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Terça-feira, 15/4/2014
Como sobreviver ao Divórcio de Ricardo Lísias
Isabella Ypiranga Monteiro
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No princípio, tudo são flores. Você acredita sinceramente que escolheu a pessoa certa com quem compartilhar a vida e que aquele frisson da época de namoro vai durar para sempre. Passam-se anos para que o casamento comece a desandar, as incompatibilidades entre marido e mulher venham à tona e os desentendimentos se tornem frequentes, até que a excruciante e inevitável separação acontece. Com Ricardo, protagonista de Divórcio (Alfaguara, 2013), mais recente romance de Ricardo Lísias, as etapas características de uma união condenada ao fracasso foram queimadas antes mesmo que algum pessimista convicto pudesse prever seu fim. Apenas quatro meses após a troca de alianças e juras de amor eterno, ele encontra o diário da esposa, espécie de ensaio sobre o desprezo pelo companheiro e prova irrefutável de infidelidade, guardado displicentemente em uma gaveta do quarto do casal. A decisão de ler suas insólitas anotações de cabo a rabo, além do consequente e imediato abandono do lar, dão início a um largo e desconfortável percurso, em que personagem e autor se confundem a cada linha, até o plausível resgate de uma autoestima devastada.

Para sobreviver à recém-descoberta traição moral e carnal, Ricardo passa a caminhar pelas ruas de São Paulo, onde cruza ocasionalmente com travestis e outras figuras típicas da cidade grande. Logo, os demorados passeios solitários se transformam em treinos para a famosa corrida internacional de São Silvestre. Por quinze capítulos - uma referência confessa à quantidade de quilômetros da competição -, divididos ao longo de 237 páginas, o protagonista, um escritor prestes a completar 40 anos como Lísias, narra de modo caótico o período pós-separação, incluindo o fogo cruzado e as tentativas de reconciliação com a ambiciosa ex-mulher, autointitulada "a maior jornalista de cultura do país", ataques despudorados a seus colegas da imprensa e o vaivém de e-mails grosseiros com o advogado responsável pelo divórcio. Se para o personagem é difícil encarar a perspectiva de que sua cara metade o considere simplório, "um homem que não viveu " e por quem não está apaixonada, a ponto de ver-se morto e ter a nítida impressão de que tamanho desgosto está lhe arrancando a pele; para o leitor, o livro não é menos indigesto. A forma como a narrativa é construída também contribui nesse sentido. A linguagem truncada, os diálogos beligerantes e as transcrições de trechos perturbadores do infame diário, sem dúvida, provocam certo incômodo, mas não chegam a ser um obstáculo que nos impeça de correr o dedo freneticamente pelas palavras em direção ao último capítulo.

"Depois de quatro dias sem dormir, achei que tivesse morrido. Meu corpo estava deitado na cama que comprei quando saí de casa. Olhei-me de uma distância de dois metros e, além dos olhos vidrados, tive coragem apenas para conferir a respiração. Meu tórax não se movia. Esperei alguns segundos e conferi de novo. A gente vive a morte acordado".

Para sobreviver à recém-descoberta traição moral e carnal, Lísias resolve retaliar a ex-esposa publicando Divórcio. Ou, pelo menos, é o que dizem as más línguas. Em entrevistas, o paulistano - criador do exitoso O livro dos mandarins e presente na seleção dos melhores jovens escritores brasileiros de 2012 da revista britânica Granta - costuma negar com veemência que o romance seja autoficcional, porém, não é a primeira vez que investe na mistura de aparente realidade e fantasia para contar uma história. Ele já havia emprestado a própria identidade a seus protagonistas em O céu dos suicidas e no conto "Meus três Marcelos". O inusitado recurso, no entanto, nunca gerou tanta controvérsia quanto agora, principalmente entre os jornalistas. Embora alguns apreciem a coragem com que Lísias critica a relação muitas vezes antiética desses profissionais com suas fontes - tendo o devido cuidado de não dar nome aos bois - e a comercialização obscena da cultura em eventos como o Festival de Cannes, o autor acabou cultivando desafetos no meio e foi acusado de lavar roupa suja em público. Afinal, quem precisa de terapia para superar traumas se pode escrever? Seja como for, ele aparenta ter saído incólume da celeuma em que se envolveu e, sem medo de causar mais polêmica, afirma que o dever do escritor é justamente tirar a literatura do marasmo.

"Enfim, esse tipo de sexo escondido no hotel onde ficam os jurados de um festival de cinema acontece em qualquer lugar do mundo. No Brasil, porém, as pessoas buscam favores transando com as outras. Tudo por aqui é feito para garantir os privilégios da classe dominante. Ficou famoso o caso de um lobista que contratou uma alcoviteira para montar um hotel em Brasília. Muitos jornalistas deitaram e rolaram com a história. Só se esqueceram de dizer o que eles mesmos fazem".

Para sobreviver à recém-descoberta traição moral e carnal, Ricardo - de novo, o personagem - decide meter a cara no trabalho. Nasce, então, o conto "Divórcio". Em uma mostra clara de metalinguagem literária, testemunhamos o processo "criativo" do autor, sua vívida sensação de estar dentro do próprio texto, sem falar na estranha mania de fazer listas para tudo, tentativa inconsciente de colocar em ordem os contrassensos de uma existência melancólica. Afinal, quem precisa de terapia para superar traumas se pode escrever? Sim, você não está enganado, eu disse isso antes. Lísias também peca pelas constantes repetições na redação. Apesar de funcionarem bem aplicadas a fragmentos inconclusivos do diário, servindo para aguçar uma espécie de curiosidade catártica no leitor, ele força a barra em certos pontos. Parece, por exemplo, procurar convencer a si mesmo daquilo que sua "criatura" diz quando ironiza ad nauseam as convicções da ex-mulher sobre a Catedral de Notre Dame. Atos falhos e contradições à parte, os esforços coléricos de desmoralizar a perversa algoz acabam, contudo, intricando o trajeto de Ricardo em busca da cura emocional.

"Parece que eu estava nervoso no capítulo anterior. Ao contrário, planejei tudo para que, em um crescendo de indignação, o narrador chegasse à conclusão final. Eu e ele nos descolamos. Fiz até uma pequenina tabela com as características do narrador que 'Divórcio' foi constituindo enquanto eu apaziguava meu trauma. Ela vai ter pouco uso, porém: no próximo capítulo, o narrador sai para que Ricardo Lísias volte à cena. Vou retomar a corrida de São Silvestre que ficou para trás e encerrar o livro com uma carta que de fato assinei".

Para sobreviver ao Divórcio de Lísias, é preciso ter estômago e uma boa dose de otimismo correndo nas veias. Acompanhar o protagonista em seu circuito repleto de tropeços, entretanto, não é tarefa complicada. A imensa maioria de nós já enfrentou decepções amorosas no passado. Identificar-se com a suposta vingança pessoal do escritor, tampouco. Atire a primeira pedra aquele que jamais desejou ir à forra ao descobrir que dormia com o inimigo. Mas o que, de verdade, prende a atenção do leitor, mantém o ritmo firme de suas passadas e aumenta a produção de endorfina no seu sangue é a esperança de que, por maior que seja um sofrimento, não há mal que nunca se acabe. "Morro só mais uma vez", promete o narrador nas páginas do romance. "O que não mata, fortalece", ensina o sábio provérbio. E o que é a morte física, factual, diante das várias pequenas mortes da alma com as quais temos que lidar? À medida que o personagem elimina as barreiras que reduziam sua velocidade e que a pele, antes sensível, dá lugar a uma casca grossa, imaculada e resistente a choques, não podemos deixar de refletir sobre as oportunidades de renascimento que a vida nos oferece. A travessia de Ricardo pelos caminhos tortuosos da resiliência deixa um rastro de lições. Seguramente, a mais importante delas é a de que sempre existirá uma linha de chegada. Basta ter fôlego para alcançá-la.

"Minha pele nasceu de novo. 'Divórcio' não é um livro de jornalismo, não tem fontes, não usa off, as fotos são de arquivos familiares e o autor do livro, responsável por todas as linhas, é Ricardo Lísias".


Isabella Ypiranga Monteiro
Rio de Janeiro, 15/4/2014

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