O poeta Vogt, missionário do espanto | José Nêumanne

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Segunda-feira, 18/11/2002
O poeta Vogt, missionário do espanto
José Nêumanne
+ de 3700 Acessos

A poesia sempre nega o lugar comum. Ao aprender essa lição - e entendê-la bem, por ser lingüista -, o poeta Carlos Vogt radicaliza a opção pelo lugar incomum. Em sua labuta poética, inaugurada com Cantografia, prêmio de revelação em poesia da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) em 1982, e exercida em seis livros - o sexto, Ilhas Brasil, acaba de sair a lume -, esse militante da educação (foi reitor da Unicamp) desarruma as palavras com garra, talento e desprendimento. É com esses instrumentos que ele promove a demolição e a reconstrução de aforismos. Como em Alegoria: "Quem foi rei/ nunca perde/ a realidade". Nesse anti-aforismo, perceba-se, além da substituição da ilusão majestática pelo realismo chão, a submissão do senso comum à lógica semântica, o que dá ao uso do lugar comum como matéria-prima a ser distorcida um charme muito especial. Outro exemplo irresistível, nesse campo da operação sobre o provérbio, em que o poeta investe contra o óbvio para alcançar um efeito crítico e instigante é Ultrarrealismo: "A vida/ limita/ a arte".

É notória essa sua preferência pelo epigrama, a difícil arte de sintetizar o escárnio e o pitoresco em versos curtos de breves palavras. Mesmo sem o rigor técnico (quase matemático) exigido pelos japoneses em seus haiku, a natureza epigramática não é avessa apenas à enxúndia, mas também às facilidades do anedotismo inconseqüente e episódico. Em Super-homem ("A vida pode continuar/ sem mim/ a vida"), Vogt nos dá uma idéia precisa de como é hábil na esgrima verbal em campo estreito e minado. É óbvio o confronto entre o título superlativo e a confissão simultaneamente minimalista e cósmica do corpo do poema, um mini-hino irreverente e resignado à precariedade da condição do gênero humano.

A confissão da própria pequenez, reconhecida de forma tão crua nesse poema, também comparece no tratamento auto-irônico, muito bem-vindo num ambiente de vaidade e autocomplacência como o é o da literatura (especialmente a poesia) no Brasil. É o caso de Desequilíbrio: "Eu confio na humanidade,/ mas ela não confia em mim". Essa autoderrisão não se limita, contudo, a um exercício de contranarcisismo oportunista. O poeta vai além: pinga gotas de ácido na própria condição humana, para assim penetrar mais profundamente na ossatura do gênero sem ficar só em impressões meramente epiteliais. O sarcasmo se faz presente de forma exemplar no conselho dado em Anfitriã: 'Não se decepcione:/ a vida o convidará/ para outros fracassos". Não há quem consiga ver esse título e esses três versos dispostos elegantemente sobre o papel em branco sem sentir um friozinho no baixo ventre. Será que estou exagerando?

Exagerado ou não, este resenhista reconhece que basta de decupar epigramas, pois seria uma simplificação - e grosseira - limitar a obra, e o sexto livro, de Vogt à brevidade de seus textos poéticos. O que os caracteriza (a obra como um todo e o livro em particular) é aquilo que a prefaciadora Marisa Lajolo classificou como espanto "face à vida, à morte, aos outros". O poeta, missionário do susto, dedica-se em Ilhas Brasil a depenar (Inconcluso: "O poema/ ovo/ sem pena") a linguagem por excelência desta nossa Era da Informação - a dos meios de comunicação de massa. Sua ironia abrasiva (não é ele o autor de um poema e um livro intitulados Metalurgia?) dedica-se à corrosão da linguagem peculiar de nossa mídia. Leia Círculo Virtuoso: "A CPI alimenta a imprensa/ que alimenta a CPI/ que se alimenta da imprensa/ que aumenta a CPI/ que se lamenta da imprensa". E responda: não é uma síntese cruel? Sim, mas não é uma síntese precisa?

Até aqui pode ter restado a impressão de que Carlos Vogt não se aventura pelo perigoso universo do poema largo, dedicando-se exclusivamente à ourivesaria exata da síntese epigramática. Será um equívoco. Mesmo de posse do poder da concisão, ele também se compraz no gosto da efusão, como lembrou o saudoso José Paulo Paes no texto que escreveu para a orelha de Metalurgia (de 1991). Está certo que em Metalurgia ele foi mais efusivo do que em Ilhas Brasil, mas também neste último ele se permitiu ao longo fôlego em poemas como Anagramas (homenagem às Anas de sua vida), Desenvolvimento Sustentável ou mesmo o que deu título à coletânea, nos quais deu vazão a sua veia crítica social e política, essencial num poeta que se preze (e é o caso), desde que não subordine (e não é o caso) o veio poético ao vezo retórico. Nele, a poesia vem antes e por cima.

Para ir além



Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no caderno Variedades do Jornal da Tarde.


José Nêumanne
São Paulo, 18/11/2002
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