decide romper o contrato e demitir o maestro John Neschling, principal responsável pelas conquistas da orquestra.
Não custa repetir. No que diz respeito à atividade de nossa música clássica, a Osesp é um marco histórico, um divisor de águas. Um projeto visionário e um investimento público inédito viabilizaram uma realidade cultural que alçou a vida musical paulista a patamares de qualidade internacional. São poucas as cidades no mundo que possuem uma orquestra que oferece um repertório equiparável ao da Osesp. Uma orquestra dinâmica, participativa, que impulsiona a vida e a cultura, com um repertório erudito, vivo, instigante e provocador. E isso se deve em grande parte à visão e à liderança de um empreendedor, o maestro John Neschling.
Qual é a força, senão a de interesses estranhos aos da promoção cultural, que faria cristalizar a decisão de demitir um maestro que realiza um trabalho paradigmático reconhecido cada vez mais no mundo inteiro? Qual é a motivação capaz de afastar antecipadamente da direção desse projeto o seu mentor e diretor?
Todos sabemos que o maestro Neschling é um homem de personalidade forte, que sabe o que quer e que não mede esforços para alcançar suas metas. Mas todos sabemos, também, que a Fundação Osesp, o maestro e a orquestra vinham sofrendo pressões. Por que razão? Por que não havia mais "condições políticas" de sustentar o maestro? Por que tornou-se imperativo demitir o maestro que demonstrava, dia após dia, um trabalho exemplar com crescente repercussão mundial? E onde fica o tal do interesse público ― concertos, programas educacionais, formação de público, edição de partituras, encomenda de obras, gravação de CDs, projeto academia, transmissões radiofônicas etc. ―, que nessa área nunca fora tão bem atendido?
Claro que a orquestra sinfônica que desejamos ― como projeto cultural público ― é aquela que não dependa exclusivamente de um maestro. A orquestra deve estar inserida em um arcabouço institucional maior, que promova a produção cultural bem como a sua inserção social. Também esse passo foi dado por John Neschling em conjunto com o governo, quando foi criada a Organização Social Fundação Osesp e assinou-se o contrato de gestão. Naquele momento, em 2005, quando implantou-se um novo e moderno modelo de gestão pública, a orquestra ganhou uma estrutura institucional, que tem como finalidade fornecer as condições para a consolidação de suas importantes conquistas.
O modelo das Organizações Sociais da Cultura repousa sobre dois fundamentos: o do financiamento seguro e o da autonomia de gestão. Fernando Henrique Cardoso, presidente do Conselho da Fundação Osesp, garantiu que, no caso Neschling, a autonomia da Fundação perante o governo esteve preservada. Quanto ao financiamento, esperamos que a Fundação Osesp tenha a percepção cultural e a força necessária para que possa ― mesmo sem ter ao lado alguém com a perseverança e o compromisso do maestro Neschling ― garantir a continuidade do investimento financeiro estatal que este projeto paradigmático exige.
Não sei se a comunidade musical já se deu conta de que, além de termos perdido um maestro, também perdemos um dos mais eloquentes, articulados e aguerridos defensores de nossos interesses e da promoção da música clássica no Brasil.
Não será necessário zelar pela divulgação e memória do trabalho extraordinário que o maestro John Neschling realizou ― tenho certeza de que ele se inscreverá sozinho na história de nosso país. Ainda assim, é uma pena que nossas autoridades não reconheçam o trabalho que o maestro Neschling realizou em prol da cultura e do desenvolvimento de nosso país.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na Revista Concerto nº 148, edição de março de 2009. Nelson Rubens Kunze é diretor-editor da Revista Concerto.
Nelson Rubens Kunze
São Paulo,
20/4/2009
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