O diabo existe, e é bom | Alexandre Ramos | Digestivo Cultural

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Sexta-feira, 17/1/2003
O diabo existe, e é bom
Alexandre Ramos
+ de 10700 Acessos
+ 2 Comentário(s)

O rosto quase bonachão, calvo, a imagem de fragilidade acentuada pelos óculos, em contraste com o corpo musculoso e a sinistra máscara de couro, faz Nicolas Cage hesitar. "Machine" aproveita a chance e derruba o detetive, enquanto diz: "Eu não fui estuprado, ninguém abusou de mim quando criança, e sou perfeitamente normal. Faço o que faço porque gosto". O que ele faz, no caso, é "atuar" em filmes nos quais pessoas são estupradas e mortas de verdade.

8 mm é um dos melhores suspenses de 1999, está passando num desses canais de filmes, e retrata muito bem a questão dos chamados snuff-movies, que constituem mais um produto para a aparentemente insaciável perversão humana. Muitos deles, não obstante sua temática escabrosa, são realizados como quaisquer outros, isto é, com efeitos especiais, mas policiais americanos e europeus já acreditam que outros muitos, filmados principalmente no sudeste da Ásia, são de fato reais.

Quando alguém descarrega uma arma a esmo, ferindo e matando quem estiver por perto, num cinema, numa escola, a primeira - e talvez única - pergunta que fazemos é: por que? O horror e o absurdo são tão intensos que a racionalização aparece como a única saída: ah, o cara era louco; ah, essa ideologia, aquela religião, todos esses filmes e jogos de violência... e por aí vai. Mas no fundo, bem no fundo, talvez a resposta de "Machine" nos ponha diante de uma questão que raramente temos coragem de enfrentar: "faço porque gosto", e ponto final.

Nós, católicos, sempre que vamos à missa dizemos que pecamos muitas vezes, e de muitos modos. Poderíamos acrescentar que gostamos do que fizemos (e bastante, do contrário não haveria reincidência), e que não fizemos mais por absoluta falta de tempo, coragem e talento. Provavelmente, o que mais incomoda o leitor de O diário do farol, de João Ubaldo Ribeiro, seja justamente se reconhecer nem tanto nos atos cometidos pelo protagonista, mas na capacidade para a hipocrisia e a mentira.

Ora, o ato penitencial que acontece no início da missa expressa, para além de todas as limitações e condicionantes de ordem psicológica, cultural e outras, a realidade fundamental: naquele espaço de liberdade efetiva de que disponho, freqüentemente oriento minha vontade e meus atos para o mal, deliberadamente. Nada a ver com ideologias circulantes na sociedade, com problemas de família, genéticos e que tais, com a decadente cultura ocidental ou o último filme do Sylvester Schwarznegger. Nada disso. Apenas a minha vontade.

Nessas regiões sombrias da existência humana, em que as ciências pouco ou nada têm a dizer, move-se um personagem ao qual, creio, muita coisa foi indevidamente atribuída: o demônio. Hoje, com tantos anjos subindo e descendo por aí, não era mesmo de se espantar que alguém se lembrasse desse em especial(1). E o que estamos presenciando é um número crescente de leigos e religiosos que, sem a mínima habilitação para isso, estão diagnosticando a presença e a atuação de anjos e demônios na vida das pessoas.

Há cerca de três anos, com pouco mais de uma semana de intervalo, chegaram ao meu conhecimento o caso de uma religiosa que disse a uma pessoa que sofre de câncer que se trata de uma ação demoníaca; e o de um seminarista, desses que tomam chá diariamente com nossa Senhora, que garantiu a um casal meu conhecido que algumas dificuldades por que estão passando se devem à ação de um "espírito do mal" que está em sua casa. Há ainda uns padres que, com a maior sem-cerimônia, declaram que as pessoas por isso ou aquilo já estão previamente condenadas ao inferno; o que vem a ser, precisamente, a melhor maneira de arrumar uma passagem de primeira classe e sem escalas para as profundas do dito-cujo. Tudo isso faz lembrar frei William de Baskerville, do Umberto Eco, que diz que, freqüentemente, a única prova que temos da presença demoníaca é o intenso desejo daqueles que querem sabê-la em ação.

Bem antes disso, por volta de 1985, eu tinha um amigo que começou a namorar uma garota que freqüentava um desses empreendimentos que se autodenominam igrejas. Ela o arrastou para um culto e tudo corria em relativa paz até que, como manda o script, chegou a hora do exorcismo. Ora, sem diabo não há exorcismo, de modo que, dado o sinal, o capeta começou a se manifestar em vários dos presentes. Meu amigo viu que o sujeito ao lado dele começou a querer dar chilique, ter uns estremeções, e aí, sem que a namorada percebesse, disse baixinho no ouvido do possuído: - Olhaí, meu chapa, vai ficando bem quietinho senão te encho de pancada (o termo que ele usou realmente me foge no momento) aqui mesmo. E naquele mesmo instante o pobre homem foi liberto do demônio que o atormentava. Isso, meus caros, é que é exorcismo.

Um último caso aconteceu em 2001, pouco antes de eu deixar o mosteiro. Um grupo de jovens apareceu muito preocupado, porque um deles andava tendo uns fricotes meio estranhos durante as reuniões. Um dos irmãos levou o rapaz para um canto, teve uma longa conversa com ele e depois o trouxe de volta para o grupo, com o diagnóstico: - É um caso simples de carência afetiva. Basta vocês darem um pouco mais de atenção a ele que tudo fica bem.

Que o demônio existe e age contra nós, está na Revelação Divina e no Magistério da Igreja. Que ele é apenas uma cri-a-tu-ra (e portanto bom em si mesmo, pois tudo que Deus fez é bom; o que ele fez com sua liberdade são outros quinhentos), ainda que poderosa, também.

Portanto, não se pode reduzir o demônio a uma patologia psicológica - negando sua identidade pessoal - sem abandonar a fé católica, o mesmo acontecendo com os que praticamente o elevam à condição de antagonista de Deus, de uma espécie de princípio objetivo do mal.

E são esses os dois maiores favores que se podem fazer ao demônio: achar que ele não existe, ou dar-lhe demasiada atenção(2). Da mesma forma, a preocupação excessiva em identificar a ação do demônio nos outros talvez seja o grande sintoma de que ele está agindo, sim, mas nos inquisidores de plantão. Mais ou menos como diz o Exorcista de W. P. Blatty: "É nisso que eu acho que consiste o endemoniamento: não em guerras, como alguns tendem a crer; nem tanto assim; e muito raramente em intervenções extraordinárias... Não, eu o encontro com mais freqüência nas pequenas coisas: nas malevolências absurdas, mesquinhas; nos desentendimentos; na palavra cruel e mordaz que vem espontaneamente à língua entre amigos. Entre esposos. Basta isso, e não temos necessidade de que Satã organize nossas guerras. Destas, nós mesmos nos encarregamos".

Entretanto, falando francamente, na maior parte do tempo sou levado a pensar com o simpático demônio Anthony Crowley, de Neil Gaiman e Terry Pratchett, que nada que um demônio possa conceber se compara àquilo de que é capaz a mente humana em seu pleno funcionamento.

Notas
(1) Falando nisso, creio que o último lugar em que o demônio daria as caras seria um culto satânico. Primeiro por causa do constrangimento: ele certamente não ficaria à vontade no meio de um circo daqueles. Segundo, porque o mal que essa gente faz a si própria é infinitamente maior que o que ele lhes poderia causar, de modo que é até melhor assim. Por outro lado, ele deve se divertir à beça nesses lugares onde é "exorcizado" em três shows diários. Reparem: por uma curiosa inversão da lei de causa e efeito, o demônio só dá as caras depois que um zé-mané qualquer disse que era exorcista.

(2) C. S. Lewis diz a mesma coisa e praticamente com as mesmas palavras. Lamento ter lido o excelente livro dele - Cartas do demônio ao seu aprendiz - somente após a publicação deste artigo.


Alexandre Ramos
Teresópolis, 17/1/2003

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Sobre a literatura de Evando Nascimento de Jardel Dias Cavalcanti
02. Nos escuros dos caminhos noturnos de Elisa Andrade Buzzo
03. Livrarias de Ricardo de Mattos
04. Ação Social de Ricardo de Mattos
05. Só por uma noite de Carina Destempero


Mais Alexandre Ramos
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
18/1/2003
14h26min
O texto O diabo existe, e é bom, retrara exatamente como as pessoas são atraídas para as tais religiões, que acreditam ter a solução para os seus problemas, porém desconhecem o verdadeiro motivo da desordem espiritual, a falta de amor a Deus.
[Leia outros Comentários de Iracema P. de Souza]
10/1/2008
23h09min
Por vezes, Alexandre, é preciso ler bons artigos, assim como estes que você escreve. Acontece uma identificação entre o que está escrito e o que pensamos, mas não sabemos como expressar. Gostei e vou continuar a ler o que escreves.
[Leia outros Comentários de Carlos Alberto]
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