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Sábado,
5/9/2015
Pinot Noir
Raul Almeida
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Eu estava escutando a Rosa Passos cantando: ... olhou nos olhos meus, juro por Deus.. dei pra mal-dizer do nosso lar..., Uma canção triste, profunda, terrível quando a gente esta com saudade, e o telefone tocou.
Pensei: É a força do pensamento. Que maravilha! Eu estava mesmo pensando nela e ela ligou!
Dei um salto do sofá onde estava sentado, entediado, bebendo um copo de vinho Pinot Noir, que não da nenhum trabalho para entender bouquets complexos ou sabores herméticos, tais como os grandes conhecedores costumam decifrar.
Êta vinho fácil de beber quando a gente esta triste. Não rasga a goela, não deixa a boca cheia, não se agarra à língua. Simplesmente desce, desce, desce e vai ocupando o que houver de estômago disponível, liberando seus 13 graus de veneno, entorpecendo com delicadeza, afrouxando as adriças da saudade, aquela coisa que não tem sinônimo, não tem pudor, não tem piedade. Mas não era ela. Ainda tentei desligar. Não deu.
-Espera ai, não desliga! Gritou a voz logo após o meu alô comum.
-Como?Quem fala? Respondi assustado. Quem é que poderia adivinhar minha intenção, antes que eu sequer respirasse.
-Então estás sozinho né. Eu sei que estás.
Olha, e assim mesmo, quando a gente menos pensa, as lembranças começam a passear dentro da cabeça, e nem sempre são as melhores.
-Quem é que esta falando, deve ser engano, desculpe aqui não mora ninguém com esse nome, tentei interromper a conversa surreal.
-Não desliga, não desliga não! Você sabe muito bem do que estou falando. Péra ai! Saudade, falta, Sehenzucht, aquelas coisas...
-Você também fala alemão, que diabo esta acontecendo, como você sabe que estou ou não com saudades, e de quem? Ainda por cima vem com essa de Sehenzucht, sai fora, brincadeira tem hora e estou com um mal humor terrível, vá se danar, vou desligar essa p...., e faz favor de não me encher o saco.
-Você não vai desligar nada, você vai é escutar. Tem que escutar, tem que pensar muito e aprender que o que já passou não volta mais e aprender a respeitar mais, a servir melhor, em ser mais suave, mais gentil, mais educado.
Até que você não e tão mau assim. Mas, veja bem, tem que mudar, tem mudar, tem que aprender como se trata um anjo, uma luz, um presente que você nunca mereceu...
Olha, não vou aliviar não. Toda vez que você ficar sozinho, pensando que pode suportar uma ausência, uma saudade, um momento de nostalgia, eu vou ligar, vou ate ai, vou bater na tua porta, sacudi-lo se estiver dormindo fora de casa. Lembra lá de Parati? Pois é. Depois em Maresias? Ah, esta se lembrando.
Não se trata de memória. Sou eu, o teu gerente de contas do Inferno.
Sou o teu remorso, o amante da tua consciência...
Agora, pega o copo de novo, da mais uma bicada, você não vai chorar mais hoje. Não vai mais pensar no passado. Já deu. Estou satisfeito. Quem sabe ela liga.
Você mesmo disse que não precisava, que ia ficar bem, escrever um pouco, botar alguns trecos em dia, etc e tal.
Quem sabe se o telefone tocar de novo não é ela.
Agora diga alguma coisa, vamos lá, diga alguma coisa.
Não vai dizer? Tudo bem.
Fique experto...
Da próxima vez, e vai haver a próxima, quando ela disser que vai ligar, não diga que não precisa. Você sabe que e absolutamente dependente daquela voz, daquele abraço, daquele rosto, daquele coração.
Ate a próxima.
Ufa, Desliguei o telefone com a ligação já terminada. Olhei para o copo, ainda com dois dedos no fundo,olhei o condor voando no rotulo do "tintillo" baratinho e fácil de beber, enquanto a musica, agora Bluesette, com o Quincy Jones, seguia pela metade.
Foi um delírio alcoólico arrisquei pensar, mas desisti logo, pois não quero que o telefone toque de novo se não for ela.
RA
Postado por Raul Almeida
Em
5/9/2015 às 14h53
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