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Quarta-feira, 13/7/2016
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Reid Hoffman por Tim Ferriss


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Postado por Julio Daio Borges
13/7/2016 às 16h05

 
...mal me quer, bem me quer...

Antigamente
me escondia
na rua
(ou me achava?)

Hoje me
escondo
em casa
(ou me perco?)

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Postado por Metáforas do Zé
13/7/2016 às 08h55

 
Software Programs the World



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Postado por Julio Daio Borges
12/7/2016 às 16h35

 
Cadê os meus óculos?

Pouco antes de começar a escrever esse texto, perdi cerca de cinco minutos à procura dos meus óculos, até perceber que o danado estava grudado por sobre a minha cabeça.

Impressionante o tanto que me tornei escravo desse simples objeto.

Dessas coisas que o passar do tempo me faz aborrecer; pressão alta, diabetes, esquecimentos, nada me incomoda mais do que a lenta perda da visão.

Não faz muito tempo que sou dependente do uso de óculos, cinco ou seis anos, a minha deficiência é pequena, menos de dois graus, e uso apenas para enxergar o que está perto.

É mal tão indesejado que tem o terrível nome de presbiopia, ou simplesmente vista cansada.

Ironicamente vejo perfeitamente o que está longe, mas não consigo enxergar a um palmo do nariz.

Na ânsia de por fim a esse pesadelo, comprei na farmácia cinco pares de óculos, que espalhei por diversos locais; a mesa de trabalho, a cabeceira da cama, o console do carro, no banheiro, acima da tevê e resisti bravamente à vontade de deixar um na porta da geladeira, que sempre abro, às vezes apenas por abrir, mas que me pareceu um lugar lógico para guardar tão precioso objeto.

Não tardou uma semana para perder os cinco.

Estou sempre com a interrogação na ponta da língua: cadê os meus óculos?

De um modo automático, sem perceber, coloco os óculos presos acima da cabeça e fico parecido a um inseto dos olhos tortos.

Sim, já pensei em cirurgia, mas tenho medo de cortes na carne, pensei em lentes de contato, mas me apavora imaginar a dependência de colírios, fora que não conseguirei acertar os pingos nas vista e isso irá me atormentar ainda mais que procurar os óculos, além, é claro, da certeza pujante que perderei as lentes logo nas primeiras semanas.

Eu já dormi usando óculos, porque preciso deles apenas para leituras e não consigo pegar no sono sem antes ler.

Também já tive um sonho esquisito, no qual estou usando óculos e, do nada, surge um bandido, daqueles dos quadrinhos, vestido de riscado e com tiras nos olhos, tão empolgado que desprezou meu carro e o dinheiro, e saiu em disparada, sorrindo enlouquecido, levando nas mãos apenas meus óculos, porque não visava lucros ou fortunas, era apenas um quase cego feito eu.

Para acrescer o sofrimento, as lentes dos meus óculos vivem embaçadas.

Não há solução no mundo capaz de deixá-las limpas.

E se você também usa óculos, tome cuidado ao chegar perto de mim.

É que de tanto limpar o meu, acabei pegando o irresistível costume de acusar o embaçar dos óculos alheios, faço isso numa naturalidade comovente, como uma criança que se depara com o brinquedo quebrado nos braços de outra criança.

E se a pessoa é um amigo ou parente, não resisto em apanhar seus óculos e limpar com esmero, na ponta da camisa ou em qualquer fiapo de pano que estiver ao alcance.

Agora, enquanto limpo novamente as lentes embaçadas, me pego pensando se não ficaria muito cafona se eu usasse aquelas cordinhas que amarram os óculos em volta do pescoço, conformado que, sem isso, estou condenado a viver eternamente com eles levantados acima da cabeça.

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Postado por Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ
9/7/2016 às 13h41

 
Poema em Linha Reta - Pessoa

Fernando Pessoa

Ele que me mostrou que é possível ser grande sem deixar de ser humano.

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


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Postado por O Equilibrista
8/7/2016 às 14h42

 
Pensando, com a mão e o carvão (GIF)

Esboço, para quadro futuro.

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Postado por Blog de João Werner
8/7/2016 às 11h12

 
Amor muito mata

O livro carta romance Os Sofrimentos do Jovem Werther de Goethe provocou angústia tão grande na sociedade europeia após sua publicação, que muitos jovens se suicidaram. Esta declaração de amor de Werther para Carlota é considerada uma das mais belas da literatura universal:

“Retido hoje por uma reunião a que não podia faltar, não fui à casa de Carlota. Que hei de fazer? Mandei lá o meu criado, apenas para ter junto de mim alguém que se tivesse aproximado dela. E com que impaciência o esperei. Com que alegria o vi regressar! Deu-me vontade de beijá-lo, mas tive vergonha.

Conta-se que a pedra de Bolonha, quando exposta ao sol, furta-lhe os raios e fica por algum tempo luminosa durante a noite. Pareceu-me haver acontecido o mesmo com o meu criado. Só o pensar que os olhos de Carlota tinham pousado em seu rosto, nas suas faces, nos botões da sua libré, no seu colete, fez com que ele se tornasse para mim tão precioso, tão sagrado!”

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Postado por Blog de Anchieta Rocha
7/7/2016 às 23h25

 
UM NOME E TANTO...

Em seus últimos momentos, Juan de la Concepción Joaquin Esteban Fradique de Urtiaga carregava o peso de um enorme desgosto pela vida fracassada, agravado pelo tamanho sem fim de um nome de batismo pomposo que servira de mote inesgotável de piadas maldosas por parte dos conhecidos.

Consta da tradição oral que suas derradeiras palavras foram: “caralho, a porra desse nome não caberia nem na lápide que não vou ter.”

De fato, foi com um sentimento de alívio que se livraram do defunto, encontrado no pântano, já em adiantado estado de decomposição, mas surpreendentemente intacto, sem ter sido abocanhado sequer pelos crocodilos que infestavam aquelas águas pútridas nos confins da aldeota, com apetite insaciável.

Como ninguém reclamou o corpo e não houve vivalma disposta a velar o morto ou acompanhá-lo ao domicílio final, até porque o fedor que exalava era insuportável, foi enterrado num caixote improvisado de madeira de entulho que lhe arranjaram às pressas, pelo temor de que, se fosse para a cova rasa embrulhado num lençol velho, resolvesse voltar para assombrar os viventes.

A verdade, porém, é que Juan de Urtiaga, depois de morto, angariou um prestígio que jamais tivera em vida, sendo invocado, de início, nos terreiros e congás, como uma entidade de temíveis poderes, que levaram à loucura alguns médiuns desavisados que ousaram incorporá-lo e acabaram se atirando de um penhasco para o abismo sem fundo que delimitava um dos extremos do povoado, numa espécie de reprise do episódio bíblico da vara de porcos endemoninhados que, desatinados, se lançaram de um despenhadeiro para a morte.

De sorte que nas preces e exortações que lhe dirigiam com pedidos de luz para sua alma atormentada, seu nome de batismo deixou de ser declinado, passando a ser respeitosamente designado como o Guardião das Águas Paradas, de quem esperavam as benesses de seus misteriosos prodígios.

Nascera órfão de pai ignorado e mãe anônima que o depositara, como nos clichês dos folhetins antigos, na calada de uma noite tormentosa de inverno, defronte à porta da igrejinha do povoado de Urtiaga, um lugarejo sem registro no mapa, formado por um arruamento de modestas casas de porta e janela e pelo prédio maltratado da prefeitura que também abrigava, nos fundos, a dependência policial com sua única cela, onde os poucos bêbados do lugar curtiam sua ressaca. Esse vilarejo esquecido de Deus limitava-se de um lado pela escarpa pedregosa de vegetação rasteira e plantas venenosas e de outro por um pântano de fétidos miasmas deletérios.

O recém-nascido e futuro Juan de la Concepción Joaquin Esteban Fradique de Urtiaga foi recolhido de manhã pelo pároco da aldeia, de quem se dizia que fora, certa vez, visto com um halo de santidade pairando sobre sua cabeça, durante a procissão do dia da Ascensão do Senhor.

Quanto ao nome que recebera na pia batismal, as opiniões se dividiam entre aqueles que acreditavam tratar-se de um ato piedoso do padre ao atribuir ao enjeitado apelidos de família escolhidos entre aqueles com fumaças de nobreza, enquanto outros, com extrema malícia, achavam que a escolha do padre fora motivada por pura ironia.

Seguindo o destino dos enjeitados, Juan de Urtiaga fora coroinha em menino e sacristão quando trocara as calças curtas de zuarte pelas calças compridas de um tamanho maior, com fundilhos de coar café, arrepanhadas entre as sobras de um bazar de caridade.

─ Ô joão-ninguém do sino, já coou o café do vigário hoje? – motejavam os colegas do colégio público onde aprendera as primeiras letras.

Ele calava diante das piadas e dos insultos de mulher do padre, até que seus olhos, sem que ninguém reparasse, começaram a mudar de cor, adquirindo um aspecto estranho. Então, acontecimentos inusitados se desencadearam, quebrando a rotina movimentada do recreio quando o valentão da turma, depois de provocar Juan de Urtiaga até arrancar gargalhadas e gracejos do resto dos meninos, de repente cagou-se e mijou-se todo, como se tivesse visto algo aterrador em plena luz do dia, empestando o pátio do colégio com uma fedentina tal que tiveram de suspender as aulas por três dias para lavagem de todo o prédio com litros e mais litros de água sanitária e soda cáustica até que o cheiro de merda desaparecesse.

A partir daí, ninguém mais se atreveu a mexer com Juan de Urtiaga, que passou a ser evitado, principalmente pelo valentão da turma que mudava de calçada para não cruzar como ele. Juan até se alegrou com esse isolamento, pois jamais se sentira à vontade na presença dos outros. E já nem pensava mais no assunto, quando começaram os sonhos premonitórios.

E foi assim que acordou em sobressalto, quase caindo do catre em que dormia no quarto de guardados da casa paroquial, por causa da visão clara de onde morava a mãe biológica que jamais conhecera e cujo nome e sobrenome ressoaram em seus ouvidos como um eco de palavras gritadas na nave de uma imensa catedral vazia.

Madrugada ainda, pôs-se a caminho, mastigando um pedaço pão dormido como desjejum, pois o trajeto a percorrer seria longo até chegar ao lugar onde, num casebre de pau-a-pique, morava uma anciã de melenas brancas que lhe caíam até a bainha de uma bata imunda e rota, que fedia como dez gambás.

─ A senhora é Doña Violante de la Anunciación de Roncesvalles – afirmou Juan de Urtiaga mais que perguntou, ante a figura espectral que assomara à porta do casebre, mal refeito da surpresa de haver pronunciado de cor o nome e o sobrenome, até aquele dia completamente ignorados, de sua mãe desnaturada, como se ele fosse um boneco de ventríloquo manipulado por uma entidade invisível.

─ Some daqui, emissário do Belzebu! Quem te mandou? Aposto que foi aquele padre de meia pataca que teima em não arder no fogo inferno. Sabe o que ele anda espalhando por aí? Que sou uma feiticeira. Tudo por inveja das curas das minhas ervas. Parece que tem medo da concorrência, pois as rezas dele só fazem efeito depois que o cristão entrega o corpo à terra.

Sem arredar pé diante dos vitupérios da anciã e debaixo de uma chuva de perdigotos saídos de sua boca desdentada, Juan com uma voz surdinosa sussurrou para a megera:

─ Sou seu filho, mãe.

Nem ele mesmo acreditou nas palavras que escaparam de seus lábios, e teve então a certeza de que definitivamente estava sendo manejado por alguma força alheia à sua própria vontade. Para dramatizar ainda mais aquele instante de absoluta perplexidade e espanto, a mãe, sem dizer palavra, cingiu-o em seus braços esqueléticos.

Juan, passando a viver com sua mãe biológica até então desconhecida, abandonou o ofício de sacristão, e só lhe deram pela falta quando, às seis horas da tarde, o sino do campanário não tocou as badaladas da Ave-Maria, e dizem que desde então grassou um tempo de adversidades que levou à ruína o que restava do povoado.

Sua mãe iniciou-o na arte hermética dos herbanários ancestrais, ensinando-lhe os segredos das ervas curativas dos males do corpo e do espírito e os arcanos proibidos das plantas de amavios e dos filtros de bem-querer e malquerer.

Aos poucos, foi-se operando uma metamorfose quase imperceptível em Juan de Urtiaga cujos olhos passaram a irradiar uma coloração iridescente de rara serenidade e harmonia, enquanto sua mãe rejuvenescia a olhos vistos, adquirindo o porte adelgaçado de uma matrona de traços senhoriais que nada tinha a ver com a aparência tosca do filho que gerara, fruto da imaturidade da adolescência, que mais parecia um boneco talhado a machado sem corte pelas mãos brutais de um lenhador e era a lembrança viva da insensatez que arruinara sua vida. Certa noite, sem nenhum aviso, deixou em silêncio o barraco do pântano, libertando-se para sempre da presença do filho que pela segunda vez renegava.

Foi desse modo, com toda crueldade e bruteza, que o destino golpeou-o mais uma vez, e Juan de la Concepción Joaquin Esteban Fradique de Urtiaga internou-se no pântano, passando a conviver com répteis, serpentes, batráquios, lacraus e toda espécie de animais repulsivos e peçonhentos que constituíam a fauna do pântano e aos quais alimentava com as aves que alvejava com seus olhos mutantes, em pleno voo, até caírem fulminadas.

Seus olhos adquiriram para sempre uma coloração de magma incandescente toda vez que alguma coisa o desgostava. Conta-se que ao morrer, quando suas pálpebras se cerraram, uma primavera súbita fez rebentar em flores o carrascal de cipós, ramagens cortantes como fio navalha e plantas bravas do pântano inóspito e indomável, mas quando, por efeito de um espasmo da musculatura facial, os olhos do defunto reabriram, todas as flores murcharam e nunca mais voltaram a brotar.

Segundo o relato dos moradores mais velhos do povoado, depois da morte de Juan de Urtiaga, insólitos acontecimentos subverteram a rotina do lugar, como a desorientação dos galos que passaram a cantar fora de hora e o delírio dos cães que uivavam nas noites de lua cheia até o raiar do dia, além do absoluto desgoverno das estações do ano, que não ocorriam na época devida, levando à ruína os agricultores que já não sabiam mais quando era chegado o tempo de semear nem o tempo de colher. Ninguém mais teve sossego diante dos desarranjos da natureza, como os aguaceiros torrenciais que, sem aviso, desabavam de um céu inteiramente azul ou das ondas sucessivas de calor seguidas de intenso frio, que ora tocavam as pessoas para a sombra das árvores e dos lugares frescos, ora as faziam tirar do fundo das gavetas velhos cobertores e grossos agasalhos com cheiro de naftalina. Esses descalabros acabaram por infundir o terror entre os nativos e quem podia mudou-se para outros pagos, fugindo da maldição que assombrou o lugarejo. Só permaneceram mesmo, por não terem para onde ir, uns poucos idosos, que assumiram o compromisso de dar testemunho do que ali ocorrera, dentre estes o pároco da igrejinha, que tinha se esquecido de morrer e, pelos registros do batistério, já estava próximo de completar cento e cinquenta anos de idade.

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Impressões Digitais
4/7/2016 às 17h14

 
Motel barato, livro de arte

Publiquei um terceiro livro com reproduções de pinturas minhas, agora eróticas, "Motel barato".

Excerto: Quando olhei o conjunto destas minhas gravuras pornográficas lado a lado, percebi que, só em um daqueles moteizinhos fuleiros que frequentava na juventude, poderia expor minha fauna erótica.
Lembrei-me dos ambientes kitsch, cheios de coraçõezinhos cor-de-rosa, cupidos encardidos, frases de efeito e juras de amor eterno, sussurradas entre manchas invisíveis de fluídos corporais alheios, espalhadas pelo piso, paredes e lençóis. É o cenário perfeito/perverso para estas minhas gravuras feitas em Flash, um software de que gosto muito porque me permite o uso de uma linguagem plástica grosseira e agressiva, “binário-expressionista”.
Meu "pincel" no Flash tem a riqueza gestual que dá pra obter de uma lâmina de faca, com pinceladas variando apenas em espessura e cores chapadas variando apenas em transparência. Não há modulação nem sutilezas, só toscas marcas cromáticas espalhadas pelo piso, paredes, lençóis e corpos. Um arremedo de Impressionismo, feito com cacos de vidro. Mais metaforicamente apropriado, impossível.


Número de páginas: 44
Edição: 1(2016)
ISBN: 978-85-919150-3-3
Formato: A4 210x297
Coloração: Colorido
Acabamento: Brochura s/ orelha
Tipo de papel: Couche 150g.
À venda na livraria do Clube de Autores, por R$ 58,06.



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Postado por Blog de João Werner
3/7/2016 às 12h06

 
A Neve


Modigliani


“Eu odeio todo mundo, sinto horror a mim mesma e não posso mais suportar a vida” foi o último registro de Anita em seu diário, momentos antes de deixar o Bistrô des Artistes, onde havia conseguido expor parte de sua obra. Naquela noite, como nas anteriores, pouco interesse despertou suas telas. Ao sair, não tinha um destino em mente. Foi sem dar por si que seus passos levaram-na àquela ruela estreita e sem saída. Estava tão fria e impassível quanto uma mulher que não acredita mais em sua própria beleza. No semblante de toda a gente que cruzava seu caminho, revia as mesmas feições pálidas e o mesmo olhar inexpressivo tantas vezes retratado em seus quadros. Não queria viver a mesma vida daquelas pessoas, mas não encontrava meios de se relacionar com a sua própria. Apenas quando pintava ela e a vida se conciliavam. Nessas ocasiões, sentia-se como que arremessada para além de seus conflitos, para além de si mesma. Expressos em tons e cores e estilo próprios, tais conflitos pareciam-lhe ter sido sobrepujados. Eram esses momentos, por assim dizer, seus instantes de serenidade, e força. Nos últimos tempos, no entanto, não conseguia pintar e, como não conseguia, tudo à sua volta foi se lhe afigurando cada vez mais intolerável, opressor e sem sentido. Ao longo do caminho, passou diante de incontáveis casas de pequenas janelas retangulares, resguardadas por grades, todas muito parecidas umas com as outras. Tão parecidas que nem as habituais conversas de fim de noite de seus moradores lhe permitiam diferenciar esta daquela. “É sempre a mesma coisa”, pensava, quando, ao fim da rua, a singularidade da arquitetura e o silêncio que emanava de uma edificação atraiu-a. O contraste entre esta e as casas pelas quais passara perturbou-a. Anita estava diante da catedral. Aquele silêncio prenhe de significação fascinou-a. Por alguns minutos, permaneceu no umbral, sensibilizada. Desde a morte da mãe não pisava numa igreja, e naquele momento algo em seu intimo a impelia a entrar. Ao cruzar o umbral, persignou-se, instintivamente. Surpreendeu-se ao notar que, conquanto algumas das estátuas dos santos refletissem confusamente a luz das velas e outras, muito altas, pareciam-lhe estranhamente irreais, não se sentia uma estranha ali: algo lhe sugeria uma doce familiaridade. Dentre os vultos ajoelhados à sua frente, ergueu-se uma religiosa que caminhou em sua direção e indicou-lhe um lugar para sentar. Cansada, Anita anuiu, e a religiosa sentou-se ao seu lado. Seu semblante sereno, perfeitamente sereno, não exprimia inquietação alguma. Entre seus dedos um terço reluzia como um fio de prata. Sua companhia suscitou em Anita a doce lembrança de sua mãe. Comovida, deixou-se tocar: deitou a cabeça no colo daquela mulher e sentiu suas mãos afagarem seus cabelos, de leve, afetuosamente. A seguir, sem que palavra alguma fosse pronunciada, confiou-lhe seu diário como se estivesse a entregar-lhe a própria vida e adormeceu.

Do lado de fora, recomeçara a nevar, e pouco a pouco a neve ia encobrindo os últimos passos de Anita.

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Postado por O Equilibrista
2/7/2016 às 12h42

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