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Sexta-feira,
15/7/2016
Na minha opinião...
Raul Almeida
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Ninguém estava prestando atenção a ele ali sentado, opaco, semi silente, fora do contexto, do momento e da realidade daquele grupo. A percepção de que não havia necessidade de dizer nada, absolutamente nada, confirmou a certeza já adquirida, de que ninguém se importava com suas idéias, experiências ou sentimentos. Estava cumprindo tabela, como se diz. Fazia parte de uma desejada ausência que, por força das circunstancias, estava adiada: Um aniversario em família. Um encontro de gerações, uma convergência de antagonismos discretos e tolerados. Uma farsa social.
Mais uma risada, mais uma frase com sentido impreciso, mais um deboche sem endereço certo e ele procurava intensificar sua invisibilidade.
-Obrigado, estou satisfeito.
-Não, não bebo mais tanto assim.
-Pode me passar a jarra com água?
A conversa, entrecortada de risadas, afirmações em voz mais alta, vários sons ao mesmo tempo e os ruídos de talheres, louças, copos e taças, mal conseguia penetrar sua angustia.
Faltava pouco para terminar o encontro quando a pessoa que fazia aniversário começou a distribuir os pedaços do bolo e nomear cada um dos agraciados com o doce.
O primeiro foi marido, depois a mãe, depois um parente distante, em seguida a mais jovem presente, uns e outros entre filhos e assemelhados, ate que todos estavam com seus quinhões.
Mas,um breve momento, uma distração, até que foi notado e lembrado.
- Um pedaço especial.Sei que você gosta de chocolate!
-Obrigado, agora não, estou satisfeito e evitando açúcar, sabe como é, a idade, essas coisas.
-Oh, você gosta! Tem trufas! Toma ai!
-Não obrigado. Fica para outra vez.
Em seguida pediu licença levantando-se da cadeira com a desculpa de ir aos cuidados. Entrou no banheiro, olhou-se no espelho, tentou conter o choro, mas não deu.
Esperou um pouco, lavou-se, esfregou bem os olhos, levantou a cabeça e voltou para recusar o café, o licor, o bombom e os sorrisos de “vai que já esta tarde”.
Ficou mais um tempinho pensando e voltando ao passado em acelerada viagem. Devolveu os sorrisos pendurados nas bocas desrespeitosas, desejou saúde e prosperidade a aniversariante, estendendo a firula verbal a todos os presentes e foi embora. Além ser um parente postiço, não representava uma herança, um legado, uma caixa de jóias, quem sabe um pecúlio, não tinha nada. Não valia nada que se pudesse trocar.Ao contrário, dava despesa e preocupação.
Era aborrecido,maçante, tinha opinião, contava historias que ninguém queria escutar.Era metido, gostava das coisas boas que, agora, não podia mais comprar. Era um traste. Um estorvo. Um ser incomodo, difícil de remover por conta das circunstâncias.
Sentado junto a janela do ônibus intermunicipal, voltava para casa dando-se conta de que não tinha,absolutamente,nada para deixar para ninguém. Lembrava dos mais recentes instantes passados na festa de aniversário sem conseguir ficar triste, chorar, sequer falar sozinho.
A senhora vestida com elegância, olhar singelo, sorriso amistoso e mãos tratadas a ele estendidas, acenou com a cabeça, piscando um olho cúmplice e simpático, sentando-se ao seu lado.
As magoas, amarguras, desapontamentos, tristezas, saudades, vontades e esperanças despediram-se com acenos e gestos largos.
Seguiu sem perder a pose, olhando pela janela.
A mulher levantou-se e, do jeito que apareceu, foi embora apagando as ligações afetivas, as lembranças mais fortes, as afinidades cultivadas.
Estava surpreso consigo mesmo, o coração vazio com um pálido sentimento de perda de algo que imaginou ter existido.Fim de ciclo.
Tinha muito para se ocupar. Tinha a companheira de toda a vida.Tinha a vida, estava estranhamente feliz.
Postado por Raul Almeida
Em
15/7/2016 às 16h21
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