A moral da dúvida em Mirandola e Nietzsche | Ricardo Gessner

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Domingo, 7/10/2018
A moral da dúvida em Mirandola e Nietzsche
Ricardo Gessner
+ de 2200 Acessos

A dúvida é uma categoria contínua, cuja persistência se faz através da renovação, seja no modo de perguntar, seja sobre aquilo que se indaga; dessa forma, não é a mesma questão que necessariamente permanece, mas, antes, é a capacidade de questionar. A perenidade da dúvida é abordada nas mais diferentes obras, como foi exemplificado no poema “nunca sei ao certo”, de Paulo Leminski (Clique aqui para ler "A moral da dúvida em Paulo Leminski"); entretanto, para além do campo artístico e intelectual, há uma figura emblemática que representa essa situação: a de um indeciso entre um anjinho e um diabinho. Essa representação é arquiconhecida, utilizada desde desenhos infantis até manuais de psicologia para ilustrar a hesitação do ser humano diante de alguma conjuntura.

A representação parte do pressuposto de que existem duas forças antagônicas, que agem e orientam o universo: o bem e o mal. Esse antagonismo está na base de doutrinas religiosas, como o Maniqueísmo, e sistemas filosóficos, sendo difícil precisar sua origem.

É comum relacionar o diabinho ao ímpeto humano, isto é, a intenção de realizar uma vontade, mesmo sabendo que ela pode trazer malefícios a si mesmo ou aos outros. Em contraposição, o anjinho seria a “voz da consciência”, que tenta impedir a ação. Entre os dois, alguém indeciso entre a vontade e a consciência. Com isso, representa-se um conflito entre a razão e a emoção.

Gosto de pensar sobre essa figura, sendo que o item mais interessante é o do meio, o ser humano. De imediato, parece estar representado como uma marionete dessas duas forças, cuja decisão ou ação se realizará conforme a vitória do diabinho ou do anjinho. No entanto, discordo de que a discussão seja tão simplória. Há mais elementos do que a luta entre vontade e consciência, razão e emoção, ou em estabelecer o ser humano como joguete.

O pensador renascentista Pico della Mirandola (1463 – 1494) não é um nome de destaque nos manuais de filosofia, apesar da sua genialidade. Um provável motivo para isso é que seu pensamento não se restringe ao filosófico, mas propõe conciliar filosofia, religião, misticismo e esoterismo; portanto, é um pensamento eclético e sincretista. Mirandola estudou Cabala e o neo-platonismo em sua vertente esotérica, além de elaborar um projeto de unificar todas as religiões. Se nos dias atuais uma proposta assim causaria indignação, sob o argumento de anular a diversidade cultural, em sua época, isto é, no século XV, também foi motivo de polêmica devido a autoridade da Igreja Católica.

Durante seus 31 anos de vida e, segundo a lenda, os 22 idiomas aprendidos até os 18 anos, Mirandola legou várias obras de interesse, como: Do ente e uno; Conclusões filosóficas e cabalísticas, e uma que neste momento me interessa, Discurso sobre a dignidade do homem. Esta obra, de 1486, é conhecida por ser uma espécie de manifesto do espírito humanista, pois estabelece o princípio da centralidade do ser humano no universo; e, mais do que isso, do ser humano como a criatura mais afortunada entre todos os seres.

Isso se deve à compreensão da ordem universal, proposta por Mirandola: o universo é composto por elementos e seres criados por Deus (ao qual o humanista também se refere como Artífice – herança de seus estudos sobre religiões primitivas; não se trata de um Deus restrito a uma única visão religiosa). Essa organização é regida por uma hierarquia que se estende dos seres mais celestiais, como os arcanjos, anjos e entidades superiores; perpassando os seres irracionais e findando nos seres demoníacos. Nessa escala, o ser humano ocupa o lugar central, o que além de lhe atribuir uma natureza específica (não é celestial nem demoníaco, mas humano), também lhe faz o mais afortunado dos seres, pois tem a liberdade de escolha em relação ao seu destino. Tanto os seres celestiais quanto os demoníacos estão “condenados” à mesma condição: nunca deixarão de ser o que são, enquanto que ao ser humano lhe é dada a condição de escolha: pode ascender ou descer nessa escala, conforme sua opção. A isso se chama livre-arbítrio. Portanto, o ser humano é a criatura mais afortunada, pois lhe foi concedido o poder de escolha.

Vejo essa condição nas representações descritas acima, de alguém com um anjinho de um lado e um diabinho de outro. Tanto o celestial quanto o diabólico estão condenados a serem assim, eternamente. Por isso tentam exercer suas influências sobre o ser humano, pois se ressentem daquela liberdade e possuem uma compreensão incompleta do universo, já que conhecem apenas suas próprias condições.

Por outro lado, se Mirandola se enquadra num conjunto de pensadores que enfatizam o livre-arbítrio como categoria constituinte do humano, há linhas de pensamento que defendem outras perspectivas. Correntes que adotam a predestinação, por exemplo, argumentam que o destino de cada humano é predeterminado, não importa o seu comportamento ao longo da vida, nem sua conduta, nem sua moralidade. Não significa a inexistência do livre-arbítrio; ao contrário, ele continua fazendo parte da vida, entretanto não é considerado como item fundamental. O humano tem liberdade de escolha, mas suas decisões não definirão seu destino. Deve-se ter humildade e resignação para aceitar seu destino.

Alguns séculos depois, o filósofo Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) engajou-se numa crítica aos costumes fundamentados nas ideias de bem e mal, cuja religião cristã seria a maior representante. Sob certos aspectos, Nietzsche não deixa de ser um humanista, pois focaliza seu pensamento no ser humano e reflete sobre uma moral “humana, demasiadamente humana”, endereçada para “além do bem e do mal”. Ou seja, tece uma filosofia centrada nas condições próprias do ser humano, justificadas pelas suas próprias condições, sem qualquer apelo de ordem transcendente ou metafísica. Com isso, uma das críticas de Nietzsche incide na doutrina do livre-arbítrio. Em O Andarilho e sua sombra, por exemplo, no aforismo 10, o filósofo diz que livre-arbítrio nada mais é do que “não sentir novos grilhões”, isto é, não sentir mais o peso das dependências as quais se submete; trata-se de uma aparência de liberdade.

Já no aforismo anterior, número 09, afirma-se que as decisões humanas têm aparência de liberdade, mas, no fundo, são tomadas em função daquilo que nos prende mais: “(...) é como se o bicho-da-seda buscasse a liberdade do seu arbítrio justamente no tecer. De onde vem isso? Vem claramente do fato de que cada qual se considera mais livre onde sua sensação de vida é maior, ou seja, ora na paixão, ora no dever, ora no conhecimento, ora no capricho” (p. 168). Ou seja, as decisões são tomadas segundo o que nos faz sentirmos mais fortes, criando uma falsa impressão de autonomia quando, na verdade, foram feitas segundo nossas inclinações biológicas ou morais.

No modo como está apresentada, a filosofia de Nietzsche é uma forma de predestinação secularizada, pois ao invés de o destino humano ter sido predeterminado por uma entidade superior, transcendente, o homem age segundo sua constituição biológica (genética) e/ou conforme suas inclinações volitivas.

Se o ser humano tem ou não livre-arbítrio, qual é o limite disso? Se nossas decisões são tomadas graças a nossa liberdade ou estão presas a algum aspecto de nossa existência, conhecer a resposta definitiva, por ora, é impossível. Nesse aspecto, mais interessante do que defender pontos de vista inconciliáveis, é olhar para a própria questão e perceber que é ela que nos constitui como seres humanos. Podemos vislumbrar que tanto em Mirandola quanto em Nietzsche, o ser humano é o foco de reflexão. Diante disso, se somos livres ou não em nossas escolhas, antes disso acredito que podemos ser livres para buscarmos nossas próprias respostas diante das incertezas e, nesse movimento, constituir minha própria humanidade. Como afirmou Nietzsche em outra obra, Opiniões e sentenças diversas, aforismo 43: “Os conscienciosos – É mais cômodo seguir a consciência do que a inteligência: pois ela tem em si, a cada malogro, uma desculpa e um conforto – por isso há tantos conscienciosos e tão poucos inteligentes” (p. 33).

To be continued...


Postado por Ricardo Gessner
Em 7/10/2018 às 11h10

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