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Sábado, 6/6/2015
Cheia
Anchieta Rocha
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Eu tinha acabado de trancar a porta da cozinha pra correnteza não levar o fogão, quando ouvi um barulho no quarto. Com a água alta, o guarda-roupa tinha tombado. A caixa de papelão com o vestido de noiva tinha acabado de passar pela janela e ganhava a cerca no fundo do quintal. Limpei uma lágrima com a mão suja de barro. Nessa hora achei que o João não ia me querer mais. A gente se gostava, o casamento já estava marcado, mas aquele vestido de noiva me dizia qualquer coisa. Na curva do rio a caixa ainda fez que ia agarrar num galho de árvore. Veio uma onda mais forte e levou. Fiquei um tempão olhando pra fora pensando no João. Nós namorando de pouco, ele longe, eu grávida. Se fosse homem, chamava João também, mas não ia criar o menino na beira do rio.

O rio tinha vez que dava raiva. Já teve enchente das bravas, mas essa última era um aviso que coisa ruim estava pra acontecer. Nessa hora quis que me levasse. Não fui por causa do menino. Um passo pra frente e pronto. Na beira do barranco passei a mão na barriga e senti mexendo. Fiquei com remorso, dei as costas pra correnteza e esperei me acalmar. Andei um tempo sem rumo, até que fui dar no lugar mais alto do quintal onde o João ficava comigo quando vinha me ver. Lá a gente deitava debaixo das árvores, o rio, silencioso passando, espiando nós na rede.

Tudo começou numa tarde quando ele chegou da draga de puxar areia que ficava depois da cachoeira. Eu nunca achei que a coisa podia acontecer tão depressa, sem a gente conversar antes. Eu gostava dele um pouco. Um pouco só de olhar. Um pouco dum jeito que ainda não sabia se queria ou não.

Ele veio chegando, me pegando e apertando na árvore, respirando fundo, eu assustada, tudo tão depressa, igual um rio, arrebentando tudo, invadindo o vale, a água entrando na terra.

Sempre vivi ali - a minha vida inteira entre o quintal e o remanso, brincando com as bonecas e os irmãos. Minha mãe teve nós todos na beira do rio. Meu pai tirava o sustento da família com a draga, mas quando ficava ruim de areia, ele armava rede e chegava com o embornal cheio de peixe.

Depois que conheci o João as coisas mudaram. A minha vida ficou mais bonita. Ficou mais bonita porque eu arrepiava só de pensar que o rio que molhava os meus pés era o mesmo rio que banhava o corpo dele lá em baixo. Quando o João não vinha, tinha vez que sumia, eu deitava na rede, ficava olhando pra correnteza, os pensamentos passando. Tinha noite, nas quentes e claras, entre um sono e outro, eu confundia tudo, uma confusão boa. Se deixasse eu ficava ali a vida inteira, o pensamento embaralhando nas pedras, alisando a água.

A rede, o rio e o João até no dia que reparei na barriga. Fiquei alegre por causa do menino e triste porque queria casar na igreja com vestido de noiva e tudo. O João sumia sem dar notícia. Outra ele não tinha. Outra ele não tinha porque sempre que voltava, vinha que nem o rio, arrebentando com tudo pela frente.

O tempo foi passando, as águas crescendo e a minha barriga também. O pessoal começou a falar que podia ter enchente duma hora pra outra, que era melhor juntar as coisas e levar prum lugar mais alto. Não acreditava que o rio ia fazer uma traição comigo, invadir minha casa, roubar o que eu tinha. De uns tempos pra cá eu tinha pegado a mania de ficar dentro d'água quieta, abobalhada, vendo ele alisar a minha barriga já grande. Até defendia ele. Quantas vezes eu falei pro pai e pro João pra parar de tirar areia, que aquela tiração danada ainda acabava prejudicando ele.

A enchente veio que veio. Quebrou ponte, matou bicho, levou gente.

O rio cobriu o telhado e eu subi pra parte mais alta do terreiro.

Não quis sentar na rede cheia de folha. Cheia de folha não por causa da chuva. Cheia de folha porque tinha muito tempo que eu e o João não deitava nela.

A dor chegou forte. Procurei um lugar menos barrento pra deitar. A correnteza passava com pressa, nervosa, tomando conta de tudo que via pela frente. Pra me levar não tardava. Com um pouco da força que restava, forrei o chão com folha. Sentei amparando a barriga. Encostei no tronco e corri a vista nas grimpas das árvores. Fiquei olhando o céu que começava a azular. Não vi mais nada. O menino, alguém pegou, tirou as folhas da rede e enrolou nuns panos. Virei a cabeça pro lado do rio e vi que tinha baixado. O menino dormia. O menino na rede, o rio no leito.  


Postado por Anchieta Rocha
Em 6/6/2015 às 19h36

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