BLOGS
>>> Posts
Sexta-feira,
8/5/2015
Dores
Anchieta Rocha
+ de 1000 Acessos
Há pessoas que colecionam de tudo: chaveiros, carros, armas. Eu coleciono dores. Desde pequeno passei a colecioná-las. Sou expert. Onde há o menor sinal, a menor possibilidade, lá vou eu, kit na mão a averiguar, mensurar, diagnosticar e classificar.
Você vai vivendo, embolando as coisas e um dia, sem menos esperar, lá do fundo puxa aquela dor adormecida - um canal de dente mal curado que volta a incomodar. Até inventei um aparelho: algímetro. A palavra não tem uma sonoridade bonita, mas por enquanto vou me contentando com ela.
Se estou com o estoque baixo, vou pra rua, entro num bar, escuto um e outro. Bom é na igreja. Pena que não dá pra escutar com clareza a lamúria das pessoas. Pego uma dor aqui, outra ali, substituo essa por outra, desempoeiro as antigas. Já estive perto do fim e se não vou de vez é porque alguém do lado de lá me barrou e falou ora essa, esse sujeito aqui, passando na frente dos outros.
Às vezes me perco. Uma dor que ouvi de não sei de quem, outra que veio não sei de onde, eu acho que devia prestar mais atenção. Um dia cheguei a intermediar a troca de dor de um vizinho com a de um cara que conheci na feira, mas na hora do acerto final um deles achou que estava levando desvantagem e refugou.
Esse negócio de troca de dor não funciona comigo também. Foi o que aconteceu no dia em que uma namorada me deu um pé-na-bunda e fui namorar uma tapa-buraco que acabou gostando de mim e sofreu quando eu lhe virei as costas.
Dores e dores. Há as que latejam a vida inteira. Outras abrem fenda, espalham, avançam, tomam conta até a morte. Algumas esmaecem, mas quando voltam, vêm arrebentando o que encontram pela frente, estilhaçando tudo.
A dor das mulheres! Límpida, pode se transformar em chama devastadora. A dos homens truncada, contida, pungente. As dores da entrega e do parto são prenúncio de felicidade. Há outras: a dor intangível de uma música, ou quando se assiste a um sombreado fim de tarde. A dor da morte com o tempo arrefece, acama. A do amor que acaba, a da perda do amigo, insepultas, sempre deixam esperança. Dor de criança - leve, rasteira, pele tenra, cicatriza com um sopro.
Postado por Anchieta Rocha
Em
8/5/2015 às 22h05
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|