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Quarta-feira,
14/10/2015
O Acaso e a Fatalidade
Raul Almeida
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Fazia tempo que um flertava com o outro. Procuravam criar situações onde quase se tocassem .
E foram muitas.
Uma alegria, um luto, vez por outra um golpe de sorte, um acidente ou mesmo um engano despropositado, e os dois estavam quase se atracando para contabilizar o feito. Era chegado o momento de entrarem num acordo: Quem é que iria provocar primeiro, o próximo dos múltiplos eventos vindouros?
Marcaram um encontro para conversar, tirar dúvidas, aparar arestas.
Depois dos cumprimentos formais e pouco afetuosos, se acomodaram num dos cantos do jardim do Inferno. Um lugar bonito, formado por alamedas e arruamentos primorosamente cuidados pelas almas penadas que ali estavam, justamente, pelas ações tanto da Fatalidade como do Acaso.
Deram uma olhada a toda volta e escolheram um caramanchão coberto por rosas cujo perfume inundava todo o ambiente.
O primeiro comentário foi feito pela Fatalidade.
- Que lugar lindo, não? Que rosas maravilhosas, tudo tão cuidado.
- É. Respondeu o Acaso. Tem toda razão, o lugar está muito bem administrado. O pessoal que trabalha aqui foi escolhido a dedo. Acho que você já sabia disso, quando concordou com este encontro.
-Sabia. Muitos destes jardineiros foram indicados por mim.
- Por mim também, apressou-se o Acaso. Marcaram posições defensivas.
- Bem, aqui estamos porque concordamos em que não precisamos nem devemos estar competindo pela primazia, na consecução das nossas obras. Afinal, um sempre vai completar o trabalho que o outro iniciou, não é verdade? Perguntou o Acaso, tentando dar um ar de racionalidade ao dialogo.
Dependendo da forma que os atores entram em cena, a preferência é minha ou sua, continuou.
-Veja bem, alguém que não foi trabalhar, pois o despertador não funcionou, que perdeu avião ou, que jogou e acertou na loteria. Ou, o prédio da firma pegou fogo o avião caiu sem sobreviventes, o bilhete foi premiado: São casos de minha prevalência.
Você chegou logo em seguida e completou o incêndio com as vítimas e com o prejuízo material, mas aquele que se salvou, ah, foi por minha conta! No caso do avião, somente eu produziria tal resultado. E o bilhete de loteria? O alvo não tinha o hábito de jogar, encontrou o vendedor com o número da placa do seu carro, bem ali de frente para ele.
A Fatalidade pensou um pouco, ajeitou-se melhor nas almofadas de seda dourada do enorme divã de vime trançado, serviu-se da fresquíssima água ali disposta num magnífico conjunto de cristal, olhou firme para o Acaso, sorriu e começou a falar.
- Afinal, o que somos nós? Conceitos, variáveis, vetores, ou o que?
O Acaso ficou em silencio, enquanto a Fatalidade procurava as palavras certas para enunciar os seus pensamentos.
- O que define quem é um ou outro?
Nossos primos, a Sorte e o Infortúnio sempre aproveitam as oportunidades que criamos e, no final das contas, acabam recebendo todos os créditos como se fossem os verdadeiros causadores dos acontecimentos.
- Bem, são muito descarados mesmo. Já tem a sua clientela definida, estruturada e fiel. Não sei porque esta mania de meterem-se em nosso trabalho. Em certos casos fazem tudo para atrapalhar as nossas oportunidades, atalhou o Acaso.
- Mas você não atendeu à minha indagação: O que é somos na verdade, quando se trata de acontecimentos, digamos especiais: Um conceito, uma variável ou um vetor?Como é que você se qualificaria? Insistiu a Fatalidade.
- Bem, conforme a ocasião podemos ser qualquer de uma dessas condições, duas ou mesmo as três em conjunto, respondeu o Acaso.
- Esta é que a questão. Nem nós sabemos o que somos. Muitas vezes os colegas Amor e Ódio, na intenção de ajudar, acabam atrapalhando tudo, além, é claro, do oportunismo rapinante da Sorte e seu irmão gêmeo.
- Você acha mesmo que o Amor e o Ódio têm essa força toda, capaz até de alterar um trabalho nosso?
- Acho sim, respondeu o Acaso, fiando a longa e encaracolada barba vermelha.
Eles seguem, diretamente, a Palavra. E você sabe, a Palavra é sempre a última a definir um evento. Uma boa Palavra e lá se foi o Acaso por água abaixo. Uma Palavra mais forte, mais poderosa, mais incisiva e uma estratégia de Fatalidade, desaparece numa nuvem.
-Se é assim, e eu estou achando que você tem muita razão no que está dizendo, acho melhor não mais competirmos e sim nos associarmos, daqui para frente.
- O que achas?
- Era exatamente o que eu desejava. Não tem cabimento estarmos discutindo a nossa sina. Andamos juntos, vivemos juntos, criamos juntos. Logo, vamos continuar partilhando as nossas atividades.
- Então, vou começar logo trabalhar.
- Não! Eu começo e você segue melhorando e aperfeiçoando os resultados.
- Nada disso! Eu concordei com você, ou melhor, concordamos que iríamos juntos.
E a discussão seguiu interminável, enquanto o sol púrpura e dourado realçava os contornos das construções lá longe, perto do portão de entrada.
Postado por Raul Almeida
Em
14/10/2015 às 11h38
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