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ENSAIOS
Segunda-feira,
26/4/2010
Diálogo com pastinha de hadoque
Sérgio Rodrigues
+ de 3900 Acessos
LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)
― Você gostou?
― Hein?
― Gostou do livro?
― O livro é legal.
― Legal o bastante para ganhar capa?
― Hahaha, calma, as coisas não funcionam desse jeito. Primeiro, não gostei tanto assim. E mesmo que tivesse gostado, a minha opinião é só a minha opinião. Não basta.
― Como não? Você não é o editor da revista?
― Escuta, querida. Você quer me ensinar a fazer o meu trabalho?
― Não, eu...
― Eu só aceitei este almoço, no meio de uma semana complicadíssima para mim, porque a gente sempre teve uma boa relação profissional. Acho você uma menina bacana, competente. Mas não confunda as coisas.
― Desculpe.
― O livro que você está tentando me empurrar é ingrato. Melhor desistir. Poupe sua munição para quando valer a pena.
― Certo. É só que você disse que achou legal...
― Estava sendo educado. Na verdade eu nem li.
― Ah.
― Não precisei ler. Leram por mim.
― Alguém da sua equipe...
― Mais ou menos isso. Vamos pedir?
― Para mim, a truta com arroz de amêndoas. Você pode me dizer quem da sua equipe leu?
― Taí, eu vou na truta também. Hein?
― Quem da sua equipe não gostou, você pode me dizer? Aqui entre nós?
― Não.
― Entendo.
― Parece que não entende, não. Garçom!
― Olha, não me leve a mal. É só que...
― Duas trutas com amêndoas, por favor.
― É só que eu gosto muito do livro. Muito mesmo. Nunca fiz uma divulgação em que eu acreditasse tanto.
― Hmm.
― Acho que a literatura brasileira precisa de livros como esse.
― Hmmm.
― Você devia ler, viu? Mesmo que ficasse para um próximo número, não tem pressa.
― Jura que não tem pressa?
― Claro que não. O tempo da literatura...
― Escuta, queridinha, vou abrir o jogo com você. Esse livro não entra na minha revista. Nem este mês nem ano que vem. Nem como capa nem como notinha. Não entra nem arrombando a porta, nem sequestrando a minha mãe. Ficou claro?
― Puxa, mas...
― Esse autor é um não-autor na minha revista. Entendeu agora? O dia em que ele for levado a sério pela Textus e pela Finnegans, a gente conversa. Quando ele ganhar elogios estonteantes do Adolfo Pinho Rosa, a gente conversa. Quando o Armazém Typographico contratar seu próximo romance, a gente conversa. Quando a turma do Empório Zero der festinha em homenagem a ele, a gente conversa. Quando a blogosfera bater tambor para ele, a gente conversa. Quando...
― Entendi. A sua revista segue a manada.
― Que seja. Se é assim que você prefere pôr as coisas.
― Desculpe, eu não tive a intenção.
― Você tem muito que aprender, não tem?
― Eu sei. Desculpe. Não vamos mais falar desse livro.
― Acho bom.
― Você gostou da pastinha de hadoque do couvert?
― A pastinha é legal.
― Eu já sabia que o Guia Swinton tinha recomendado, mas só agora entendo por quê.
― Realmente fantástica a pastinha.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Parte integrante do livro Sobrescritos (Arquipélago Editorial, 2010, 152 págs.), de Sérgio Rodrigues.
Para ir além
Sérgio Rodrigues
Rio de Janeiro,
26/4/2010
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