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Sexta-feira,
17/3/2023
O batom na cueca do Jair
Luís Fernando Amâncio
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A origem da expressão é machista. E bastante visual. É inevitável imaginar uma mulher boquiaberta ao encontrar, no cesto de roupas sujas, a cueca do marido manchada por um batom que não é seu. Uma cena bem anos 1950, convenhamos, com a esposa provavelmente se calando a respeito do flagra.
Os tempos mudaram, a despeito da vontade de alguns. E essa dinâmica de poder na vida doméstica, quero acreditar, encontra-se em extinção.
Porém, a expressão me veio à mente com a história das joias oferecidas pelo governo saudita ao ex-presidente e à ex-primeira-dama do Brasil. Tudo ali é indecente. A forma como tentaram entrar com o presente como se fosse uma mercadoria comum, as tentativas atabalhoadas de recuperar os diamantes na alfândega e as justificativas mambembes que estão surgindo sobre o episódio.

Parece, de fato, um marido que explica a mancha de batom na roupa íntima. “Olha, meu bem, não é o que parece, esse batom, veja só, na verdade é molho de tomate…”. Mas o resumo da história brilha tanto quanto um diamante:
O Governo Bolsonaro recebeu 14 milhões de reais em joias da Arábia Saudita. Jair e Michelle tentaram se apropriar do agrado, mas, pelo valor, ele deve ser incorporado ao patrimônio público. Em contrapartida, se o presente fosse um bem particular, o casal deveria declará-lo para a Receita Federal e pagar os devidos impostos. O que não ocorreu.
É triste, três meses após o fim da relação, ainda falar no ex. Porém, nesse caso, é necessário. Pelo óbvio: a situação é escandalosa. Incorporar bem público ao seu patrimônio privado tem um nome bem comum na boca de eleitores do Jair: corrupção. Nosso ex precisa se explicar.
Presentes tão vultuosos entre chefes de Estado também não são recorrentes. Mesmo quando partem de países do “mundo árabe”, onde a fortuna jorra do solo para o privilégio de alguns. Os xeques têm algum motivo em especial para tanta generosidade com o casal Jair/ Mijoia?
Por fim, precisamos falar no ex porque, enquanto o escamoso se refugia na Flórida, seus asseclas vulgarizam o discurso de ódio. Por exemplo, no dia 08 de março, data em que celebramos a resistência das mulheres numa sociedade patriarcal, um deputado federal transformou o Plenário em palco de bizarrices. Fez troça de um tema que causa mortes diárias no país campeão de feminicídio, homofobia e transfobia.
No Brasil, foi Jair, o Fujão, quem popularizou o uso de preconceitos como pauta política. Hoje, seu legado vergonhoso possui representantes eleitos nas diversas esferas do poder. Nessa semana, por exemplo, também tivemos a defesa do trabalho análogo à escravidão por um vereador gaúcho e um deputado estadual sulmatogrossense exibindo livro de Adolf Hitler.
Portanto, é preciso ser enfático: enquanto se banaliza a perseguição de minorias como “opinião”, o que a nova política nos legou de mais notável até o momento foi um ex-presidente que se encontra nu, com diamantes podres escondidos na cueca.
Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte,
17/3/2023
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