Dente de Ouro | Blog de Anchieta Rocha

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Quinta-feira, 9/6/2016
Dente de Ouro
Anchieta Rocha
+ de 1400 Acessos

Eu já tinha pensado em ir embora uma porção de vez. Parecia castigo. Começava a arrumar a mala, acontecia uma coisa, tudo mudava. Ir pra onde? Pra qualquer lugar, deixar esta cidade feia, as casas encardidas, um rio fedorento, um povinho esquisito, fuxiqueiro, que não olha na cara nem ri.

Minha vó conta, de menina, terra boa de viver, todo mundo conversava, as pessoas iam na casa dos outros, faziam agrado, tinha festa, a ruindade começando depois que um padre marcou de fugir com uma moça. Na hora o pai e os irmãos apareceram, levaram ele pra Pedra Preta, arrancaram a batina e botaram fogo. Na roupa de homem, com o crucifixo de cabeça pra baixo amaldiçoou a cidade.

Depois, tudo de ruim danou a acontecer. Não demorava, marido lavava a honra, rixa toda hora, tocaia não tinha conta.

Um dia, catando feijão, no meio dos bagos, duma chacoalhada da peneira, um dente de ouro apareceu. Apartei com a faca, venci o nojo e peguei. Esfreguei na toalha, o brilho avivou. Não tardou, a ideia: vender, comprar um vestido, fazer um brinco. Deitei a cabeça na mão e dei de imaginar de onde tinha vindo o tal: da boca de moço bonito, de quem colheu o feijão, de quem ensacou. Daí pra frente cismei que tinha que encontrar o dono, tarefa difícil, o povo da cidade não abria a boca pra nada, terra de pouco riso, só arrelia, sem festa sem alegria, nem dava gosto de pôr uma roupa bonita.

— Menina, esse feijão sem catar até agora? — Chega a mãe.

Pus empenho em encontrar o dono do dente. Andando na rua sem dar conta de nada, abobalhada, olhando pras pessoas, atrás dum sorriso que me levasse ao altar, até lembrei da história da Gata Borralheira que li de pequena, o príncipe procurando o sapato da moça. Ninguém abria a boca. Cidadezinha! Um dia achei que as coisas podiam mudar. Armaram um circo no campo de futebol. Na hora dos palhaços ninguém riu. Arriaram a lona, o circo não ficou dois dias na cidade.

Numa tarde, depois das tarefas da casa, o corisco na cabeça: por que eu não ia atrás do prático que cuidava dos dentes do povo da cidade?

Dei com ele trabalhando numa dentadura. Tirei meu achado do lenço e mostrei. Ele coçou o queixo, olhou pro lado, olhou pra cima, foi num caderno na mesa. Não é que o do dente era o dono da venda?

Era um mulato bonito. Cheguei, pedi o que queria, sorri, paguei. Abriu a boca pra agradecer e nada de mostrar os dentes. Fiz que ia comprar uma goiabada, perguntei o preço. Cismei que estava de graça comigo. Mesmo falando coisa do meu agrado, eu não queria abrir a jaca de uma hora pra outra. Peguei o feijão, ele falou qualquer coisa pro ajudante. Naquela boca não ia encontrar a resposta, pensei. Podia até estar escondendo a banguela, no que eu achei que era por vaidade.

Uns dias mais pra frente eu voltei na venda.

No lugar do dente um ferrinho. Dali corri pro consultório do prático: “O ferrinho tem uma rosca pra segurar o dente.” — Me explicou.

Volto pra casa, a mãe:

¬—Tava de graça com o dentista?

— Fui botar Gaiacol no dente de trás que tava doendo — inventei.

O tempo passou e não voltei na venda.

Uma noite a mãe chamou pra ir nas barraquinhas da igreja. Ela entrou e eu fiquei conversando com a Rita.

O dono da venda apareceu. Falou que eu estava sumida, minha amiga entendeu e afastou.

Numa hora criei coragem e contei do achado. Mostrei o dente, ele pegou, olhou, abriu a boca, torceu ele no ferrinho. Aí deu de falar.

— Eu estava um dia na venda entretido com o vai e vem do povo na rua. Duns tempo pra cá eu peguei a mania de ficar bulindo neele. Eu torcia, distorcia, um dia afrouxou de vez, destrambelhou e resvalou pro compartimento de feijão. Tão logo vou pegar, os músicos da Lira Santa Cecília, muita gente pedindo refresco, dou com o ajudante acabando de revolver o feijão. Eu não sabia se procurava o dente ou se servia os músicos. Sumiu de vez.

Contei a história pra Rita.

Uns dias depois encontrei o prático na rua. Falou que o dono da venda estava de noivado marcado.

Fiquei sem graça, não sei se percebeu.

Mais uns dias pra frente, na varanda de casa, começou a martelar a ideia de ir embora, começar a vida noutro lugar e terminar os estudos. Fiz uma marca: depois da festa da padroeira. Se dependesse de mim nunca mais punha os pés neste fim de mundo. Não aguentava mais. Só tinha dó da mãe. No dia eu nem despedia dela, só deixava um bilhete. Pra não atentar com nada, comecei a esconder as roupas da viagem na casa da Rita.

No começo das festas, castigo, bate uma dor de dente, no de trás. Bochecho com cachaça, ponho fumo no buraco, cera do Dr. Lustosa e nada. A dor aumentando, a mãe f tudo fez pra me tirar da cabeça a ideia da consulta.

— Filha, dentista é uma gente danada. De tanto relar nas bocas das moças... É de cima que começa. Ainda mais esse tal.

Verguei toda pra trás na cadeira do consultório.

— É igual lança-perfume. Uma zonzeirinha gostosa. Aí eu ponho um remédio pra matar o nervo, você vai pra casa e amanhã já tá boa pra festa.

Veio com o lenço, eu cheirei.

— Mais fundo.

Minha vista escureceu.

Abri os olhos. Chamei ele, nem sinal. Senti uma ardência entre as pernas. O dedo voltou sujo de sangue.

Falei com a mãe que o dente doía e virei pro canto.

Todo dia eu sento na mesa da cozinha, cato feijão, vou na casa da Rita e converso com ela. A mala continua lá. Vez por outra paro na estação, fico olhando. Qualquer dia eu vou embora.


Postado por Anchieta Rocha
Em 9/6/2016 às 11h19

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