Belém, entre a cidade política, a loja e a calçada | Relivaldo Pinho

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Sexta-feira, 28/4/2023
Belém, entre a cidade política, a loja e a calçada
Relivaldo Pinho
+ de 1300 Acessos


Mean Streets II. Foto: Relivaldo Pinho


É tarde de 31 de dezembro de 2022. Em uma loja de conveniência, em um dos cruzamentos mais movimentados de Belém , uma senhora sozinha, de aproximadamente 80 anos, pergunta ao balconista se eles vão abrir no dia seguinte. Ele diz que sim, “funcionaremos normalmente”. Ela, então, agradece e caminha lentamente, provavelmente, de volta para casa. Eu não a conheço, mas vou chamá-la de “Andreia” (coragem, em grego).

A dois quarteirões, próximos dali, um grupo de pessoas, em sua maioria idosos, reúne-se em frente a uma casa, como faz todos os dias. As calçadas largas da rua, a aparente tranquilidade e um hospital que fica em frente devem promover, ainda mais, os olhares e as conversas, e favorecerem a manutenção desse hábito, já residual na grande cidade.


Homem ao final da tarde. Foto: Relivaldo Pinho


A cidade parece proporcionar formas de convívio diferentes. Pessoas sozinhas, não necessariamente solitárias, e pessoas que em grupo parecem dividir os mesmos interesses.

Belém, nesse sentido, no aspecto de reunir pessoas, é uma comunidade. Mas poderia, ainda, a cidade ser considerada uma comunidade política?

Aquela em que a sua principal finalidade (estou transpondo, com certa indisciplina, a ideia de cidade-estado para uma ideia moderna de cidade) é promover um bem, lembrando, distantemente, a definição de Aristóteles , no famosíssimo início da obra “Política”?


Busto de Aristóteles, do escultor grego Lysippos, ao lado de uma cópia do livro Ética a Nicômaco do século XIV. Fonte: https://www.netmundi.org/filosofia/2017/aristoteles-cientista-da-antiguidade/


A concepção naturalista da cidade (cidade-estado, pólis ) aristotélica, como se sabe, propõe que os indivíduos se unem porque a natureza assim os impele, para sua própria sobrevivência e permanência.

Não apenas isso, a cidade precede o indivíduo, já que, para o grego, a parte apenas se define pelo todo. É o viver na coletividade política (na cidade-pólis) que define o homem.

Daí que para Aristóteles viver na cidade-estado não é apenas viver em conjunto, mas viver bem. Isso significa que a natureza da cidade, do estado, como nós ainda adotamos, é a promoção do bem comum, essa é sua definição.

O indivíduo, que tem o dom da fala, ao contrário dos outros animais, e que por isso detém o poder de escolher e julgar, pode, investido de justiça e moral, criar uma coletividade voltada para aquilo que o define, ser um animal político ( “zoón politikon”).

Quase todos conhecemos essas argumentações, aqui abruptamente resumidas, do filósofo grego, exatamente porque, dentre outras coisas, elas fundamentaram grande parte da compreensão da política e do estado por séculos.

Belém não é uma “pólis”, evidentemente, mas o espírito do viver em comum (a analogia aqui é mais inspiradora que comparativa) ainda nela habita.

Nessa múltipla urbe, uma senhora entra em uma loja buscando manter seu hábito; um grupo de pessoas, pelo mesmo motivo, junta-se para conversar.

Ambos, de certo modo, desafiam a ideia de uma cidade, como Belém, que em quase tudo parece não atender ao chamado do viver em conjunto, que dela se participe, realizando a sua finalidade, a finalidade do cidadão (o conceito de cidadão da Grécia antiga tinha relação com a participação política direta ou indiretamente, mas nem todos, como se sabe, eram considerados cidadãos) de participar do bem comum.

Mas, aqui, não é Belém ou o ente estatal somente a proverem esse comportamento, esse hábito, esse bem.


Planos citadinos I. Foto: Relivaldo Pinho


De certo modo, há ainda, não no sentido estritamente aristotélico, uma cidade que permanece apesar da fragmentação do ambiente citadino e mesmo com a inequívoca ausência de um estado enquanto poder.

A atitude da senhora e do grupo da calçada parecem exclusivamente individuais, mas não são. São comportamentos de um sentido maior, sentidos que permanecem em uma grande cidade como Belém.

No caminhar sozinha de casa para a loja, a senhora queria se assegurar que, mesmo em uma data incomum, ela iria conseguir seu pão, ou doce, onde sempre compra.

Há um hábito de sair de casa e se comunicar com a cidade, há uma tradição que, sendo assegurada, satisfaz, para a metódica cidadã, a sua doméstica riqueza, sua vida.

Os que ainda permanecem nas frentes de suas casas desejam apenas manter-se na calçada, essa extensão da casa que se comunica com a rua, sendo uma interseção ainda possível entre as separadoras grades de janelas e portas e uma certa necessidade de se integrar, com os outros, ao espaço citadino.

Se a noção de cidadão na antiguidade grega se liga à ideia de participação política na cidade-estado, na contemporânea cidade, essa noção parece cada vez mais distante.

Talvez a distância entre o indivíduo e o estado não possam suscitar essa direta participação como em momentos da antiguidade helênica.


Ângulos. Foto: Relivaldo Pinho


Não só porque a participação representativa indireta na cidade, no estado ocidental, se tornou uma das formas mais aceitas há muitos séculos. Mas, possivelmente, porque, com o distanciamento do aparato burocrático político, restou a uma parte dos cidadãos gritar em frente à TV, enraivecer-se diante de uma mensagem no celular, comprar um pão, ou ficar em frente de sua casa.

Você, estimado leitor, pode estar pensando que a senhora da conveniência poderia pedir seu produto pelo aplicativo, e que, por outro aplicativo, os contempladores da calçada poderiam manter suas conversas.

Sim, poderiam, e não há motivos para questionar que ambos os comportamentos se complementem hoje.

Mas, talvez, exista um elã que faça alguém sair de casa, congraçar-se com aquele caminho da cidade, e falar diretamente com alguém, mesmo que seja para fazer uma pergunta simples.

Haveria um mesmo motivo no ato de se estender para além dos quartos, salas e telas de celular e olhar para os outros e, principalmente, olhar para os outros e a cidade.

Pode parecer romântico, mas é possível que haja um certo cerne irremovível de nossa atitude gregária, de participação da cidade, que ainda, para lembrarmos Aristóteles, de algum modo nos defina – “zoón politikon”.

Na Belém do amanhã, espero passar novamente pela rua dos que ficam sentados na calçada e espero, antes, encontrar dona Andreia na fila do pão.


Relivaldo Pinho é autor de, dentre outros livros, “Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia”, ed. ufpa.

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Esse texto foi publicado no Diário online


Postado por Relivaldo Pinho
Em 28/4/2023 às 03h30

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