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Domingo,
3/9/2017
Na cama de Almodóvar II, III, IV, V
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
+ de 700 Acessos
II
Ata-me com abraços.
Ata-me ao cheiro da tua pele.
E aos teus mais íntimos segredos.
Não te quero em minha vida
pai de filhos e provedor do lar.
Trabalhar me faz bem.
Liberdade? Ainda mais!
Aprecio delicadeza
e fidalguia masculinas:
“La non-demande en mariage”.
Te lembras de Brassens nos anos 1970?
Ata-me a esta canção que rememoro ao desejar,
na vida e na arte, como o fez o poeta,
fidelidade ao amor.
Ao sobrenome registrado em cartório
prefiro a fragilidade do pleno sentimento.
Repete para mim os versos desse autor:
“A la dame de mes pensées
Toujours je pense.”
Ata-me com tua presença
em minha cama.
Assim te espero.
III
Ata-me à tua chegada porque queres voltar.
Fala comigo de igual para igual.
Ata-me ao teu falo.
Não te desejo pastor de ovelhas
tirando sons da flauta de Pã.
Nem te desejo noivo prometido,
preso a antigos acordos de família.
Não almejo na casa enfeites de louros
e oliveiras, ambientando banquete nupcial
onde devo permanecer de rosto coberto.
Nessa tal festa não havida, dispensei
a mesa de iguarias.
Bolos de gergelim, mel e frutos
podemos comer o ano inteiro.
Entanto, louvo nas hetairas
o saber e o corpo livre.
E louvo o libertário canto de Safo:
“Eros, o que desce dos céus,
envolto em purpúrea clâmide (...).”
Ata-me às tuas roupas.
Ata-me com teu suor.
Ata-me à tua nudez.
Assim te desejo.
IV
Ata-me com tua presença.
Telefona pra mim sempre que possível.
Ata-me com tua voz dizendo meu nome.
Onde nasci, não me chamaram de primeira,
nem de segunda menina. Sempre tive nome
e sobrenome. E tenho garra para saber
e dizer o que quero. Ou o que não quero.
Aprecio flores do campo.
Colares de sementes.
E gosto de andar descalça.
Prefiro objetos de terracota às porcelanas.
Dos antigos casamentos chineses,
agrada-me apenas o vermelho das roupas.
Ah, aprecio também infusão de jasmins!
Mas nunca servirei chá aos sogros
como sinal de submissão.
Como numa praça de touros,
entre desejo e cópula,
minha carne trêmula
te recebe em festa.
Fala comigo.
Ata-me à tua presença.
Sempre.
V
Ata-me à tua carne desejante.
Ata-me às oscilações do verbo.
E ao tremor do silêncio.
Às traduções da palavra “amor”,
me afasto das paráfrases porque tal sentimento,
na fala ou nos escritos, jamais eclode pleno.
Deslizantes no filme, as imagens
retêm no instante a paixão em foco.
Carmim é o nome do sangue.
Carmim é o gosto da romã.
Com as cores do apaixonado,
visto-me para os matizes do amor.
Ata-me! Na cama de Almodóvar
minhas sementes gritam ao cio.
Em total obediência, ata-me
o matador.
Sua adaga perfura-me o coração.
Sangramos ao jorro do gozo.
(Do livro Não sei se vou te amar. São Paulo: Scortecci, 2016)
Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
Em
3/9/2017 às 11h02
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