Cuba e O Direito de Amar (3) | Marilia Mota Silva | Digestivo Cultural

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Quinta-feira, 21/1/2021
Cuba e O Direito de Amar (3)
Marilia Mota Silva
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Nas conversas que tive com cubanos, quando andava por Habana Vieja, curiosa para saber o que significavam as braçadeiras vermelhas que via por toda a parte, inclusive em crianças com uniforme escolar, aprendi o que era CDR - Comitê de Defesa da Revolução: um sistema de controle absoluto da população. A vigilância do Estado dentro de cada casa. Vigiar e denunciar: o que faz cada um, quais suas amizades, o que pensa, quem o visita, quantas vezes, onde vai, com quem conversa.

Vigiar e denunciar são valores que as crianças aprendem desde pequenas. Isso destrói o que é mais essencial na nossa vida: a confiança em família, entre pais e filhos, irmãos e amigos, disse isso ao velho garçom de boa-vontade, e ele respondeu que o CDR tinha também outras atividades importantes na vida comunitária: organizavam as festas como a que aconteceria hoje. Cuidavam que os bairros estivessem sempre limpos. Atendiam os que precisavam de ajuda. Ajudavam nas campanhas de vacinação.

Difícil entender como um país pode ser administrado com ingerência de um poder central nos mínimos detalhes: do pensamento dos cidadãos até o abastecimento de ítens básicos. Por exemplo, não espere encontrar papel higiênico nos banheiros dos bancos, bares, restaurantes. Nem mesmo no aeroporto. Só se encontra nos lugares exclusivos para turistas. Se economia é a arte de administrar a escassez, a administração cubana merece o Nobel.

Jantamos no hotel com os companheiros do México e da Argentina. Planes falou da conversa que teve com o motorista de táxi que o trouxe do aeroporto: cada cubano tem direito a 750 gramas de carne por mês, toda a alimentação é racionada. Existe muita prostituição, mas o pagamento é feito com comida ou roupa.

*****

28, quinta.
Fui à catedral. Entrei com uma turma de canadenses, o zelador logo me viu, fez sinal com a cabeça e o segui até a sacristia. Devolvi-lhe as cédulas, pedi desculpas. Ele retirou um bloco de pedra da parede e guardou lá o dinheiro, sem me olhar. Ainda hoje me arrependo por não ter comprado nada para ele ou para a filha.

Lamentei também estar tão mal informada antes da viagem. Poderia ter trazido a mala cheia de roupas, qualquer coisa seria útil para eles.

Na entrada da igreja, o mesmo homem rígido, assustava. Juntei-me a um grupo de canadenses que apreciava a arquitetura da catedral, as paredes de pedra, quando o mexicano Mazotti me encontrou. Passamos juntos o resto da manhã, transpirando no calor úmido e abafado. Os museus só abririam no dia seguinte. Vimos de fora a Academia de Ciências, uma réplica do Capitólio de Washington, o teatro Garcia Lorca, o prédio onde funcionava a Bolsa de Valores de Havana que agora era um restaurante para os funcionários do Banco Nacional de Cuba.

Entramos sem ser barrados, Mazzotti torceu o nariz olhando a comida nos bandejões, mas as pessoas comiam animadamente, embora sem ruído, e sem conversa que pudéssemos ouvir.

Saímos às pressas quando surgiram uns caras com expressão raivosa, andando em nossa direção, como se fossem nos interpelar ou pôr pra fora.

Queríamos tomar um drinque porque já estava na hora do almoço e mais uma vez pedi piña-colada. Não tinham. Só Morritos, o drinque preferido de ... .

Perguntei qual ingrediente estava em falta, porque eu não encontrava esse drinque em lugar nenhum. O garçon respondeu que não havia côco, nem piña, nem rum. Só rindo. Côco e abacaxi tinham que ser abundantes numa ilha cheia de praias e calor. E rum é sua bebida mais tradicional. Enfim...só morritos.

*****

À tarde, resolvi descansar meus pés. No Canal de Sol estava passando um filme em que Paul Newman ensina a um rapaz a ser um vencedor na sinuca. É um típico filme americano: o mais velho derrotado ensina o mais jovem a ser o melhor, e isso inclui dar-lhe uma lição decisiva, a de não ter pena de ninguém, a ser sério, profissional, duro: que use trapaça para forçar apostas mais altas, que o que importa é vencer. O objetivo maior deles é jogar em Atlantic City. Quando chegam lá, o salão de sinuca é filmado como um templo. Suntuoso, sublime. Começam pela parede dos fundos, que surge como se fosse um altar, a música lembra música religiosa. A câmera vai baixando até mostrar a série de mesas de jogo, alternando com o sempre lindo rosto de Paul Newman. É um hino ao individualismo, à competitividade, ao dinheiro, ao sucesso a qualquer preço. Uma escolha bem pensada para lembrar aos turistas a pobreza, o vazio dos valores no sistema capitalista.

À noite tivemos jantar com Santiago e Marta, diretores do BNC, no La Zaragozana, genuína cozinha cubana. Foi um jantar com vários pratos, como um menu de degustação. Aperitivos, bons vinhos, sobremesa e licor. E charutos. Eu suava frio, o cheiro piorava meu mal-estar. Mas a conversa foi animada. Santiago falou com ardor do regime socialista. Disse que seus pais eram gente humilde e ele nunca poderia ter chegado onde chegou em outro regime. Marta falou da saúde, com o mesmo entusiasmo. Perguntei sobre planejamento familiar e fiquei surpresa com a resposta. Eles não têm, ao contrário. Disse que os mais pobres têm muitos filhos porque a mulher fica de licença durante toda a gravidez e mais um ano depois do parto. Aí volta a trabalhar, mas pode tirar nova licença de um ano, depois de um mês de trabalho. Marta disse que estão estudando esse sistema que significa um grande peso para a sociedade.

Chegaram muitos brasileiros no hotel. No restaurante, no elevador, no saguão, na piscina, de cada dois grupos conversando, um é de brasileiros. Alguns vieram em voo charter da Vasp. Tem um grupo grande de empresários gaúchos e um grupo de mulheres; devem ter chegado ontem porque ainda não sabiam como funcionava o restaurante. *****

29, sexta.
Fiquei no hotel de manhã. A piscina é de água do mar, muito salgada. Havia poucos hóspedes nas espreguiçadeiras e o sol estava ameno. Acabei de ler o livro de Zuenir Ventura, "1968, o Ano Que Não Terminou". Um livro importante para conhecermos nossa história. Costa e Silva é mostrado como quase uma vítima das forças da direita O autor se baseou em pesquisas, mas fiquei me perguntando se o general teria tido mesmo tanto escrúpulo ao editar o AI-5. Almoçamos no hotel mesmo, no Restaurante L'Aiglon, com música cubana ao vivo.

À tarde, Pedro, que substituiu Ismael, nos levou para conhecer as praias do leste. O argentino perguntou se qualquer um podia passar as férias ali. Sim, claro, o motorista respondeu. É só reservar. As pessoas economizam durante o ano e depois gastam tudo nas férias.
Economizam como? Planes estava realmente interessado no sistema cubano. Se só recebem cupons de racionamento. Pedro ignorou a pergunta, e ficamos sem resposta. Continuamos apreciando a paisagem que passava à distância, velozmente: uma extensão de conjuntos habitacionais, uma escola para chefes do exército, uma West Point, disse Pedro, com o que há de melhor e mais moderno.

Nosso destino estava mais à frente. Descemos, pisamos descalços na areia grossa, apreciamos a linda praia, o mar e os coqueiros fustigados por um vento muito forte. Tudo limpo e bem organizado.

Havia grandes caixas d'água atrás dos coqueiros, com torneiras para que as pessoas pudessem se lavar na saída. Fui lavar os pés e as mãos antes de voltar para o carro, mas nenhuma delas funcionava. Havia grandes buracos de ferrugem e estavam vazias. A maresia corroera tudo.

Éramos só os quatro em toda a praia, tiramos fotos uns dos outros e seguimos em frente. Da estrada vimos um bairro com casas modernas, bonitas, e o argentino perguntou se podíamos parar ali para um café e água. Havia uma guarita na entrada, e o motorista saiu do carro para conversar com o guarda. Depois de longa negociação, em voz muito baixa, Pedro voltou sem dizer nada.

O guarda, com uma carranca de assustar, levantou a barra que bloqueava a passagem. Demos uma volta no bairro - na verdade fizemos um retorno, e saímos. A atmosfera era tensa e nem o argentino disse nada. Fomos `a outra praia, cheia de pedrinhas. Não dava para ir descalço, e o vento continuava muito forte. Estava quente, úmido e abafado, ninguém quis descer.

O motorista encontrou uma loja da Intur e pudemos comprar refrigerante e água. Depois de muita insistência, Pedro aceitou uma latinha de refrigerante. É contra a lei, disse, preocupado. O argentino comprou camisetas para seus chicos e niña.

À noite nossos anfitriões nos levaram ao Tropicana, um cabaret instalado entre árvores, com a "decoração tropical" esperada. Vimos os shows com plumas e lamês, típicos para turistas. Depois dos shows, dois, com pequeno intervalo, fomos bailar. Os músicos tocavam duas músicas e descansavam por dez a quinze minutos. Talvez para ninguém se animar demais. Mesmo assim bailamos, esperando pacientemente as longas pausas.

*****

30, sábado.
Saímos cedo para o aeroporto. Pedro ficou conosco até o embarque. Voo tranquilo em um velho Topolev, duas horas e dez minutos até o México.

Penso nos meus amigos que esperam com ansiedade meu relato, que reverenciam a Ilha e invejam suas conquistas.

Hoje, mais de trinta anos passados, gostaria de saber como está o país, como estão as pessoas que conheci brevemente, mas me ficaram na memória.


Marilia Mota Silva
Arlington, VA, 21/1/2021

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