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Segunda-feira, 24/12/2001
Como uma criança
Arcano9
+ de 3100 Acessos


A Regent Street está toda decorada com aquelas luzes lindas. Luzes piscantes em varais sobre a rua, luzes representando flocos de neve coloridos, estrelinhas. As pessoas passam todas empacotadas: muitas mulheres com lindos casacos de pele, homens com terno, sobretudo e cachecol. Eles descem da Oxford Circus para a Piccadilly Circus. Depois, voltam para a Oxford Circus, carregados de sacolas - presentes caros das finas lojas de moda, peças de vestuário da mais pura caxemira, cardigans, jaquetas. O tempo está frio, mas não neva. Raramente neva por aqui, ano passado foram só umas três vezes, em 1999 não passou de uma. Londres sonha com um White Christmas.

As crianças olham fascinadas ao redor. Que época mágica. Que tempos gloriosos. O Natal não tem graça nenhuma, não é? Só é divertido se você é uma criança. Que saudade da mamãe fazendo docinhos de Natal. Que saudade de ficar com insônia às três da manhã do dia 25. Que saudade de escrever a cartinha, de esperar aquele presente. Quantas pessoas já viveram o White Christmas em países tropicais, com 40 graus de calor. Quantas crianças. E quantas vezes, andando pela Regent Street, olhando para as lindas luzes, você não é aquela criança de novo. Quantas vezes você gostaria de não pedir desculpas por não saber jogar o jogo. O jogo que você estava, naquela época, ainda aprendendo a jogar. Quantas vezes você gostaria, hoje, de bater seu carrinho no carrinho do seu amigo e só dar risada depois.

Eu entro na loja.

"- Desculpe, mas qual é a sua idade?", pergunto para o marmanjo brincando, junto com seu colega também alto e barbado, com carrinhos de controle remoto na Hamleys. "Tenho 22 anos", diz ele, estufando o peito, fazendo questão de pronunciar bem a idade e a palavra "anos".

"- Humm, então, pelo jeito, você não acha que brinquedos são coisa de criança, né?

- Não, de jeito nenhum. Eu me divirto prá valer. Eu deveria estar aqui comprando um presente para minha irmã, mas não dá para ignorar alguns brinquedos", diz o sujeito, se desculpando. À beira da pista onde estão os carrinhos rodando e batendo-se, uma, duas, três crianças de uns seis, sete anos se aproximam e olham com um certo desânimo os carrinhos e seu pilotos altos.

"- Mas... acho que já está na hora de deixar a criançada brincar um pouco, né?", ri meu entrevistado. O garotinho loiro dá um pulo à minha frente e agarra o controle remoto.

A Hamleys, caso você não conheça ainda, é um mundo. Um universo de brinquedos, brinquedos e mais brinquedos. É mais uma dessas lojas de luz rutilante entre Piccadilly e Oxford Circus. Se você perguntar se é esta a maior loja de brinquedos do mundo, eu lhe digo que há controvérsias. Sem dúvida é a maior da Europa, e talvez, de fato, a maior do planeta em número de brinquedos diferentes à venda - cerca de 35 mil. Mas parece que, em relação à área interna, há uma loja nos EUA que é ainda melhor. Quando Peter Nicholson, porta-voz da Hamleys, me diz isso, eu quase caio prá trás. Como é possível? Uma loja maior do que esta, que tem sete andares, SETE andares de brinquedos?

Nicholson me leva para um pequeno tour pelo humilde estabelecimento. No segundo lance de escada rolante para cima, cruzamos com um coelhinho elétrico que dá seus pulos descendo a escada.

"- Oh, não", diz ele. "De novo? É a segunda vez hoje!" O coelhinho é recolhido e jogado num corredor no terceiro andar. Passava um homem de uns trinta anos de idade com dois filhos pequenos, quase que recém-aprendidos a andar. Os guris começam a olhar com grande interesse para o coelho e, como se estivessem num safari na floresta, discutem em silêncio alguma estratégia para caçá-lo.

A loja está cheia. Cheia. Esta é a época do ano que dá sentido a este lugar. Fábrica de Papai Noel? Não existe. Mas se existisse, certamente este seria o clima.

"- Sofremos muito com a queda nas vendas depois de 11 de setembro", diz Nicholson. A Hamleys aposta na sua fama no exterior, e depois dos ataques às torres gêmeas, os turistas adiaram um pouco suas idas aos aeroportos. Nicholson confirma que a loja chegou a acumular um prejuízo de mais de R$ 3 milhões. Mas as vendas de Natal vão reverter esse quadro? "Não sabemos. Estamos fazendo ainda a avaliação inicial das vendas de dezembro. Mas posso dizer que temos medo que não consigamos faturar tanto quando nos últimos anos."

No andar das bonecas, espremida entre os consumidores, no corredor das Barbies indo para o corredor da Lulu, encontro uma inglesa muito simpática. Não tem filhos. Leva uma bolsa com várias caixas, um kit de tijolinhos de madeira, um outro da Lego, um bichinho de pelúcia.

"- São para seus filhos?

- Não. São para meus sobrinhos. Vou gastar mais de R$ 300, estou comprando presentes para os quatro.

- E a senhora vem sempre aqui comprar seus presentes de Natal?

- Sim, todo o final de ano. Gosto da variedade. Apesar da loja ter problemas.

- Que tipo de problemas?

- Ah, você sabe. Não tem janelas, é feio aqui dentro. Não é uma Selfridges", ri a inglesa. "E além de tudo, é caro."

É, caro é, mesmo. Pensei depois em comprar um iô-iô - elemento importante das minhas lembranças da infância, quando passava todos os recreios na escola à caça daqueles selos nos copos de papel da Coca-cola que, depois, podiam ser trocados pelos brinquedos. Procuro o iô-iô e, quando o encontro, deixo-o exatamente onde estava. É, filhão, papai não tem dinheiro. São £ 19,99, algo em torno de R$ 65, R$ 70.

Não há, por falar nisso, nenhum Papai Noel vestido a caráter em parte alguma. Poucas referências decorativas ao Natal. Sinto uma aura realmente atemporal - como se na Hamleys a estratégia fosse fazer os adultos entrarem em algum tipo de máquina do tempo mesmo. Sinto algo muito familiar de quando eu era bem criança, mas não sei exatamente o que é. Deve ser o simbolismo, o feng shui dos corredores, algum aroma distribuído através do ar condicionado. Um cheiro de dadinho, de Fanta uva, talvez. Mas mesmo esta dimensão que apela para as lembranças arcanas de nossas diabruras pré-puberdade está sujeita às gigantescas ondas do modismo.

"-Não, já acabou o nosso estoque por hoje", responde Nicholson quando pergunto se ele tem o brinquedo mais procurado desta temporada de Natal aqui na Grã-Bretanha. "Vendemos muito mesmo o kit da Lego para montar o castelo Hogwards, do Harry Potter. É sem dúvida nosso principal produto neste Natal, assim como todos os outros produtos do personagem. Quanto custa? Uns R$ 280", explica. "Outro brinquedo que está vendendo bem é uma pequena máquina para as crianças fazerem um doce parecido com algodão doce. Talvez até tenhamos um ou dois ainda. Custa uns R$ 200". Humm. Nada de G.I. Joe, Comandos em Ação. Nada de soldadinhos e armas de brinquedo em tempos de guerra e terrorismo. Bom sinal.

Despeço-me de Nicholson. Agora, devo ir embora. Mas sem antes me divertir um pouquinho, é claro, que sou filho de Deus. Em toda loja, em cada canto, há demonstradores de brinquedos. Pobres coitados, devem ganhar muito pouco, mas como eu os invejo. Passam o dia lá estimulando os visitantes a brincar. Explicando como funcionam os brinquedos. No andar térreo, perto dos ursinhos de pelúcia, encontro Larissa, uma brasileira com um sotaque do sul. Muito risonha. Ela está mostrando a todos como fazer uma espécie de bolha de plástico, soprando uma substância pastosa que você pode comprar e levar para casa. Ela usa toda sua perícia para fazer mais uma bola gigante. Sopra, sopra. A bola fica imensa. Depois, ela usa água para selar o plástico com ar dentro. Dá o resultado final de seu trabalho para um molequinho de uns quatro anos, que quase desmaia de tão feliz. O menino sai correndo para mostrar a bola para o pai e por pouco não a faz explodir de encontro às canelas do progenitor.

"-Adoro trabalhar aqui", diz Larissa, com um sorriso que espelha o do menininho. "Adoro porque você não só trabalha, também se diverte." Pergunto a ela se ela vê brasileiros visitando a loja. "Brasileiros? Só tem brasileiros aqui! Eles vêm muito e compram algo de recordação, algum brinquedo ou alguma coisa para lembrar de Londres."

Sabe, até entendo porque vai tanto brasileiro lá, o ano inteiro. A luz, a festa, a alegria. Pedi uma bolinha de plástico para Larissa e fui atendido. Papai não tinha dinheiro para o iô-iô, mas o filhão não saiu de mãos abanando. Adorei lembrar de como é. O Natal. Não é só olhar e admirar essas luzes lindas, como as da Regent Street - é lembrar de como você adorava as luzes lindas de sua árvore de Natal quando você era pequenininho.

Saí à rua. Não tinha nevado (nada de White Christmas, mesmo). As pessoas ficaram olhando para a bola na minha mão, e depois para mim jogando-a para o ar e pegando-a de volta. Fiquei, adulto que sou, bobamente contente. E disse (e digo) feliz Natal! Façam o que quiserem, mas nunca deixem de se divertir!


Arcano9
Londres, 24/12/2001

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