Frank Castorf é um daqueles diretores sobre quem é difícil ficar indiferente. Por onde passa é amado ou odiado. Suas ousadas montagens costumam atrair narizes torcidos dos puristas e adeptos da tradição em geral. Com este Selva das cidades, texto de Bertolt Brecht, apresentado neste fim de semana em São Paulo, não foi diferente.
O trabalho de Castorf é marcado por atualizações e leituras pouco deferentes aos convencionalismos. Ele já havia causado algum barulho por aqui ano passado com o belíssimo Estação Terminal América - baseado em Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams - em que havia referências às lutas sociais na Polônia nos anos 80 e canções de Lou Reed embalavam o espetáculo.
Com este Brecht, Castorf e o grupo berlinense Volksbühne foram além em seus radicalismos - para o bem e para o mal. A montagem aposta no humor nonsense presente no texto do jovem dramaturgo (a peça é de 1923, quando Brecht contava 25 anos). É uma das peças de Brecht com imagens mais alegóricas, quase delirantes: narra uma luta imaginária entre um funcionário de uma biblioteca de empréstimos e um madeireiro malaio na Chicago de 1912.
A Selva de Castorf não tem lugar ou época definidos. Sua concepção é livre, carregada de sarcasmo e ironia. Aqui seus personagens não têm vontade de lutar, fazem-no por inércia. Suas vontades são aniquiladas pelo espectro de imobilidade e passividade reinantes. O vazio da cultura e da sociedade como assassinos de nossos ímpetos.
Sua direção é bruta, rústica (e até com alguns exageros). O palco vai ficando entulhado ao longo do espetáculo. E o talento de Castorf para a criação de imagens impactantes encontra poucos paralelos no teatro contemporâneo. Seu hotel chinês, com fundo de luzes vermelhas, é memorável.
Destaque para o elenco alemão, com um nível técnico apuradíssimo, sobretudo nas figuras de Milan Peschel (George Garga) e Herbert Fritsch (Shlink, o negociante de madeira malaio). Fica evidente a competente direção, para a harmonia em um espetáculo de difícil execução. Pena que haja tamanha disparidade em relação aos participantes brasileiros. Nelson Triunfo, embora não seja ator, segura o papel de John Garga com seu carisma. Já Sandra Santos decepciona com uma fraquíssima atuação no papel de C. Maynes.
O registro negativo fica por conta do ineficiente sistema de legendas, que chegou ao ponto de irritar boa parte da platéia. O descompasso para com as falas foi tamanho que quem não conhecia o texto beirou - ou atingiu - o incompreensível. E não é obrigação do público conhecer a obra. A absoluta falência das legendas contribuiu em grande parte para que fosse constante o fluxo de pessoas abandonando o espetáculo em seu decorrer.
Se não tem o mesmo brilho de Estação Terminal América, Na Selva das Cidades ainda assim é mostra do talento de um criativo e corajoso diretor. Uma visão para lá de original de uma obra de um dos grandes dramaturgos do século XX.
Bom, acho que se a peça gera algum debate já é um ponto bem positivo, pois como já dizia um diretor meu, "se todo o mundo gostar, desconfie". Mas, em se tratando desta peça, sou de uma opinião bem diferente da sua, Guilherme. Primeiro porque não há nada de novo no que o grupo realiza, enquanto eles posam de inovadores absolutos da arte... Inclusive, as vanguardas inciaram esse processo de desconstrução há muito e creio que já foi-se o tempo de "vangloriar as vanguardas". Segundo porque há um desleixo absoluto e absurdo na maneira com que tratam a peça, o jogo cênico, o espaço teatral, que, na minha modestíssima opinião, é (ou deveria ser) um espaço sagrado. É tudo jogado. Eles esbararram no cenário como se fosse qualquer m..., aquela atriz brasileira mal tem seu texto decorado, a impressão que fica é a de que o diretor virou e falou para o elenco: "Vai gente. Faz aí qualquer coisa." E, para mim, teatro não é qualquer coisa, e se é feito como tal, sinto muito, mas chega à platéia como tal.
Enfim, achei a peça verborrágica, cheia de coisas desnecessárias (incluindo o tempo de duração), desleixada, sem magia, sem mistério, e que não me diz absolutamente nada. Eu tinha me encantado pelo grupo na "Estação terminal América" e desta vez saí com a impressão de que, por ter dado certo aquela última peça, eles se acomodaram e fizeram algo parecido mas de maneira displicente, sem o rigor e o respeito que o teatro merece.