Oscar Wilde, dândi imortal | J.C. Ismael

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Segunda-feira, 22/3/2010
Oscar Wilde, dândi imortal
J.C. Ismael
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+ 1 Comentário(s)

"E lágrimas desconhecidas encherão para ele/ a urna da Compaixão, há muito trincada./ Pois quem o pranteia são homens proscritos/ e esses choram sempre." (Epitáfio sobre o túmulo de Oscar Wilde, transcrição dos versos finais do capítulo IV da Balada do cárcere de Reading)

No dia 30 de novembro fará 110 anos que Oscar (Fingall O'Flahertie Wills) Wilde morreu. Seus 46 anos aparentavam muito mais devido à devastação física, causada pela meningite, e sequelas de uma infecção mal curada. Somadas à solidão, depressão e pobreza, borraram os vestígios do sofisticado dublinense que por quase duas décadas usara a aristocracia vitoriana como pretexto para criticar a superficialidade das relações humanas. Na (re)leitura das suas obras é fácil detectar que seus poemas de estreia têm a originalidade comprometida por uma adjetivação desnecessária, e que a adoção dócil ao esteticismo decadentista da arte pela arte também contribuiu para torná-lo pouco palatável aos leitores. Mas com seu amadurecimento é impossível negar o encanto das peças epigramáticas e não se comover com as reflexões tecidas no fim da vida sobre o desamparo humano diante da tirania do destino.

Objeto de riso nas escolas que frequenta em Dublin e Oxford, por causa dos trajes exóticos e maneiras afetadas, símbolos de uma rebeldia difusa, Oscar Wilde começa a ganhar notoriedade em 1881, quando seus poemas, publicados esparsamente, são reunidos num livro. No ano seguinte, percorre o Canadá e os Estados Unidos fazendo palestras em universidades. Perguntado pelo funcionário da alfândega de Nova York sobre o que tinha a declarar que levava na bagagem, responde: "Nada, a não ser a minha genialidade". Os aplausos para a peça Vera, então em cartaz naquela cidade, aumentam a curiosidade em ouvir o já lendário frasista, mas a imprensa americana o crucifixa por causa da maneira debochada com que trata assuntos que vão da religião à (in)fidelidade conjugal. Os ataques fazem-no reagir com mais irreverência, o que acaba por desgastá-lo, mesmo porque ficara evidente que a suposta originalidade das suas teorias estéticas havia sido bebida nos textos de Mathew Arnold e Walter Pater. Mesmo assim, ao defender a importância da subjetividade na expressão artística e a liberdade na realização pessoal, dá uma contribuição importante ao romantismo, ao utilizá-lo como instrumento de investigação da realidade.

Execrado pelos progressistas, que exigem o engajamento do artista na luta pelas transformações da sociedade, e pelos conservadores, que o acusam de enaltecer uma forma de arte sem apreço pelas tradições britânicas, extasia-se com essa unanimidade. Em 1884, Constance Mary Lloyd, da burguesia londrina, torna-se sua mulher e lhe dá dois filhos, Cyril e Vyvyan, mas Wilde jamais seria um modelo de patriarca vitoriano. As críticas literárias que publica no Pall Mall Gazette, coloridas com deliciosas ambiguidades, trituram tudo o que não exalte o prazer estético, assunto desenvolvido nos instigantes ensaios publicados em 1891 com o título de Intenções, reflexões sobre arte e cultura que nenhuma pessoa instruída pode desconhecer.

A carreira de Wilde atinge o ápice em 1891, com a publicação de O crime de Lorde Arthur Saville e outras histórias e do seu único romance, O retrato de Dorian Gray, cujo sucesso ajudou a promover seus livros de contos infantis, O príncipe feliz e Uma casa de romãs. Dorian Gray é personagem de citação obrigatória quando se discute o tema sempre provocante do homem e seu duplo. Romance de ideias pontilhado de faiscantes diálogos entre o entediado e perverso Dorian ― parente espiritual do "decadente" Des Esseintes, o sombrio personagem criado por J.K. Huysmans no romance Às avessas ― e seus amigos Harry e lorde Henry, é a história de um aristocrata jovem e bonito que não envelhece, enquanto seu retrato sofre repugnantes metamorfoses até se tornar num monstro horrendo. Metáfora da decomposição dos valores éticos de uma sociedade paralisada por convenções hipócritas, é também uma espécie de epifania ao contrário: quando Dorian morre, ao retalhar o retrato, este readquire os belos traços da juventude, enquanto o personagem transforma-se num ancião deformado.

Wilde escreveu duas tragédias históricas para o palco. A duquesa de Pádua, de 1892, é mal recebida pelo público e pela crítica, e Salomé, em um ato, nem chega aos teatros ingleses porque a legislação proibia peças inspiradas em personagens bíblicos. Escrita em francês, a peça estreia em Paris em 1894, com Sarah Bernhardt encarnando a voluptuosidade gelada da cruel dançarina. O período mais prolífico e rico da sua carreira teatral vai de 1892 a 1895: nele foram encenadas O leque de Lady Windermere, Uma mulher sem importância alguma, O marido ideal e a obra-prima A importância de ser prudente, que J.B. Priestley chama de "um presente ao mundo do espírito irlandês".

O público delira com seu sarcasmo especulativo, embora parte da crítica relute em aceitá-lo com o mesmo entusiasmo, vendo nele mais afetação que genialidade, sem outro compromisso que o da autopromoção. Mestre da valorização do understatement, a leitura atenta dessa quadrilogia mostra, porém, que o cinismo, ou a suspensão do julgamento moral, é recurso usado para expor as vísceras de uma sociedade onde inexistia a preocupação com a realização pessoal digna. Ao gozar dos outros, diretamente ou por meio dos seus personagens, Wilde quer exorcizar o cínico puritanismo impregnado no cotidiano das pessoas e a sua insensibilidade no trato com a beleza, mostrando como "o vício supremo da superficialidade" impregnava as relações humanas do seu meio. Como diz o personagem John a Algernon em A importância de ser prudente: "Pelo amor de Deus, não tente ser cínico. É facílimo ser cínico".

Autor de uma dramaturgia aparentemente desengajada, Wilde pretende servir de espelho convexo para mostrar a visão distorcida que a hipócrita aristocracia vitoriana tinha da realidade, subjugada que estava aos seus mesquinhos interesses pessoais e à visão preconceituosa do mundo. Porém, o leitor ingênuo, hipnotizado pelo brilho dos diálogos, parece estar diante de um defensor, e não de um crítico, dessas vidas vazias. Lembre-se ainda que Wilde tinha sólida formação cultural e histórica. Cultuava o hedonismo sadio, a dúvida metódica e o autodomínio dos filósofos epicuristas, "traduzindo-a" para o palco com humor rascante.

Usando a linguagem teatral com maestria, consegue o raro feito, como lembra o saudoso Décio de Almeida Prado, de criar uma comicidade em que "o espírito pessoal do autor não é apagado pelos personagens". Incapazes de reinventar a realidade, fogem dela porque a desprezam ou apenas porque detestam tudo que os faz pensar: a partir dessa alienação, o autor criou a essência da sua dramaturgia. Foi um gênio no gênero? Certamente, não. Segundo Paulo Vizioli, como poeta, esteve bem abaixo de muitos outros vitorianos como Tennyson, Browning ou Hopkins; como romancista, não pode ser comparado aos grandes ficcionistas da época como Dickens, Thackeray, George Eliot e Hardy, e como dramaturgo, apesar de ter contribuído para a renovação do teatro de língua inglesa, seria superado por seu conterrâneo George Bernard Shaw. Porém, apesar dessas e de outras restrições, Wilde não é nem de longe um autor datado: somente na última década foram produzidos cerca de vinte filmes com o argumento das suas peças de teatro, enquanto estas continuam a ser encenadas nos principais palcos do mundo.

Em 1895 Wilde começa sua estadia no inferno, da qual só a morte o libertaria, no ano de 1900, solitário e praticamente esquecido, num quarto do modesto Hôtel d'Alsace, em Paris. Desde 1891, sua amizade com lorde Alfred Douglas ("Bosie"), então com 21 anos, era objeto de fofocas e risinhos mal disfarçados. Mas a complacência com a dupla poderia ter continuado se ele não partisse para uma empreitada irresponsável: processar o pai de Bosie, o olímpico e irascível marquês de Queensberry, ao descobrir um cartão no qual critica o relacionamento homossexual dos dois e acusa Wilde de "posar como um sodomita". Como pai e filho detestavam-se no limite, Bosie estimula o amante, contra a opinião dos amigos, a processar o pai.

Sem surpreender ninguém, a não ser o réu, o ultraconservador tribunal de Old Bailey absolve Queensberry que, por sua vez, dá o troco e denuncia Wilde por atos de gross indecence, ou seja, a prática de atos obscenos, um delito menos grave que a prática de homossexualismo. Detido, é libertado provisoriamente sob fiança, mas na terceira vez que enfrenta o tribunal é condenado a dois anos de reclusão, com a pena acessória de trabalhos forçados. Para sua sorte, as hilariantes discussões feitas em busca de um consenso sobre a definição de sodomia livram-no da prisão perpétua. A maior parte da sentença é cumprida na prisão do condado de Reading, experiência terrível que o inspira a escrever, depois de libertado, A balada do cárcere de Reading. Publicada em 1898, evoca a execução na forca, em 1896, do soldado Charles Thomas Wooldridge, a quem o livro é dedicado, por ter matado a mulher. Esses plangentes versos são um clássico libelo contra a desumanidade do regime carcerário em todos os tempos e lugares.

O envolvimento com o mimado, impulsivo e arrogante Bosie tinha tudo para dar errado. Wilde sabia estar alimentando "uma amizade trágica", mas nem por isso ― ou por causa disso ― faz qualquer coisa para abortá-la. Humilhado pela infidelidade serial e pelos caprichos do jovem amante, torna-se refém do ciúme e da idealização romântica que sempre ridicularizara. Na biografia de Bosie escrita pelo crítico americano Douglas Murray, este afirma que Wilde não foi condenado à prisão por causa do seu envolvimento com o jovem aristocrata, mas com garotos de aluguel, fato que, apesar de ser público e notório, Wilde não teve coragem de admitir. De qualquer forma, o relacionamento dos dois (mais platônico, que sexual, afirma Murray), alimentado com obsessão por Wilde, contribui decisivamente para destruir-lhe a carreira e a vida, sugerindo com isso que a proclamada autoestima ("Não adoro outro homem além de mim mesmo", declarou no tribunal, que não poupou de ridicularizar) fosse mero jogo de cena.

No cárcere, escreve uma longa carta a Bosie, publicada em parte cinco anos depois da sua morte, com o título de De Profundis dado pelo amigo, biógrafo e executor testamentário Robert Ross, a quem deixa instruções de só autorizar em 1960 a liberação do texto em que ataca duramente Bosie. Transcendendo o mero relato epistolar e escrito em forma de apologia, recorda ora com amargura, ora com saudade, a deletéria relação dos dois, reflete sobre a importância da arte como manifestação por excelência do espírito humano e descreve o inferno da sua condenação: "um dia em que não se chora é um dia em que o coração está duro, e não um dia em que o coração está feliz". Bosie, que tentava se firmar como poeta, luta como pode para tirar Wilde da prisão, chegando a pedir o indulto à rainha Vitória.

Libertado em maio de 1897, Wilde vive na semiclandestinidade e adota o pseudônimo de Sebastian Melmoth, emprestado de John Melmoth, personagem-título do romance gótico do tio-avô Charles Robert Maturin. Deixando a Inglaterra para sempre, parte na companhia de Bosie para Benerval, isolada aldeia francesa, onde moram por alguns meses. Depois de curta permanência em Nápoles, escolhem Paris para viver, mas as mágoas recíprocas asfixiam a convivência e Bosie volta sozinho para Londres. Sua vida também mudara: após perder a custódia do filho por causa do escândalo em que se envolvera, torna-se uma pessoa belicosa, tripudia sobre a memória de Wilde e acusa Winston Churchill de corrupção, o que lhe custa seis meses de prisão. Pobre e esquecido, morre em 1945.

A rotina de Wilde em Paris em nada lembra a agitação dos anos dourados. Faz longas caminhadas solitárias, relê os autores da juventude, escreve longas cartas para os poucos amigos que restam. Encontra-se algumas vezes com André Gide, de quem gosta muito, mas lamenta que "seus lábios são de alguém que jamais experimentou o prazer da mentira". Nos últimos meses de vida, longos períodos de depressão fazem-no ansiar pela morte. Quando ela chega, está na companhia de Ross e do inseparável Reggie Turner, que providenciam o sepultamento no humilde cemitério de Bagneaux. Em 1909, os seus restos mortais, espantosamente conservados, são transferidos para o cemitério de Père Lachaise onde repousam sob a bela escultura de Jacob Epstein representando um anjo (ou demônio?) alado nu.

Nota do Editor
J.C. Ismael, escritor e jornalista, é autor de, entre outros, O Médico e o Paciente ― Breve história de uma relação delicada e Sócrates e a arte de viver. Leia também "Dorian Gray abre o sótão: Orkut" e "Polêmicas".


J.C. Ismael
São Paulo, 22/3/2010
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Mais J.C. Ismael
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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
23/3/2010
12h29min
Ismael, mais uma vez você mostra com brilho e delicadeza sua erudição e vocação de pedagogo. Wilde é uma figura perfeita para a leitura de J.C. Ismael pela sua complexidade e picardia.
[Leia outros Comentários de Frederico L. Menezes]
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