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Sábado,
20/6/2015
O encontro do Remorso com a Vergonha
Raul Almeida
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Um dia, passeando nas alamedas que precedem a entrada do Inferno, encontraram-se o Remorso e a Vergonha. Fazia tempo que não se acercavam tanto um do outro. Cumprimentaram-se e saíram em busca de um local para conversar, escolhendo um dos lindos bancos de mármore que guarnecem as alamedas laterais à entrada principal, protegida por retorcidos flamboyants e espinhosos bouganvilles.
Sentaram-se e começaram a falar. Primeiro o Remorso, ajeitando a túnica púrpura, ricamente adornada com filigranas de ouro brilhante e prata reluzente, depois a Vergonha, com seu manto de seda prateada e cinzenta, e a magnífica capa de ofuscante veludo negro.
- Então, como é que andam as coisas? O que é que você tem feito? Perguntou a Vergonha, iniciando o diálogo, enquanto acomodava-se na alvura da pedra.
-Ah, as coisas andam bem estranhas, respondeu o Remorso. Os conceitos e as práticas andam tão mudados que, muitas vezes, nem sei por onde começar.
- É mesmo. Antes era bem mais fácil. A religião ajudava. As crendices faziam a metade do meu trabalho, o Medo sempre aparecia para dar uma mãozinha, quando não, resolvia tudo sozinho. Era mais uma questão de quem e onde. Quando eu tinha que intervir, era porque a coisa... Bem você conhece bem estes casos. Quantas vezes precisei de tua ajuda.
- É, atalhou o Remorso. Depois que inventaram o "nada pessoal" ou ainda, "os fins justificam os meios", minha vida profissional ficou muito prejudicada. Estão acabando com o Arrependimento.Outro dia eu estava andando por aí e tive que ajuda-lo a levantar-se. Estava, completamente, arrasado, caído junto a uma poça de lama e ninguém se deu conta de, pelo menos, tentar erguê-lo.
- É mesmo. Somente o pessoal mais velho, mais próximo da entrada é que, de vez em quando, nos chama para fazer alguma coisa, não acha?
- Bem, pelo menos isso, não é?
- É, mas o problema é que quando estão chamando, quase sempre não dá para fazer mais nada...
- É mesmo. Então, o que é que você pensa em fazer para melhorar as coisas?
- Eu? Não penso em nada. Chegará um tempo em vamos ter que nos contentar em ficar lá na recepção, apenas carimbando os passaportes.
- É mesmo.
E concordando um com o outro, levantaram-se, tornaram a abraçar-se e saíram caminhando, cada um para o seu lado, pisando as flores caídas dos flamboyants e bouganvilles...
RA
Postado por Raul Almeida
Em
20/6/2015 às 11h01
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