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Segunda-feira,
8/2/2016
O espelho
Raul Almeida
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O velho começou a falar
- Foi tudo de repente:
Olhei e lá estava ele, com sua moldura cheia de entalhes, enegrecida pela fuligem do tempo. Não foi a primeira vez que fui surpreendido com sua presença impertinente, arrogante, inquisidora, fria.O espelho da minha vida lá do fundo do porão das lembranças Ah, se eu tivesse escolha, se eu tivesse a coragem de ignorar, toda vez que o escuto arrastando os grilhões da minha memoria, até materializar-se num portal de recordações, bem aqui na minha frente. Um espelho muito estranho.Fiquei olhando para ele e não me vi, mas o passado foi escorrendo pelo meu entorno, envolvendo meu pensamento, minha memoria e minha mente. Comecei a avaliar as escolhas equivocadas, os caminhos esquerdos, as palavras metálicas, fugazes ou ribombantes, que puseram algo a perder em algum momento especial. Tentei voltar à realidade e tudo aquilo que acabei de ver, refluiu para dentro da moldura sem dar tempo para uma correção, uma reavaliação, uma troca de atitude ou opinião. Estava la dentro, já era. Fiquei suando, triste, chorando amargurado. Por quê? Perguntei a mim mesmo. Por que tanta escolha errada, tanto caminho trocado, tantas pessoas más, tantos ingênuos e inocentes, tantos maus e farsantes foram priorizados em lugar do certo, do correto, do verdadeiro. Agarrei um objeto pesado e arremessei tentando quebrá-lo, sem qualquer resultado. Tentei queimar a moldura e compreendi a razão de tanta fuligem.Já havia tentado antes sem resultado. Fiquei cansado. Sentei na poltrona e, mais uma vez, o espanto me assolou. O danado passou a refletir outro conhecido sentado no canto da sala, com a cabeleira infernal de mil serpentes finas e sibilantes, o sorriso de pedra e olhos de gelo. A boca fina esboçou um sorriso de desdém. O remorso levantou-se e foi em direção ao portal maldito. Pensei que o castigo tinha acabado. Pensei que ao entrar, o espelho se quebraria e me libertaria de sua maldição. Pensei que, finalmente, pagara os pecados e retomaria a vida, com todas as lições e provas bem resolvidas.Por um momento senti enorme alivio Esbocei um plano: Vida nova, novas ideias. Abri um largo sorriso e senti a mão de um anjo do bem passando pela minha cabeça. Aquele que está sempre aqui ao meu lado. O anjo, a minha esposa. Então, percebi que o remorso continuava me observando, implacável. Antes de atravessar o sutil refletor das minhas memorias sugeriu um aceno crucial: Já sabia o que queria dizer: Vou voltar!. O velho encurvado, cabisbaixo, um tanto soturno, sentado naquele banco de praça, cercado de vida, olhava as crianças correndo para todos os lados, pessoas brincando com cachorros e pássaros cantando alto para os ouvidos mais atentos,tentava esconder uma lagrima de vergonha. - -Pois é, o espelho da minha vida não se quebra assim tão fácil. A moldura negra e enfumaçada se desfaz,até a próxima visita. As lembranças vem e voltam para traz da memoria. A vida tem que continuar.
Em seguida levantou-se, fez um aceno com a cabeça e partiu. Foi a ultima vez que o vi por ali.Parece que o Remorso e as lembranças não estão mais o incomodando.
RA
Postado por Raul Almeida
Em
8/2/2016 às 18h42
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