Meu pai | Blog de Anchieta Rocha

busca | avançada
90548 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Escritor e diplomata Ricardo Bernhard lança obra pela editora Reformatório
>>> Teatro Portátil chega a São Paulo gratuitamente com o espetáculo “Bichos do Brasil”
>>> Platore - Rede social para atores
>>> João do Rio e Chiquinha Gonzaga brilham no Rio durante a Belle Époque
>>> Espelhos D'Água de Vera Reichert na CAIXA Cultural São Paulo
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
Últimos Posts
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Ar do palco, ou o xadrez nos tempos da Guerra Fria
>>> Curiosidades da Idade Média
>>> Zastrozzi
>>> A Web matando a velha mídia
>>> Como resenhar sem ler o livro
>>> 12 de Maio #digestivo10anos
>>> O Twitter e as minhas escolhas
>>> Terça Insana, o segundo DVD
>>> Coisas Frágeis
>>> Poesia, no tapa
Mais Recentes
>>> Livro Literatura Estrangeira A Ilustre Casa de Ramires Coleção Prestígio de Eça de Queirós pela Ediouro
>>> Cibermae Uma Viagem Extraordinaria dentro do computador de Alexandre Jardim pela Moderna Paradidático (1998)
>>> Psicopedagogia Clínica de Maria Lúcia L. Weiss pela Lamparina (2008)
>>> Livro Literatura Estrangeira O Fenômeno Ufo de Johannes Von Buttlar pela Circulo do Livro (1978)
>>> Livro Literatura Estrangeira Morte Em Veneza de Thomas Mann pela Nova Fronteira (2010)
>>> O Jornal de Patricia Auerbach pela Brinque-book (2012)
>>> Livro Literatura Estrangeira O Médico Espanhol de Matt Cohen pela Imago (1989)
>>> Psicopedagogia Institucional de Olivia Porto pela Wak (2009)
>>> A Ilha Do Mistério de Nao consta pela Paul Adshead (1995)
>>> Livro Ensino de Idiomas The Murders in the Rue Morgue Stage 2 de Edgar Allan Poe pela Oxford do Brasil (2008)
>>> Vencedoras Por Opção de Jim Collins pela Hsm (2012)
>>> Livro História Geral As Cruzadas de Zoé Oldenbourg pela Civilização Brasileira (1968)
>>> O Homem da cabeça de papelão de João do Rio pela Hedra (2012)
>>> Jogos e Brincadeiras na Educação Infantil de Maria Aparecida Cória Sabini pela Papirus (2009)
>>> Da Minha Janela de Otavio Junior pela Companhia Das Letrinhas (2021)
>>> Livro Esoterismo Arcanos Cidadelas do Mistério de L. Sprague de Camp; Catherine C. de Camp pela Francisco Alves (1984)
>>> Gravity Falls: Journal 3 de Alex Hirsch pela Disney Press (2016)
>>> O Jogo das Contas de Vidro de Hermann Hesse pela Brasiliense
>>> Livro Ensino de Idiomas Losing It The Meaning of Loss Level B1 de Brian Sargent pela Cambridge
>>> Caninos Brancos de Jack London pela Melhoramentos (1998)
>>> Polar: A Photicular Book de Dan Kainen / Carol Kaufmann pela Workman Publishing Company (2015)
>>> Bruxa Salomé, A de Audrey Wood pela Ática (2012)
>>> Livro Auto Ajuda Como Viver 365 Dias por Ano de John a Schindler pela Cultrix (1954)
>>> Tui Ná - Massagem Chinesa de Dr. Y. Manaka pela Sol Nascente
>>> Livro de Bolso História Geral História das Ideias e Movimentos Anarquistas Vol 1. A Ideia Pocket 273 de George Woodcock pela Lpm Pocket (2007)
BLOGS >>> Posts

Domingo, 24/5/2015
Meu pai
Anchieta Rocha
+ de 800 Acessos

Se o papai dentro do caixão pudesse falar alguma coisa, ele ia dizer " Tudo bem, vocês já fizeram muito por mim, todo mundo pode ir embora, daqui pra frente é só eu, o resto é por minha conta, de agora em diante eu me viro sozinho." Eu não aguentava mais, também estava doida pra tudo acabar. A noite custava a passar. De vez em quando, o meu tio mais novo levantava, parava na beira do caixão, olhava o irmão, punha a mão no queixo, balançava a cabeça e voltava a se assentar. Um homem com um bafo de bebida chegou e falou que o meu pai era igual um filho pra ele. Um outro veio, me abraçou demoradamente, disse que ele foi o irmão que não teve e saiu com os olhos vermelhos. Amigos vinham e falavam as mesmas coisas: "um grande homem", "ótimo chefe de família", "descanso merecido". Por que todo velório é sempre a mesma coisa, as mulheres sentadas em volta do caixão, chorando e rezando, os homens do lado de fora, em pé conversando, contando caso?

Me deu vontade de rir quando a minha tia abaixou pra beijar ele e o broche agarrou no véu que cobria. Tem vez que eu acho que eu sou meio esquisita. Vovó debruçou no caixão, falou qualquer coisa no ouvido do papai e ficou segurando a sua mão. Eu não queria encostar nele, eles falam que a pessoa quando morre, esfria. Não é por nada, era medo de ficar com medo de noite. Quando era vivo, eu chegava, deitava no colo, beijava, abraçava. Minha mãe toda hora mexia numa flor ou endireitava o véu. Estava tudo no lugar, mas ela sempre achava um jeito de consertar alguma coisa. Uma hora fui pro carro pra junto das primas, mas não demorei porque fiquei com dó e voltei pra junto dela. Aí comecei a pensar numa coisa que sempre penso quando uma pessoa morre. Eu sempre achei que Deus devia dar um aviso, um tempo antes - os bebês não podem nascer com hora marcada? - pra gente despedir, abraçar e conversar pela última vez. Meu pai nem se despediu de mim. Morreu de repente. Deus tem hora que não vê as coisas. Eu me distraía com a chama da vela. Passado um pouco virava pra mamãe, tentava imaginar o seu pensamento. Tinha vez que não tirava o olho dum lugar, o que ia na cabeça dela? Criar a gente sozinha, chegar de noite na hora de dormir e não ter mais ele do lado? Ou até uma coisa mais alegre, como num fim de tarde, muito tempo atrás, quando as paineiras não aguentando de tanta florada, eles namorando de pouco, o papai olhando fundo nos seus olhos, sem falar coisa nenhuma, perguntando pra ele mesmo, se ela não ia ser o amor de sua vida Acabei cochilando no ombro dela. Teve uma hora que olhei pras pernas compridas do papai e fiquei lembrando uma vez num ponto de ônibus, pequena, enfiada debaixo dele protegendo pra não me molhar. Um sujeito não tirava o olho da mamãe. Mesmo sem pintura era bonita. Depois a madrinha contou que ele quis namorar ela antes do papai. Eu não gostei porque achei que estava rondando muito. As pessoas falam que ele não parou de beber desde que ela casou. Uma mulher muito branca chegou, não cumprimentou ninguém, parou perto do caixão, ficou imóvel por algum tempo, virou as costas e desapareceu no escuro do jardim. Tinha hora que vinha um medo de acontecer coisa ruim. Eu não queria pensar, mas não tinha jeito. A minha tia que mora sozinha é uma. Ela dá ataque. Sempre que chegava um parente no velório, começava a chorar sem parar. Eles iam lá dentro e buscavam água. Eu nem queria ficar perto. Meus tios deviam ter levado ela pra casa. Pra fazer uma asneira não custava. Destrambelhada, papai era o xodó dela. Solteira, nunca namorou, uma vez pagou promessa duma doença dele que médico nenhum dava jeito. Vestiu de Nossa Senhora e carregou um terço grande, durante muito tempo, assim contou o meu avô com a cabeça baixa. Eu acho que ela podia fazer uma loucura igual uma mulher na roça fez uma vez — eu nem gosto de pensar. O filho bebeu veneno de rato por causa de uma namorada. Na hora de cobrir com a terra, ela pulou dentro da cova, agarrou no caixão e falou que queria ir junto. Os coveiros tiveram que arrancar ela à força. Tem hora, passa cada coisa pela minha cabeça! Ainda bem que a turma do colégio chegou. Eu não queria que o Julinho me visse assim, toda desarrumada, com a cara mais branca do mundo. Agora que o papai morreu, não vai ter a excursão pra Ouro Preto. Olha eu de novo — parece que nem tenho sentimento. Pior era no tempo da minha mãe. As mulheres ficavam de roupa escura durante muito tempo guardando luto, conta ela. Mas tem uma coisa: como eram elegantes! Eu fico olhando os álbuns antigos. Passavam o dia inteiro aprontando pra tirar retrato - era uma festa! E os homens, — ah, os homens! - mesmo parecendo bonecos - tudo fumando, muito chique, com piteiras douradas, cada um mais bonito. O padre deu a bênção e um gole de água benta caiu no meu olho. O sacristão tinha cara de tarado. Toda vez que uma mulher levantava, ele olhava pra bunda dela.

Tão logo o homem da funerária entrou com a tampa do caixão, o choro aumentou. Todo mundo ficou em volta pra ver o papai pela última vez. Cheguei perto de mão dada com meu irmão e fiquei olhando. O mais estranho é que eu olhava pra ele, via todo mundo chorando e eu que sempre chorei por qualquer coisa, coisa boba até - igual numa viagem, um passarinho bateu no vidro do carro e morreu -, nesse dia eu não conseguia chorar. Chorei também na peça de teatro do colégio, fazendo o papel de uma camponesa. Foi então que aconteceu uma coisa que depois eu fiquei pensando muito tempo. Olhei pro papai pela última vez e de repente uma lágrima apareceu no canto do olho dele. Acho que ninguém viu, nem mamãe com aquela mania de consertar as coisas que não precisa. Eu abri a boca. Eu não sei, mas senti que ele chorava por minha causa. Choramos juntos. Criei coragem e segurei a mão dele: estava quente, quente.  


Postado por Anchieta Rocha
Em 24/5/2015 às 19h18

Mais Blog de Anchieta Rocha
Mais Digestivo Blogs
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!

* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Psicologia The New Renaissance Computers and the Next Level of Civilization
Douglas S. Robertson
Oxford University Press
(1990)



Anaphylaxis - a Medical Thriller
Alan Anson Wanderer
Anson
(2013)



Reflexoes sobre vida depois da vida
Dr. raymond
Nordica
(1977)



Roma - Guia Visual Folha de S. Paulo
Dorling Kindersley
Dorling Kindersley
(1995)



Livro Direito Prática Jurídica Empresarial
Alessandro Sanchez
Saraiva
(2012)



O Que é Vídeo
Candido José Mendes de Almeida
Brasiliense
(1986)



Livro Literatura Estrangeira Enamoramentos
Javier Marias
Companhia Das Letras
(2012)



A Virada Na Carreira Ganhe Dinheiro Por Conta Própria
Marcos Silvestre
Faro
(2015)



Henshin! Mangá - Volumes 1 e 2
Os Vencedores do Brazil Manga Awards 2014
Jbc
(2014)



Fuga dos Andes (lacrado)
José Antonio Pedriali
Record
(2009)





busca | avançada
90548 visitas/dia
2,4 milhões/mês