DIGESTIVOS
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Sexta-feira,
3/9/2004
Para os outros
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 191 >>>
Nas palestras que deu no Brasil, em julho, Margaret Atwood comportava-se com ar professoral, falando baixo, num único tom, e soltando comentários irônicos, não muito bem compreendidos pela audiência. Oriunda de países em que se dá mais valor à palavra, do que à espetacularização da mesma, passou, entre os brasileiros, por uma senhora simplesmente monocórdia e de cabelo engraçado. A muito pouca gente ocorreu que, por trás dessa aparência contida e acinzentada, pudesse haver uma grande escritora – ou, ao menos, uma escritora muito ciente de seu ofício, como mostra em “Negociando com os mortos” (Editora Rocco). Para além das polêmicas que assombram a chamada “literatura feminina”, as escritoras contemporâneas têm refletido, de maneira muito consistente, sobre as letras e os livros. Acompanha Margaret Atwood, por exemplo, Rosa Montero. Mas se a última é quase lúdica, apelando para um certo “cronismo” (à brasileira), a primeira é seriíssima e, entre citações eruditas, por mais que não demonstre, almeja o peso de um tratado, ou de uma obra de referência, sobre o assunto. E não é uma ambição de todo frustrada. Atwood acrescenta, como Montero, certo toque de memorialismo, e ficamos sabendo que num país desenvolvido, no Canadá, no caso, a falta de uma tradição literária, com respaldo mundial, pode pesar nas costas de quem se inicia nesse universo desbravando caminhos. Mesmo em inglês. E principalmente se for mulher, como Margaret. Mas nem só de sexismo vive o livro. Um dos melhores capítulos trata do escritor e de seu “duplo”. O lado mais pedestre, mais terra a terra, que todo artista mantém para sobreviver no mundo dos homens. Pois, ao contrário do que criam os românticos alemães, como Goethe, não é humanamente possível ambicionar ao gênio e às alturas 24 horas por dia, 7 dias por semana. Por isso, justifica Atwood, os escritores são tão desinteressantes quando encontrados no dia-a-dia. Margaret ainda fala de inspiração, de tentações, do inatingível leitor e da (im)permanência através dos tempos. A autora diz que tocar os corações dos homens pode ser fatal para quem escreve – mas e tocar o coração dos escritores, como ela faz...?
>>> Negociando com os mortos - Margaret Atwood - 256 págs. - Rocco
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Julio Daio Borges
Editor
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