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Sábado,
20/2/2016
Apenas um crepúsculo.
Raul Almeida
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Em meio às vagas de um oceano de tentativas, êxitos e fracassos, sigo bracejando e engolindo a água do destino, ora doce, ora salgada, ora insípida e nem sempre inodora.
Ainda não sei se o turbilhão em que me encontro é o rio do inferno na tradição mitológica ou apenas a saída de um esgoto ordinário, por onde deságuam as vidas em vias de conclusão. Quem sabe o meu destino arremeda ao de Prometeu que, por ter roubado o fogo do Sol e privilegiado aos humanos com a luz do entendimento, foi condenado ao tormento de ter as entranhas destruídas e regeneradas num martírio incessante.
Quando penso que estou nadando em meio ao rio, descubro que alguém esqueceu de colocar as moedas em meus olhos, para pagar ao barqueiro por uma travessia mais calma.
Agora tenho que romper a descomunal correnteza do Aqueronte, sem descanso, sem pausa, sem ajuda ou socorro, afundando para, em seguida, emergir e continuar a nadar.
Ao longe escuto os gritos, as lamúrias, os gemidos, as vozes graves e lamentosas, o rugir dos ventos do remorso, o açoite fino das espumas das culpas, o farfalhar nervoso das ondas das iniqüidades.
Mudo de cenário e tento imaginar que estou apenas flutuando nas águas servidas da minha própria vida.
O meio estranho é por vezes cristalino, deixando transparecer recordações maravilhosas, cores brilhantes, sons de pura beleza e harmonia.
Em seguida sinto a textura pastosa das conversas e atos iníquos, o horror das ambições e desejos mal resolvidos, a acidez das mentiras, da cupidez da desfaçatez.
Mais adiante a correnteza tem o cheiro forte do enxofre e o rubro carmim da violência.
Enquanto tento ficar na superfície do monturo que desliza ao meu redor, ouço os estrondos da brutalidade, o tinir da prepotência, os gritos da maldade e a estridência da arrogância. E o caudal mal cheiroso se alterna com as luzes refletidas dos raios de um sol de boas realizações, até então escondido entre as nuvens das lembranças.
Sigo delirando ao destilar as minhas mágoas, meus remorsos e culpas, meus arrependimentos, minha pequenez e me dou conta do quanto pareço com o mitológico Prometeu: Uma vez são, outra vez dilacerado, de novo são e, novamente em pedaços.
Fazendo um retrospecto critico das minhas tantas órbitas sobre o planeta azul e em torno do sol observo que, entre tentativas e erros, quase equilibrei.
Quase.
Atravessei muitos verões e primaveras tentando superar o complexo de Sísifo, condenado a empurrar um enorme bloco de pedra morro acima e, ao terminar a subida, vê-lo rolar para, novamente, retomar a tarefa.
O pior desta história é que, a responsabilidade dos fracassos sempre foi minha. Ninguém é responsável pelas derrotas de ninguém. Culpado é quem perde a luta. Não quem a vence.
Vencer ou perder fazem parte da vida. O livre arbítrio deve ser usado para nortear a vida e não para desnorteá-la. A fé remove montanhas, tenha fé e você vencerá... Frases cunhadas por vencedores.
O que ninguém conseguiu vencer e nunca vai conseguir, é a morte. Esta é obrigatória. Ninguém escapa.
Então, acordo do pesadelo infernal e me dou conta do que fiz de bom. Os percalços assim como as cicatrizes, são apenas recordações do combate.
Apenas, as cores menos brilhantes de um crepúsculo.
Meu crepúsculo. Nada mais do que isso.
Raul Almeida
Postado por Raul Almeida
Em
20/2/2016 às 11h17
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